Militares na política produzem anarquia
Houve um
tempo em que se sabia o nome dos ministros da Educação e da Saúde. Depois, as
pessoas tiveram que aprender a composição do Supremo Tribunal Federal e
conheceram também a péssima opinião que alguns deles têm de seus colegas. Agora
começa-se a aprender nome de generais. Há o Villas Bôas, o Mourão e o Augusto
Heleno, e o presidente do Supremo Tribunal levou um quatro estrelas da reserva
para sua assessoria. [general-de-exército Fernando de Azevedo e Silva.]
Mau
sinal. Faz tempo, quando o presidente Ernesto Geisel decidiu promover Jorge de
Sá Pinho a general de Exército, um curioso perguntou-lhe quem era ele. — É um
grande oficial, e a prova disso é que você não sabe quem é. (Em 1984
Sá Pinho foi um dos generais do Alto Comando que impediram aventuras contra
Tancredo Neves, mas pouca gente se deu conta.)
Quando se
sabe o nome de generais, algo estranho está acontecendo. Felizmente dois dos
notáveis de hoje estão na reserva. Nada a ver com o tempo em que comandantes de
guarnições metiam-se em política. Em 2014 o general Hamilton Mourão comandava a
poderosa tropa do Sul e meteu a colher onde não devia e perdeu o comando. Pouco
se falou do episódio que em outros tempos abriria uma crise. Ele mesmo
reconhece que “andei extrapolando o tamanho da minha cadeira, e a autoridade do
comandante não pode deixar de ser exercida”.
Quando a
confusão é enorme, tende-se acreditar que a entrada dos militares na cena
política é um remédio de última instância. Não é. Quando os militares ocupam a
cena, acaba uma confusão e começa outra, a da anarquia militar. Um golpe
derrubou D. Pedro II em 1889 e, dois anos depois, o vice-presidente marechal
Floriano Peixoto soprou o presidente marechal Deodoro da Fonseca para fora do
palácio. Floriano governou até 1894, esmagou duas rebeliões militares e fuzilou
um marechal.
Durante o
tumultuado regime constitucional que foi de 1946 a 1964 ocorreram quatro
revoltas de generais. O consulado militar outorgou-se o primado da ordem e,
mesmo com censura e AI-5, as revoltas também foram quatro: 1965, 1968, 1969 e
1977. Noves fora o Riocentro, de 1981. Por maior
que seja a confusão existente, quando se chama os militares para botar ordem no
circo, cria-se outra confusão, que nem eles são capazes de prever. [será?] O projeto de
ordem de 1964, com o general Humberto Castelo Branco à frente do processo,
durou exatamente 12 horas.
As 12
horas do general francês
No início
da noite de 30 de março de 1964 nem o general Olímpio Mourão Filho sabia que
derrubaria o presidente João Goulart. Só durante a madrugada de 31 é que ele
disparou telefonemas anunciando que se rebelara. Havia
diversas conspirações em curso, mas nenhuma delas estava associada a Mourão,
cuja tropa era despicienda. Às oito da manhã o general Amaury Kruel, comandante
das guarnições de São Paulo, recusou-se a entrar naquilo que chamou de a
“quartelada do senhor Mourão”.
No fim da
noite, Kruel entrou e decidiu a parada. Restava a João Goulart a tropa do Rio,
mas ao longo da manhã ela derreteu. Às 13h do dia 1º de abril o general Castelo
Branco telefonou a um amigo dizendo que o levante estava vitorioso.
Castelo,
um general de tintas francesas, prestígio militar e tradição legalista,
comandava o Estado-Maior do Exército e parecia ser o chefe da nova ordem.
Na
juventude, Castelo e Kruel haviam sido amigos, mas desentenderam-se durante os
combates de Monte Castelo, na Itália. Faltou pouco para que o “Alemão”
encestasse “Tamanco”. Nunca voltaram às boas. Kruel
tinha um inimigo no quartel-general, mas tinha também um amigo, o general
Arthur da Costa e Silva, inexpressivo e mal falado, porém, audacioso. Nas horas
em que tudo confluía para a sagração de Castelo, os dois entenderam-se.
Por volta
das seis da tarde, Costa e Silva estava na sala de Castelo com o general
Ernesto Geisel e saiu para dar um telefonema noutro lugar. O tenente-coronel
Leônidas Pires Gonçalves, que saía de um banheiro, assistiu ao seguinte diálogo
entre Geisel e Costa e Silva: — Por que
o senhor não vai assumir o I Exército (atual Comando Militar do Leste)?
— Eu vou
assumir essa coisa toda, respondeu Costa e Silva. (A “coisa” vai por conta do
cavalheirismo de Leônidas.)
À 1h da
madrugada do dia 2, 12 horas depois do telefonema comemorativo da vitória,
Geisel redigiu uma nota informando que “o excelentíssimo senhor general Arthur
da Costa e Silva” assumira o comando do Exército. Passados
dois anos e uma revolta militar, ele emparedou Castelo e tornou-se presidente.
Em 1968, emparedou-se noutra revolta e baixou o Ato Institucional nº 5.
Em março
de 1964 muita gente achava que era preciso tirar os militares dos quartéis, mas
ninguém pensava que a República acabaria na mão de Costa e Silva, nem ele.
(...)
Aula de
conduta
Diante da
frenética corrida dos médicos à cabeceira de Jair Bolsonaro (foram cinco), vale
a lembrança de um episódio ocorrido em 2014.
O
cirurgião americano Wayne Isom estava de férias quando recebeu um telefonema.
Era um colega chamando-o para uma operação e deu-se o seguinte diálogo:
— Estou
de férias.
— Mas é
uma pessoa muito importante.
— Todos
os pacientes são importantes, mas eu tenho que jogar golfe às 9h.
— Mas
eles querem você. (Isom era o mais renomado cirurgião cardiovascular do país.)
— Quem é?
— Não
posso te dizer, é uma pessoa importante.
— Se você
não pode me dizer, vou jogar meu golfe.
Isom
indicou um nome e foi em frente. O ex-presidente Bill Clinton foi operado com
sucesso.
MATÉRIA COMPLETA, Elio Gaspari, jornalista, O Globo