Nota pública
Quebra de sigilo, whatsapp, provas ilícitas e STF
O Brasil, uma vez mais atônito, como se ainda fosse possível surpreender-se neste manicômio jurídico, deparou-se com a notícia veiculada pelo Jornal JOTA, às 16h55 do dia 23 de agosto de 2022, nos seguintes termos: “ELEIÇÕES 2022 – Celulares apreendidos mostram troca de mensagens entre Aras e empresários bolsonaristas”. Ao se ler a notícia, destaca-se o seguinte trecho:
“Nos celulares apreendidos pela Polícia Federal com empresários bolsonaristas há troca de mensagens com o procurador-geral da República, Augusto Aras. A informação é confirmada por fontes da PF, do Ministério Público Federal (MPF) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda segundo fontes do MPF, PF e STF, nas mensagens haveria críticas à atuação do ministro Alexandre de Moraes e também comentários sobre a candidatura de Jair Bolsonaro. As mensagens ainda são mantidas em sigilo, mas já viraram tema entre ministros do STF.”
A Associação Nacional MP Pró-Sociedade vem a público manifestar, uma vez mais, extrema preocupação com o avanço de medidas e procedimentos judiciais e midiáticos capazes de abalar os alicerces mais profundos e importantes do regime democrático, do devido processo legal e da proteção das demais liberdades individuais. Mas, para que se possa dimensionar o caso e suas repercussões, convém breve recapitulação dos fatos.
O jornal Metrópoles, em reportagem datada de 17 de agosto de 2022, assim noticiou: “EXCLUSIVO. EMPRESÁRIOS BOLSONARISTAS DEFENDEM GOLPE DE ESTADO CASO LULA SEJA ELEITO; VEJA: Empresários apoiadores de Jair Bolsonaro atacam STF, TSE e defendem ruptura em caso de vitória de Lula. Série de reportagens começa hoje”.
Aprofundando a questão, também se verificou que mal o tema foi divulgado pela imprensa, aportou no STF, em 18 de agosto de 2022, um pedido judicial formulado por uma “COALIZÃO EM DEFESA DO SISTEMA ELEITORAL”, composta por instituições como a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA, ASSOCIAÇÃO DE JUÍZES PARA A DEMOCRACIA, ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE JURISTAS, INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS AVANÇADOS DA MAGISTRATURA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO e COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ DE BRASÍLIA, solicitando, em síntese, a apuração do conteúdo da reportagem publicada pelo jornal METROPOLES, referida acima, no âmbito do Inquérito nº 4.781, conhecido ordinariamente como “Inquérito das Fake News”.
Dias depois, o STF, por decisão que se imputa ao Ministro Alexandre de Moraes, a Polícia Federal (PF) teria sido autorizada a realizar busca e apreensão e outras medidas cautelares contra oito alvos, todos empresários conhecidos publicamente pelo apoio à gestão do atual Presidente da República:
“O ministro do STF Alexandre de Moraes atendeu a um pedido da Polícia Federal e autorizou busca e apreensão em endereços de oito empresários bolsonaristas. […] O pedido faz parte do inquérito que investiga milícias digitais suspeitas de atuar contra as instituições e a democracia.”
Embora, inicialmente, o pedido formulado pela Polícia Federal ao STF e a decisão do STF estivessem sob sigilo, CURIOSAMENTE o site G1 informou conhecer detalhes da decisão ao indicar que “o ministro Alexandre de Moraes determinou a quebra dos sigilos bancários e das mensagens, além do bloqueio das contas bancárias e dos perfis dos empresários em redes sociais”.
Causa espécie que agentes da imprensa (de mais de um veículo de comunicação) possuam informações privilegiadas sobre decisões judiciais prolatadas pela mais alta corte judicial do País em situação de sigilo.
Observa-se que, entre a data da realização das operações, isto é, o início da manhã de 23 de agosto, e a divulgação da notícia pelo site JOTA, transcorreram cerca de 10 horas. Considerando que este lapso temporal não foi suficiente sequer para a trasladação dos aparelhos para a capital federal, pois a operação ocorreu em várias cidades e, à evidência, ainda não foram submetidos à perícia forense, de que forma a imprensa teve conhecimento do conteúdo de mensagens trocadas entre um dos investigados e o Procurador-Geral da República (PGR), que sequer era objeto de qualquer investigação?
Veja-se que a medida em questão, ainda que não analisada pela ótica do direito à liberdade de expressão dos tais empresários-alvo da investigação, transborda por completo todos os limites do razoável.
Percebe-se a possível utilização da técnica investigativa do fishing expedition, quando se busca em um alvo aleatório, menos importante (no caso, um dos empresários, notoriamente um amigo do PGR), informações relacionadas a outros alvos mais importantes. Utilizar-se um aparelho de um empresário para devassar conversas deste com o PGR consiste em uma clara tentativa de desestabilizar o Ministério Público brasileiro e o próprio sistema acusatório.
Não bastassem todos estes fatos, extremamente perigosos para as instituições democráticas, o mesmo Jornal JOTA noticiou que parlamentares peticionaram ao STF (em inquérito sigiloso) postulando o compartilhamento das conversas entabuladas entre um dos investigados e o PGR para fins de análise de abertura de processo de impeachment, o que demonstra ser plausível a tentativa do fishing expedition.
Sequer se está a discutir na presente nota as possíveis ilegalidades decorrentes da atuação do STF na apuração dos atos praticados pelos referidos empresários, em especial a ausência de foro privilegiado dos empresários-alvo, atipicidade das condutas e ofensa ao princípio acusatório, circunstâncias estas que justificariam acréscimos de novas linhas.
De igual forma, medidas cautelares como bloqueio de contas correntes de empresários são extremamente danosas, sem excluir a visível desproporção.
“Ou ficar a Pátria livre, ou morrer pelo Brasil.”
(Hino da Independência)
Nota Pública - Transcrito do site Conservadores & Liberais