Vizinhos no asfalto e na seca de Brasília, Dilma amarga promessas irrealizadas, e Temer se arrisca à decepção coletiva com mais do mesmo
Há cinco
dias o Brasil vive a situação peculiar de um país em grave crise
econômica, com inflação alta, desemprego em massa, três epidemias e que
possui dois presidentes.
Um, o vice, é interino. Detém o poder e vive numa casa grande, confortável, que as placas de trânsito identificam como Palácio do Jaburu. Outra é a titular, afastada na quinta-feira passada, que ocupa a residência destinada a presidentes, o Palácio da Alvorada.
Menos de mil metros de asfalto os separam na mesma avenida, em Brasília. Anos-luz de ressentimentos os distancia na política. É uma indigestão de mágoas — incurável, como a vida.
Dilma Rousseff acredita que seu vice passou o último ano conspirando para “o golpe”. Michel Temer tem certeza de que foi espionado durante esse período. A antiga Abin, ex-SNI da ditadura, nega contribuição. É provável que ambos tenham razão — e, mesmo assim, isso continuará não tendo importância alguma diante da devastação econômica, do desemprego que avança para 14% da população com capacidade de produzir e das três epidemias (dengue, zika e H1N1) que desnudam indigências do serviço público de saúde.
Esse é o problema real de quem, no Partido dos Trabalhadores, desfrutou do poder nos últimos 13 anos e viu-se obrigado a começar a semana na liderança de uma bancada de oposição, sem força, absolutamente desidratada. Na Câmara, PT e aliados agora somam 95 votos, ou 18,5% do plenário. É pouco mais da metade do necessário para criar uma CPI (171 votos). No Senado, a situação é idêntica, contam somente com 14 votos, ou 17,2% do total.
Em contraste, Temer montou um governo parlamentar: tem 11 partidos e 71,7% dos votos disponíveis no Congresso. Falta mostrar a que veio. Foi essa maioria que afastou Dilma da Presidência e vai julgá-la em plena temporada de eleições municipais. Os efeitos desse juízo final durante a campanha tendem a ser ainda mais destrutivos para o PT, que até abril perdeu quase uma centena de pré-candidatos. Como Lula na cerimônia do adeus, quinta-feira passada na porta do Palácio do Planalto, alforriaram-se da última fotografia solidária com Dilma.
Em reuniões programadas até amanhã, parlamentares do PT procuram uma saída da hecatombe, pela oposição. Lula anunciou ausência (Na prática, já inaugurou uma linha direta com Temer, via Henrique Meirelles, comandante do Banco Central durante a ortodoxia econômica no seu governo.)
Reflexos dessa postura do líder permearam defesas de uma “oposição construtiva”, até pela escassez de alternativas diante das evidências de rejeição ao modo de governar petista.
O ressentimento permanece perceptível. Muitos confessam — ainda sob anonimato — alívio com o epílogo. Ela nunca teve relações fluidas nem mesmo com sua bancada, queixam-se. Semana passada, por exemplo, senadores do PT, PDT e do PCdoB foram visitá-la. Discutiam a provável aprovação do Senado à abertura do processo de impeachment, quando Dilma cortou, quase gritando: — Vocês não representam a massa!
Vizinhos no asfalto e na seca de Brasília, os dois presidentes conservam singularidades da política: ela amarga promessas irrealizadas, ele se arrisca à decepção coletiva com mais do mesmo.
Um, o vice, é interino. Detém o poder e vive numa casa grande, confortável, que as placas de trânsito identificam como Palácio do Jaburu. Outra é a titular, afastada na quinta-feira passada, que ocupa a residência destinada a presidentes, o Palácio da Alvorada.
Menos de mil metros de asfalto os separam na mesma avenida, em Brasília. Anos-luz de ressentimentos os distancia na política. É uma indigestão de mágoas — incurável, como a vida.
Dilma Rousseff acredita que seu vice passou o último ano conspirando para “o golpe”. Michel Temer tem certeza de que foi espionado durante esse período. A antiga Abin, ex-SNI da ditadura, nega contribuição. É provável que ambos tenham razão — e, mesmo assim, isso continuará não tendo importância alguma diante da devastação econômica, do desemprego que avança para 14% da população com capacidade de produzir e das três epidemias (dengue, zika e H1N1) que desnudam indigências do serviço público de saúde.
Esse é o problema real de quem, no Partido dos Trabalhadores, desfrutou do poder nos últimos 13 anos e viu-se obrigado a começar a semana na liderança de uma bancada de oposição, sem força, absolutamente desidratada. Na Câmara, PT e aliados agora somam 95 votos, ou 18,5% do plenário. É pouco mais da metade do necessário para criar uma CPI (171 votos). No Senado, a situação é idêntica, contam somente com 14 votos, ou 17,2% do total.
Em contraste, Temer montou um governo parlamentar: tem 11 partidos e 71,7% dos votos disponíveis no Congresso. Falta mostrar a que veio. Foi essa maioria que afastou Dilma da Presidência e vai julgá-la em plena temporada de eleições municipais. Os efeitos desse juízo final durante a campanha tendem a ser ainda mais destrutivos para o PT, que até abril perdeu quase uma centena de pré-candidatos. Como Lula na cerimônia do adeus, quinta-feira passada na porta do Palácio do Planalto, alforriaram-se da última fotografia solidária com Dilma.
Em reuniões programadas até amanhã, parlamentares do PT procuram uma saída da hecatombe, pela oposição. Lula anunciou ausência (Na prática, já inaugurou uma linha direta com Temer, via Henrique Meirelles, comandante do Banco Central durante a ortodoxia econômica no seu governo.)
Reflexos dessa postura do líder permearam defesas de uma “oposição construtiva”, até pela escassez de alternativas diante das evidências de rejeição ao modo de governar petista.
O ressentimento permanece perceptível. Muitos confessam — ainda sob anonimato — alívio com o epílogo. Ela nunca teve relações fluidas nem mesmo com sua bancada, queixam-se. Semana passada, por exemplo, senadores do PT, PDT e do PCdoB foram visitá-la. Discutiam a provável aprovação do Senado à abertura do processo de impeachment, quando Dilma cortou, quase gritando: — Vocês não representam a massa!
Vizinhos no asfalto e na seca de Brasília, os dois presidentes conservam singularidades da política: ela amarga promessas irrealizadas, ele se arrisca à decepção coletiva com mais do mesmo.