Escândalos de corrupção do PT colocam Lula contra as cordas na reta final da eleição — mesmo com a ajuda do consórcio de imprensa
Quem acompanhou pelo menos trechos do evento na TV ou na sede da emissora se deparou com um político acuado — o olhar atônito, o raciocínio confuso e sem o repertório de décadas passadas. Foi emparedado pelo principal adversário nas urnas, o presidente Jair Bolsonaro, e pelo ex-aliado Ciro Gomes (PDT), sobre a principal vidraça do PT.
“Que moral você tem para falar de mim, ‘ô ex-presidiário’? Nenhuma moral”, disse Bolsonaro
Em outro momento, Lula tentou cutucar Ciro ao afirmar que o pedetista viajou para Paris, depois do primeiro turno em 2018, e não apoiou Fernando Haddad. “Quando o Ciro joga nas minhas costas a responsabilidade da escolha do cidadão Bolsonaro, queria dizer que eu não fui para Paris. Eu não saí do Brasil para não votar no Haddad”, disse. A resposta de Ciro, ainda que fora dos microfones, porém bem captada, tirou o petista do eixo: “Porque você estava preso!”.
Palocci
Esta é a primeira vez que Lula é colocado contra as cordas desde 2005, quando deu sua última entrevista a jornalistas independentes, durante o programa Roda Viva, da TV Cultura. Em 2006, quando buscava a reeleição, o então rival Geraldo Alckmin — hoje copiloto do projeto de retomada de poder — não conseguiu pressioná-lo a explicar sobre o Mensalão. Na época, a popularidade do petista era alta por causa do bom momento da economia. Um dos responsáveis pelos números favoráveis era Antonio Palocci, que comandou a pasta da Fazenda até março daquele ano.
Dezesseis anos depois, o nome de Palocci também provocou enorme incômodo em Lula durante o debate. Preso pela Lava Jato, o ex-ministro assinou um acordo de delação com a Justiça devastador para Lula e o PT. Desfiliou-se da sigla, não dá entrevistas e quer distância da política.
Ao menos cinco pontos da lista de revelações de Palocci são assustadores:
- Numa reunião antes da eleição de 2010, Lula, Dilma Rousseff e José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, combinaram a construção de 40 sondas da Petrobras “para garantir o futuro político do país e do PT, com a eleição de Dilma, produzindo-se os navios para exploração do pré-sal e recursos para a campanha que se aproximava”. Palocci seria o responsável por gerenciar os recursos;
- As duas campanhas de Dilma, em 2010 e 2014, custaram R$ 1,4 bilhão, valor jamais registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE);
- Ao menos 3% dos recursos de publicidade da Petrobras eram desviados para o caixa oculto do PT; ele cita os nomes dos sindicalistas Wilson Santarosa, Luiz Marinho (ex-prefeito de São Bernardo do Campo) e Jacob Bittar;
- Quase todas as medidas provisórias editadas durante os governos do PT tinham propina envolvida e foram feitas sob encomenda;
- Foi Lula quem nomeou os ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa, cuja delação foi o estopim do Petrolão, e Renato Duque, homem de José Dirceu na estatal.
Meses depois, quando o ex-juiz Sergio Moro, que respondia pela Vara de Curitiba (PR), retirou o sigilo da delação, o Supremo Tribunal Federal (STF) excluiu o documento dos processos contra Lula. A decisão da Corte anulou, por exemplo, a acusação de que ele recebeu R$ 12 milhões da empreiteira Odebrecht. Todos os citados por Palocci negam as acusações.
As perguntas que Bonner não fezUma boa oportunidade para que Lula explicasse a sujeira que o PT promoveu no passado foi a entrevista concedida por ele ao Jornal Nacional, da TV Globo. Três dias antes, Jair Bolsonaro foi exposto a um verdadeiro massacre pela emissora. Era esperado que o petista enfrentasse tratamento similar, mas acabou poupado — como tem ocorrido nas manchetes dos jornais, sites e revistas que integram o consórcio de imprensa.
O âncora do telejornal, William Bonner, começou a entrevista assim: “O Supremo Tribunal Federal lhe deu razão, considerou o então juiz Sergio Moro parcial, anulou a condenação do caso do triplex e anulou também outras ações por ter considerado a Vara de Curitiba incompetente. Portanto, o senhor não deve nada à Justiça”.
Lula aproveitou aquela que seria a primeira bola levantada pela emissora para atacar a Lava Jato. “A Lava Jato ultrapassou o limite da investigação e entrou no limite da política. O objetivo era o Lula. O objetivo era tentar condenar o Lula.”
Aquilo a que se assistiu depois foi uma verdadeira conversa entre comadres. A história da suposta negociação de apoio político por meio da liberação de emendas parlamentares é narrada na edição 125 de Oeste. Ainda que falte transparência nas chamadas emendas do relator, trata-se de uma questão do Congresso Nacional — e não do Palácio do Planalto. As contas do governo Bolsonaro foram aprovadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Escândalo de festimJá o Mensalão está fartamente documentado na Ação Penal 470, que condenou 24 dos 38 réus e levou banqueiros, lobistas e a cúpula do PT à cadeia em 2012. “Os deputados praticaram atos de ofício sob a influência do pagamento”, afirmou o relator no STF, Joaquim Barbosa. “Não há qualquer dúvida do esquema de compra de votos. (…) A forma de pagamento foi comprovada, entrega de dinheiro em espécie.”
Outras questões também passaram longe de ser respondidas na sabatina da TV Globo. O petista não apareceu em outras tentativas de entrevistas — por exemplo, faltou na data marcada pela Jovem Pan e não respondeu ao chamado de outras empresas, como a RedeTV!.
Ninguém perguntou quem indicou os diretores que pilharam os cofres da Petrobras durante mais de uma década. Executivos como Paulo Roberto Costa, Renato Duque, Jorge Zelada e Nestor Cerveró não foram lembrados. O termo Petrolão só foi usado uma vez em 40 minutos.
Numa das frases inesquecíveis da trama do Mensalão, o então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), algoz da quadrilha inteira, assim despediu-se da Câmara antes de ter o mandato cassado no plenário: “Tirei a roupa do rei! Mostrei ao Brasil quem são esses fariseus!”, disse. “Mostrei ao Brasil o que é o governo Lula, o que é o campo majoritário do PT.”
Foi em setembro de 2005, mas parece que foi ontem. Menos para o Jornal Nacional.
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Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste