Na mais recente
turbulência política provocada pela divulgação de conversas para lá de
embaraçosas de três “capas-pretas” do PMDB, um detalhe chama especial
atenção: nenhum dos personagens estimulados a dizer o que não deveriam
ao gravador de Sérgio Machado se animou a reclamar em público pelo fato
de terem servido de cobaias na coleta de material para uma delação
premiada.
Romero Jucá, José Sarney e Renan Calheiros aludiram à
inadequação do “contexto” dos trechos divulgados, negaram intenções
escusas por trás das palavras obscuras, mas não impuseram reparos nem
qualificaram como traiçoeiro o ato do ex-presidente da Transpetro ali
sustentado pelo partido por 12 anos consecutivos. Com a anuência e o
aval do PT, o dono da bola nesse período.
Ao menos os três
tiveram o bom senso de não invocar o argumento da perseguição política,
da conspiração ou coisa que valha. Escolados e escaldados preferiram por
ora aguardar os acontecimentos sem maiores precipitações. Não cutucaram
a fera ferida nem fizeram acusações aos investigadores, aos promotores
que negociaram a troca de informações ou ao ministro Teori Zavascki que
homologou a delação.
Nisso, se diferenciaram (sem ilações de que
nisso resida mérito, por favor) dos petistas, cuja prática de atacar o
mensageiro equivale a sistemáticas assinaturas de recibos, além de
levá-los a desmentir as próprias versões. Um exemplo foi a reação de
Dilma Rousseff à conversa em que Romero Jucá sugere que o impeachment da
presidente daria conta de “estancar essa sangria”.
Dilma e os
companheiros de partido de imediato atribuíram ao diálogo a condição de
“prova” da conspiração para derrubá-la, que nada teria a ver com o crime
de responsabilidade ora em exame na comissão especial do Senado. Quer
dizer, a mandatária afastada não respeita delator, mas tem o maior
respeito pelas gravações feitas por Sérgio Machado na busca de sua
delação. Do mesmo modo, o PT desqualifica o teor de gravações e
depoimentos que implicam seus correligionários, mas qualifica o método
quando o atingido é o adversário.
E cessam por aí as diferenças,
pois algo mais forte os iguala: o desejo de que a operação fosse lavada
da face da terra. O pitoresco da história é que as urdiduras dos
referidos poderosos resultam em rigorosamente nada. Tão influentes e, ao
mesmo tempo tão impotentes diante de um cenário que desconheciam,
embora já tivessem tido dele uma amostra na CPI dos Correios que
sustentou a denúncia da Procuradoria-Geral da República, que virou
processo no Supremo Tribunal Federal e resultou na condenação de gente
que se imaginava diferenciada.
Desde então, e agora mais do que
nunca, o ambiente exige respeito, já dizia Billy Blanco em seu Estatuto
da Gafieira. As gravações, por enquanto, não expuseram crimes. Não
foram, porém, sem efeito. Mostraram ao País a discrepância entre o que
dizem em público nossas autoridades e o que falam no recôndito da
privacidade. Oficialmente todos eles são defensores da Lava Jato. No
paralelo, contudo, revelam horror ao cumprimento da lei e à
independência dos Poderes. Nutrem especial repúdio à conduta correta de
servidores.
Ao ponto de um ex-presidente da República, como José
Sarney, considerar que o Brasil vive uma “ditadura da Justiça”. No
mínimo uma contradição em termos.
Ainda que as inconfidências de
suas excelências não venham a lhes render punições mais graves, já
serviram para pôr abaixo a pose de distinção que assumem diante de um
microfone e a inconsistência das bravatas cometidas nos conchavos. E de
novo recorrendo a Billy Blanco, desta vez com A Banca do Distinto,
encerremos: A vaidade é assim/ põe o bobo no alto e retira a escada/ mas
fica por perto esperando sentada/ mais cedo ou mais tarde ele acaba no
chão.
Fonte: Dora Kramer - O Estadão