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segunda-feira, 30 de julho de 2018

Reformar-se ou ser reformado: o dilema do STF

Há tribunal constitucional que incomoda pelo que faz bem. O STF incomoda mais pelo que faz mal

O debate eleitoral de 2018 ganhou um ingrediente inédito na democracia brasileira: a reforma do STF passou a fazer parte de programa de governo. Nestas eleições, o tribunal não será só supervisor da legalidade do processo, ao lado da Justiça Eleitoral, mas tema de campanha. Poucos discordam de que muita coisa está fora da ordem no Palácio da Justiça, e candidatos terão de se posicionar.

Há boas e más razões para esse movimento. Entre as más razões, alguns grupos políticos tentam domesticar o tribunal que os manda prender. Despido de autocrítica, o STF reduz sua crise ao esforço de sobrevivência de seus inimigos e se vê como vítima de revanche na luta anticorrupção. Problemas ficam debaixo do tapete; as críticas sérias, desqualificadas.  A prática do STF oferece, contudo, boas razões para a reação. O ritmo lotérico, a incapacidade de construir jurisprudência, as decisões monocráticas irreversíveis, a arbitrariedade da escolha do que decide (e não decide), as obstruções e os conflitos de interesse de ministros, a imagem de parcialidade e seletividade vêm sendo expostos exaustivamente por publicações acadêmicas e jornalísticas. A iminente troca da presidência do tribunal, antes fato burocrático corriqueiro, gera inquietações sobre a agenda do país. Todos querem saber o que Dias Toffoli vai pautar quando assumir. 

Sintomático que essa seja uma pergunta pertinente.  Há tribunal constitucional que incomoda pelo que faz bem. O STF incomoda mais pelo que faz mal. São seus defeitos, não seus méritos, que o tornam vulnerável. A inércia em aperfeiçoar ritos internos e a desobediência a suas próprias regras convidam reação externa. Aí mora um perigo. O debate político sobre reforma do STF costuma ser impressionista no diagnóstico e pobre em imaginação. Não parte de avaliação atenta do que funciona mal nem de suas causas; menos ainda de visão mais criativa do modelo de tribunal que poderíamos ter.

O STF precisa de uma boa reforma, não de qualquer reforma.

Intuição, palpite e afeto podem ser gatilhos de mudança, mas não são nortes. O antipetismo, sob condução de Eduardo Cunha, aumentou em 2015 a aposentadoria de ministros para 75 anos de idade por meio da “PEC da Bengala”. Fabricou pânico diante de uma “Corte de ministros do PT”. Não apontou evidência empírica de que ministros se curvam a partido. O petismo, por sua vez, em reação ao julgamento do mensalão, buscou combater o “ativismo judicial” — que mal conseguiu conceituar ou demonstrar — por meio da PEC 33, de 2011. Propunha, entre outras coisas, um recurso plebiscitário contra certas decisões do STF. 

A maioria dos Projetos de Lei sobre o STF que tramitam no Congresso trata do método de nomeação de ministros. Variável importante, mas que toca na superfície do colapso arquitetônico do tribunal. A Câmara também aprovou, há poucos dias, Projeto de Lei que proíbe liminares monocráticas no controle de constitucionalidade. Não explicou o que essa lei acrescentaria à Lei 9882/99, que já proíbe tais liminares. Se o STF ignora essa lei, por que seguiria a nova? Não se reforma cultura decisória numa canetada legislativa.

À medida que o Supremo perde autoridade, seus adversários perdem a cerimônia. O tribunal deve escolher entre reformar-se e ser reformado. Há também a terceira opção, de encolher sua missão e prestar-se a papel quase decorativo na Praça dos Três Poderes. 

Rendido por uma elite política que não mais o respeita, diligente na gestão dos interesses corporativos da magistocracia, fiador do encarceramento em massa e da liquidação de ativos constitucionais, o STF retomaria assento pouco honroso na história do país. Não era essa a ambição constituinte, mas tem sido essa sua vocação. Em troca, preservaria os privilégios da “gran famiglia”, que agradece.

P.S.: sob a regência de Luiz Fux e Cármen Lúcia, o pagamento ilegal de auxílio-moradia universal a juízes e promotores vai completar quatro anos. Ao que parece, o caso será procrastinado até que um acordo atenda à magistocracia. Bilhões de reais depois, poderá ser arquivado. Outra vitória da baixa política judicial.