Lembrei-me
dela ao ler trechos da decisão com que o ministro Dias Toffoli anulou,
monocraticamente, o acordo de leniência (delação premiada) da Odebrecht.
A abundância dos adjetivos, as analogias e o tom de discurso político
gritam sua incompatibilidade com o que a sociedade pode esperar de uma
decisão judicial de tal gravidade.
Palavras e expressões como
conspiração, armação, conluio, ovo da serpente, pau de arara do século
XXI cabem em certas colunas de O Globo ou da Folha, mas preocupam os
cidadãos atentos, principalmente quando usadas por um ministro do
Supremo para atribuir à Lava Jato o “objetivo de colocar um inocente
como tendo cometido crimes jamais por ele praticados”. Nem mesmo o
ministro Fachin foi tão longe.
As pessoas
com quem falo sobre nosso amado país expressam sentimentos semelhantes
aos meus.
Ora o Brasil parece um carro sem freio e ali adiante haverá
uma catástrofe, ora parece descer a cada dia um degrau da escada
sinistra do infortúnio. Na primeira situação, haverá um ponto final; na
segunda, talvez não, porque sempre será possível piorar um pouco.
Esta é
a sensação mais frequente pois o noticiário de cada dia nos informa
que, de fato, descemos ou desceremos mais um degrau do impensável
destino. Algo de que não podíamos sequer cogitar aconteceu.
Tem sido
tão vertiginosa a velocidade com que o país se deteriora que a memória
dos acontecimentos some com a poeira que levantam, mas ao final de cada
dia, no balanço dos fatos, vemos crescer o abismo entre a sociedade e o
Estado.
A assim
chamada tribuna de honra do desfile do dia 7 proporcionou imagem viva e
colorida desse isolamento.
Ali estava a “democracia” pela qual se
empenharam com tanto ardor os ministros do STF e do TSE.
Ali estavam
estampadas as consequências do intenso trabalho das redações e de seus
digitadores a soldo.
Ali se concentravam os frutos omissão de uns e da
intromissão de outros, da censura e do cerceamento à liberdade de
expressão jurado desde 2019. Ali também estavam representados os
contemplados pela anulação das provas dos crimes cometidos.
E a
cidadania, a lesada de sempre? Ausente, como vem sendo mantida, mas por
vontade própria.
Dos males possíveis, o maior será aquele em que a nação facultar a si mesma o abandono à própria sorte. Resistir sempre.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas
contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A
Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia
Rio-Grandense de Letras.