É
peculiar que a AMB se insurja contra uma regra que protege a
imparcialidade do juiz. Com a ação, essa entidade não está defendendo os
juízes, e sim os interesses dos advogados que são parentes de juízes,
de desembargadores e de ministros. Tudo isso em detrimento da autoridade
e da isenção da magistratura.
O
julgamento da ação da AMB foi suspenso por um pedido de vista do
ministro Luiz Fux. Até o momento, há dois votos pela constitucionalidade
do impedimento e um contrário. Segundo o ministro Gilmar Mendes, que
votou pela procedência da ação, a imparcialidade do juiz já estaria
resguardada por outras hipóteses de impedimento.
Não
há como deixar de notar que, toda vez que o Congresso coloca de fato o
dedo na ferida – no caso, identificando a causa da falta de isenção da
magistratura e definindo um remédio para o problema –, surge a reação
dizendo que a norma é desnecessária ou repetitiva.
Na verdade, a ação da
AMB só desvela o grande acerto da regra do CPC.
O
CPC (Lei 13.105, de 2015) regulamenta o processo judicial civil e
estabelece as regras de competência, os deveres de cada parte no
processo, os procedimentos para a produção de provas e também as
hipóteses de impedimento e de suspeição dos juízes.
Sobre esse último
tópico, o Congresso determinou que o juiz está impedido de julgar um
processo “em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de
seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha
reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado
por advogado de outro escritório” (art. 144, VIII).
Foi
um avanço importante, que veio proteger a imparcialidade do juiz.
Não é
uma regra contra os magistrados nem faz uma presunção negativa sobre a
atividade jurisdicional.
Trata-se apenas do reconhecimento elementar de
que, para preservar a isenção do juiz, ele não deve julgar uma causa
cuja parte seja defendida por escritório de algum parente seu.
A
rigor, mais do que uma completa inovação, a nova hipótese de
impedimento é a concretização de um ponto fundamental do Estado
Democrático de Direito: a Justiça deve ser imparcial.
A Convenção
Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, estabelece
que “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei”.
A
Constituição de 1988 também protege a imparcialidade do magistrado, por
exemplo, ao prever o princípio do juiz natural, ao proibir tribunais de
exceção e ao fixar vedações aos magistrados – atividades que, se
exercidas por um juiz, diminuiriam sua isenção.
E, como estabelece a Lei
13.105/2015, “o processo civil será ordenado, disciplinado e
interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos
na Constituição”.
Não podia ser diferente.
De que serviria um conjunto
sofisticado de regras sobre o processo, se a Constituição não fosse
respeitada?
Se o juiz da causa estivesse numa situação de maior
proximidade com alguma das partes?
Tudo
isso é cristalino, mas não para a AMB. Na opinião da associação dos
magistrados, seria impossível cumprir a norma, o que feriria o princípio
da proporcionalidade.
Eis aí como se expressa agora a resistência
contra melhorias promovidas pelo Congresso.
Sem argumentos e sem provas,
alega-se que não é possível implementar a norma aprovada.
mesma
tática tem sido usada contra a figura do juiz de garantias.
Dito
tudo isso, é preciso também respeitar as competências. Cabe ao
Congresso, e não ao STF, legislar sobre as hipóteses de impedimento. [em nossa opinião de leigos, segundo a Constituição Federal vigente, não cabe ao STF legislar sobre nada.]
Opinião - O Estado de S. Paulo