Vozes - Luciano Trigo
O que “Freakonomics” dizia sobre o aborto | Foto: Bruno Covello/Gazeta do Povo
Nos seis estudos reunidos no best-seller Freakonomics – O lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta, lançado em 2005, o economista Steven Levitt e o jornalista Stephen Dubner se basearam em análises quantitativas para fazer interpretações inusitadas sobre temas controversos, das causas da corrupção ao tráfico de drogas como atividade econômica. Outro tema investigado foi a relação entre aborto e criminalidade nos Estados Unidos.
Atenção, leitor! O que vou fazer a seguir é apresentar, de forma resumida, os argumentos de Levitt e Dubner. Não tire conclusões precipitadas sobre a minha opinião a respeito do tema, que voltou ao debate no Brasil por iniciativa do Supremo.
A tese dos autores de Freakonomics – para lá de controversa – é a seguinte: o maior responsável pela queda brutal da criminalidade em Nova York a partir dos anos 90 não teria sido o aumento do número de policiais, nem a recuperação da economia do país, nem políticas inovadoras de segurança pública, nem mudanças no mercado de drogas, mas a legalização do aborto, em 1973.
“Esses dois fatores — uma infância pobre e um lar de mãe/pai solteiro — estão entre os mais fortes fatores determinantes de um futuro criminoso. Crescer num lar de genitor solteiro praticamente dobra a propensão de uma criança para o crime.
“O mesmo ocorre com os filhos de mães adolescentes. Um outro estudo mostrou que a baixa instrução materna é o fator isolado de mais peso para conduzir à criminalidade.
"Em outras palavras, os próprios fatores que levaram milhões de americanas a fazerem aborto também representam indicadores de que seus filhos, caso tivessem nascido, teriam vidas infelizes e possivelmente criminosas. (...)
“O efeito mais dramático da legalização do aborto — e que levaria anos para se fazer sentir — talvez tenha sido o seu impacto sobre a criminalidade. No início dos anos 90, precisamente quando a primeira leva de crianças nascidas após o caso Roe x Wade chegava à adolescência — época em que os jovens do sexo masculino atingem seu auge criminoso —, o índice de criminalidade começou a cair. O que faltava nessa leva, é claro, eram as crianças mais propensas a se tornarem criminosas. (...)
“É chocante descobrir que o aborto foi um dos maiores fatores responsáveis pela diminuição da criminalidade da história americana. (...) A queda da criminalidade foi, no jargão dos economistas, um ‘beneficio acidental’ da legalização do aborto.”
Esta é uma tese amoral, e os próprios autores assumem isso: o moralismo, afirmam, representa a maneira como gostaríamos que o mundo funcionasse, enquanto a análise econômica mostra como ele realmente funciona.
Mas a tese não é apenas amoral: ela pode ser facilmente classificada como fascista, ou mesmo genocida. Pois além de associar a criminalidade à pobreza, o que Levitt e Dubner estão afirmando é que a consequência prática da legalização do aborto foi resolver a questão da segurança estimulando as mulheres pobres a abortar – já que isso impediu o nascimento de centenas de milhares de potenciais criminosos na América, em um verdadeiro genocídio invisível.
Nas entrelinhas, eles apresentam a redução da violência não somente como consequência, mas também como justificativa para a legalização do aborto.
A reação de cada um à tese de Levitt e Dubner é, a meu ver, reveladora de um aspecto importante e paradoxal do debate em curso sobre o aborto, que vem sendo negligenciado. Se me permitem a generalização, no Brasil de hoje aqueles que defendem o aborto são os mesmos que se esgoelam chamando de fascista e genocida qualquer pessoa que pense de forma diferente da sua.
Mas uma jovem progressista de classe média ou alta que grita “Meu corpo, minhas regras” para defender o aborto deveria refletir, porque pode estar apoiando, sem saber, a adoção de uma ferramenta fascista e genocida de controle da natalidade – cujo impacto se abaterá, principalmente, sobre as mulheres pobres (que a jovem burguesinha julga defender e representar).
Já naqueles que são contrários ao aborto, o que a tese provoca é, no máximo, algum desconforto intelectual, já que a violência também é um tema que preocupa, mas sem diminuir sua repulsa à legalização: “A correlação entre a legalização do aborto e a redução da criminalidade pode até fazer sentido, mas nem por isso vou passar a defender o aborto, porque este é um tema que envolve questões morais e espirituais que vão muito além da racionalidade econômica”. [lembrando que a maior violência é consentida e praticada pela mãe aborteira, assassina fria e cruel, contra um ser humano indefeso e inocente e que ela deveria defender a qualquer preço.]
Voltando a Freakonomics: os autores começam o capítulo relacionado ao tema falando sobre Nicolau Ceausescu, ditador comunista da Romênia, que em 1966 declarou ilegal o aborto no país. O objetivo era promover um boom demográfico que fortalecesse a economia:
“Até 1966, a Romênia praticara uma das políticas mais liberais do mundo com relação ao aborto. Essa era, com efeito, a principal forma de controle de natalidade vigente, com cinco abortos para cada nascimento com vida. Agora, praticamente da noite para o dia, o aborto estava proibido. (...)
“Proibiram-se, ao mesmo tempo, todos os métodos anticoncepcionais e a educação sexual. Agentes federais sarcasticamente apelidados de Polícia Menstrual abordavam regularmente as mulheres em seus locais de trabalho para submetê-las a testes de gravidez. Uma mulher que passasse muito tempo sem engravidar era obrigada a pagar um alto ‘imposto de celibato’.
Uma jovem progressista de classe média ou alta que defende o aborto pode estar apoiando, sem saber, a adoção de uma ferramenta fascista de controle da natalidade
(...)
Como sugerem os autores de Freakonomics, a lição do caso romeno, também útil para o debate em curso, pode ser outra: a de que, historicamente, a legalização do aborto sempre interessou às ditaduras de esquerda.
Se não, vejamos: na União Soviética, o aborto foi legalizado e disponibilizado para todos à custa do Estado – modelo adotado, com algumas variações, por todos os países sob a esfera de influência do Kremlin.
Em Cuba, o aborto é legalizado desde 1965: a mulher pode abortar sem restrições até a 10ª semana de gestação, sem precisar apresentar um motivo.
E na China, até outro dia, o aborto não era apenas legalizado: era, em muitos casos, obrigatório: em função da “política do filho único”, estima-se que mais de 300 milhões de mulheres foram obrigadas a abortar e 108 milhões foram esterilizadas.
Dá o que pensar.
Luciano Trigo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES