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quinta-feira, 28 de julho de 2022

Prova do crime - A gravação do médico estuprador é ilícita juridicamente? - Thaméa Danelon

VOZES - Gazeta do Povo 

No dia 11 de julho de 2022, o médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra foi preso em flagrante por ter praticado ato libidinoso com uma grávida, que estava severamente anestesiada por ele próprio, durante a realização do procedimento de cesárea. 
O ato criminoso do médico foi gravado pelas enfermeiras através de um aparelho de celular, e, evidentemente, o médico não havia consentido com a gravação. 
Diante dessa questão, surge a seguinte dúvida: as enfermeiras poderiam ter realizado a gravação do ato criminoso do anestesista?  
Essa prova poderia ser considerada lícita e utilizada para a condenação do médico? 
Vamos, agora, analisar essa questão.


Se condenado, médico indiciado por estupro no RJ pode ficar só três anos em regime fechado - Imagem ilustrativa. -  Foto: Unsplash

Sem dúvida, as enfermeiras poderiam ter filmado o crime cometido pelo médico anestesista. Primeiramente, como profissionais da saúde que são, elas têm o dever de zelar pela integridade física e mental da paciente que está sob seus cuidados.  
Além disso, o médico não tinha direito algum sob o sigilo de seu ato criminoso, muito ao contrário, pois as próprias enfermeiras e os demais médicos que participaram do parto poderiam realizar a prisão em flagrante do anestesista. A lei artigo 301 do Código de Processo Penalautoriza qualquer pessoa a prender outra que esteja em flagrante delito. 
Logo, se as enfermeiras tinham o direito de prender o médico em flagrante, que é um ato mais severo do que filmar alguém, evidentemente que o ato de gravar um terceiro que está praticando um crime poderia, sim, ter sido realizado.

Não há sentido que uma gravação seja permitida apenas para beneficiar a defesa de um criminoso; é necessário que as provas no processo penal possam ser utilizadas tanto pela defesa como pela acusação

Contudo, uma lei aprovada em 2019 daria certa margem para questionamento da gravação realizada. Quando o Congresso Nacional discutia o Pacote Anticrime (Lei 13.964/19), apresentado pelo Poder Executivo, os parlamentares incluíram um dispositivo na lei que dizia ser possível a captação ambiental sem o conhecimento da polícia ou do Ministério Público “desde que fosse utilizada pela defesa”
Assim, poderia se extrair da lei nova que essa gravação somente seria considerada lícita caso ela fosse realizada em benefício da defesa de um criminoso, e não em favor da vítima ou da acusação.

Quando o Pacote Anticrime foi encaminhado para o presidente da República, ele vetou esse trecho da lei, pois entendeu que uma prova não deve ser considerada lícita ou ilícita levando em consideração apenas uma das partes de um processo criminal, que no caso seria o réu. O presidente também entendeu que a aprovação dessa parte do projeto representaria um retrocesso legislativo no combate ao crime. Contudo, o veto presidencial foi derrubado pelo Congresso Nacional, e a lei está em vigor.

Mas ainda que a lei esteja vigorando, não faz sentido algum não se considerar a gravação realizada pelas enfermeiras como prova válida. Explico: vamos supor que essas enfermeiras não tivessem realizado a filmagem com o celular, mas apenas testemunhassem o estupro praticado. Assim, quando fossem chamadas para prestar depoimento, essa prova testemunhal não seria válida? Claro que sim, pois elas presenciaram o cometimento de um crime hediondo
Desta forma, se elas poderiam depor, por que não poderiam gravar o crime ocorrido?  
A gravação não seria muito mais eficaz do que as palavras das testemunhas? 
Evidente que sim, pois a filmagem que demonstra a prática concreta de um crime é muito mais fidedigna do que o depoimento de uma pessoa, seja uma testemunha ou a vítima.
 
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Não há sentido que uma gravação seja permitida apenas para beneficiar a defesa de um criminoso; é necessário que as provas no processo penal possam ser utilizadas tanto pela defesa como pela acusação, pois os direitos da vítima também devem ser assegurados. E como direito da vítima e de toda uma sociedade podemos mencionar o direito à segurança pública e de que criminosos cumpram suas penasapós o devido processo legal com intuito de serem afastados da vida em sociedade e para que não cometam novos crimes contra outras pessoas.

Foi apresentada ao STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para que essa parte da lei seja declarada inconstitucional
A Procuradoria Geral da República (PGR), a Advocacia-Geral da União (AGU), e a Presidência da República apresentaram pareceres favoráveis. Agora, cabe ao presidente do STF pautar essa ação para que seja votada pelo pleno. 
Contudo, no meu entendimento técnico, é evidente que as filmagens realizadas são plenamente válidas, e descartar essa prova lícita seria uma total afronta ao Estado Democrático de Direito
A impunidade de criminosos perigosos iria se sobrepor ao direito das pessoas, e principalmente das mulheres, em terem preservadas sua integridade física e psíquica. [COMENTÁRIO: A ilustre articulista, procuradora da República, está certa, certíssima.
Só que vivemos no Brasil, país que vive, pelo menos dizem, sob a égide do 'estado democrático de direito', com uma propensão a aliviar para os criminosos e punir os inocentes - especialmente se os inocentes também apoiam o presidente Bolsonaro que é favorável ao endurecimento das punições para criminosos. 
Entendemos que no caso presente o criminoso deveria ser condenado a pena severa de reclusão e a pelo menos submetido por dez anos à castração química. Só que,infelizmente, será condenado a no máximo 5 anos, saindo livre em dois anos no máximo.
Outro exemplo de impunidade: um individuo no exercício do cargo mais alto da República, Presidente da República, foi condenado a pena superior a dez anos por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro; 
Nove magistrados atuaram no processos e todos condenaram o individuo e as condenações forma confirmadas em três instâncias. Só que em decisão monocrática, um ministro do STF entendeu que a denúncia havia sido apresentada na jurisdição errada - no popular, ocorreu erro de CEP - e anulou os processos, descondenando o condenado, que não foi inocentado.
Hoje ele é candidato ao cargo de presidente da República, em evidente intenção de voltar à cena do crime.
Voltando ao médico estuprador: não será surpresa se daqui a dois ou três anos, o criminoso seja libertado, volte a trabalhar como anestesista e proceder novos estupros - agora com mais cuidados para não ser flagrado.É a nossa opinião.]
 

Thamea Danelon, coluna em VOZES, Gazeta do Povo
Procuradora da República (MPF) desde dezembro de 1999, ex-coordenadora do Núcleo de Combate à Corrupção em São Paulo/SP; ex-integrante da Lava Jato/SP; mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMP-SP); professora de Direito Processual Penal e
palestrante.
 

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Cápsulas de placenta - Gosto e crença para tudo

Por que (e como) elas decidiram ingerir a própria placenta

Mesmo sem comprovação científica de benefícios, tornou-se comum a opção de mães pelo consumo do órgão - em cápsulas, para quem não quer fazê-lo 'in natura'

Com a promessa de aliviar sintomas de depressão pós-parto, aumentar a produção de leite, combater a fadiga e repor nutrientes perdidos durante a gestação, transformar a placenta em cápsulas está se tornando uma alternativa cada vez mais comum entre mulheres que querem comer o órgão após o parto, mas não tinham coragem de ingeri-la in natura, geralmente em forma de vitamina batida com banana ou açaí, assim como fez a apresentadora e chef de cozinha Bela Gil, no ano passado.

O ato de ingerir a placenta – chamado de placentofagia – já existe há alguns anos e é mais comum nos Estados Unidos, onde a cada dia está está mais popular. No ano passado, a socialite americana Kim Kardashian anunciou que comeria a própria placenta depois de dar à luz Saint West, seu segundo filho. Antes dela, as atrizes Holly Madison, January Jones e Mayim Bialik haviam feito o mesmo.

No Brasil, a prática ainda é pouco difundida e ainda causa estranheza na maioria das pessoas. Há cerca de dois anos, no entanto, o encapsulamento da placenta tem se tornado uma alternativa para mulheres que, mesmo sabendo que não existe comprovação científica dos supostos benefícios da ingestão da placenta, acreditam que ela carrega, sim, um alto teor nutritivo (possui ferro, vitamina B6 e B12) e pode ser fundamental para um puerpério tranquilo.

Cápsulas de placenta
Em pouco mais de um ano trabalhando oficialmente com encapsulamento de placentas, a doula Pamella Souza e a enfermeira obstétrica Raquel Carvalho já atenderam 110 mulheres – 37 só neste ano. As duas fizeram um curso de imersão em medicina placentária com uma chilena especialista no assunto. Desde janeiro do ano passado, elas trabalham com manipulação da placenta para produzir cápsulas, tintura, pomadas, óleos e até mesmo telas de aquarela com base no “carimbo” feito com a placenta antes de ser triturada.

Segundo Pamella, para encapsular a placenta o órgão precisa ser desidratado por algumas horas e depois triturado. Para que o processo funcione sem riscos de contaminação e perda dos nutrientes, a placenta deve ser congelada em até cinco horas após o parto. Ao ser entregue para manipulação, Pamella escorre a quantidade excedente de sangue, depois corta a placenta em pequenos pedaços. Em seguida, coloca em uma máquina para desidratar e, por fim, a tritura antes de colocar nas cápsulas. Cada placenta rende de 80 a 120 cápsulas, em média.

A vantagem do encapsulamento, explica Pamella, é que a mulher pode consumir a placenta por mais tempo (desidratada ela tem validade de dois anos), além de ter maior discrição no consumo. “Algumas mulheres não comem carne crua de jeito nenhum, nem mesmo de peixe. Não comeriam a placenta, que não tem um aspecto apetitoso. Mas, quando ela vira pó e é encapsulada, ela perde o cheiro e o aspecto ruim desaparece. A mulher consome como se fosse um comprimido de vitamina”, diz.

A doula Iara Silveira também trabalha com o encapsulamento de placentas há quatro anos. Além de Brasília, onde ela fica, Iara já treinou pessoas em Florianópolis, São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro para fazer o encapsulamento. Só em Brasília ela atende de dez a quinze pedidos por mês. Ela também percebeu uma maior aceitação das gestantes em consumir a placenta em forma de cápsulas. “As cápsulas representam uma forma discreta de usufruir dos benefícios da placenta no pós-parto, de maneira mais contínua”, diz.

Efeitos positivos
A arquiteta e doula Aline França, de 34 anos, tem duas filhas e decidiu transformar sua placenta em cápsulas após o parto da segunda filha, Isabel, que nasceu em casa, em um parto natural. “Meu primeiro parto foi uma cesárea e acabamos jogando fora a placenta. Mas na segunda gravidez eu li muito e fazer as cápsulas de placenta pareceu ser a alternativa mais razoável. Eu não me via comendo um pedaço da placenta ou batendo com alguma fruta”, afirmou.

Aline seguiu todas as orientações sobre como preservar a placenta após o parto e pagou 500 reais pelo serviço de encapsulamento – ao todo conseguiu 130 cápsulas. Tomava quatro unidades por dia. “Foi demais. Estava me sentindo um pouco estranha, com muita vontade de chorar, e assim que tomei as cápsulas já senti um efeito que não esperava. A melancolia foi embora, minha disposição cresceu e aumentou muito minha produção de leite. Foi um puerpério bem diferente do meu primeiro.”

A terapeuta floral Julia Pá, de 32 anos, decidiu encapsular a placenta após o parto do primeiro filho, Estevão, que está com dez meses. Ela teve um parto domiciliar, com parteiras, e soube dos supostos benefícios da placenta por meio delas. Não pensou duas vezes. “Optei pelas cápsulas porque poderia tomar por mais tempo, em doses homeopáticas, durante todo o puerpério. Além disso, teria aflição de comer a placenta in natura por se tratar de um pedaço de carne humana”, afirmou.

Julia pagou 400 reais pelo serviço e sua placenta rendeu 130 cápsulas. Por dois meses e meio, ela tomava duas unidades por dia. “Todas as vezes que ia até o congelador tomar a cápsula eu me lembrava do meu parto, me conectava de novo com aquele momento. Minha placenta me fez uma baita companhia nesse momento tão intenso do pós-parto.”

A doula Mari Noronha, de 36 anos, seguiu o mesmo caminho. Mãe de duas crianças, ela consumiu a placenta do segundo filho após pesquisar muito sobre os benefícios do parto natural e começar a trabalhar com isso. Mari teve o bebê em uma maternidade de São Paulo e conta que, na época, saiu do centro obstétrico levando a placenta embrulhada em um saco plástico com ela para o quarto e teve de armazená-la no frigobar antes de mandar para fazer as cápsulas. “Hoje o procedimento mudou e a placenta fica armazenada no centro obstétrico e a família retira depois da alta”.

Segundo Mari, sua placenta rendeu cerca de 200 cápsulas pequenas e ela tomava seis delas por dia. “Comecei a entrar em uma depressão pós-parto e melhorei minha disposição psicológica e física pouco de pois de começar a tomar a placenta. Não existe comprovação científica, mas as pessoas que tomam, assim como eu, acreditam que isso faz sentido”, disse. Entre as gestantes que acompanha, Mari disse que pelo menos 40% decidem mandar fazer as cápsulas.

Faltam estudos
Segundo o ginecologista e obstetra Waldemir Rezende, membro do corpo clínico dos hospitais Samaritano, Albert Einstein e São Luiz, a placenta é um órgão do bebê, pois ela só existe no período da gestação. Ela é rica em ferro, vitamina B12, hormônios (estrógeno e progesterona), entre outros nutrientes. Para ele, as melhorias relatadas após ingestão das cápsulas de placenta podem ser um efeito placebo e, por isso, precisam ser melhor estudadas. “Se pusermos farinha o resultado pode ser o mesmo se a paciente não diferenciar visualmente as cápsulas”, sugere.

Rezende afirma, no entanto, que a ingestão após a desidratação adequada e sem contaminação, não oferece riscos. “Ingerir a placenta in natura, acredito que possa trazer mais benefícios e maior absorção de nutrientes e minerais, principalmente o ferro”, afirmou. A mulher perde de 300 mililitros a 500 mililitros de sangue no parto vaginal e até um litro de sangue na cesárea.

A Universidade de Jena, na Alemanha, tem um grupo estudando os benefícios do consumo de cápsulas de placenta. Os resultados preliminares divulgados nesta semana apontam que a desidratação provoca uma drástica redução de germes e que o vapor seguido da desidratação provoca uma redução das espécies microbianas. O grupo não encontrou organismos inseguros nas amostras. A maior concentração de hormônios foi encontrada na forma in natura, o que demonstra uma perda hormonal após o processamento da placenta. Além disso, o risco de intoxicação alimentar foi considerado baixo. Agora estudo será repetido com uma amostra maior de casos.

O Hospital e Maternidade São Luiz, em São Paulo, não soube informar quantos pedidos de placenta já atendeu, mas informou que se a mulher quiser, a placenta fica armazenada em um local refrigerado até a alta hospitalar. Já o Grupo Santa Joana, que inclui a Pró Matre, informou que a paciente pode levar a placenta para casa, mas deve fazer isso no mesmo dia do parto, pois o hospital não se responsabiliza pelo armazenamento.

 Fonte: Revista VEJA

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