Em
meros seis meses, a Venezuela bolivariana perdeu dois dos seus já
poucos aliados na América do Sul, exatamente os dois países mais
importantes no subcontinente (Argentina, primeiro, e Brasil, agora ).
No caso da Argentina, deu perda total: Cristina Kirchner era uma defensora incondicional do chavismo, até porque seu governo, como o de seu marido, recebia precioso financiamento de Hugo Chávez. Mauricio Macri, o novo presidente, antes mesmo de assumir, já propunha impor à Venezuela a cláusula democrática do Mercosul, no pressuposto que se tratava de uma ditadura, incompatível, portanto, com as regras do grupo.
No caso do Brasil, a perda talvez seja ainda mais terrível, pela simples e boa razão de que o país pesa mais no cenário global e, portanto, ainda mais no panorama regional. É verdade que o governo Dilma já vinha se afastando dos amigos bolivarianos. Mas, ainda assim, o fazia com aquela paquidérmica lentidão que é uma característica permanente da diplomacia brasileira.
A nota de sexta-feira (13) criticando os bolivarianos em geral já é um primeiro sinal. Mas foi apenas reação a um ataque. Falta agora a ação, a iniciativa. Há uma segunda ressalva a fazer na expectativa de que José Serra à frente do Itamaraty representará perda total para a Venezuela: o novo ministro, por sua formação centrada na economia, tenderá a dar prioridade à negociação de acordos comerciais, território de que o Brasil ficou afastado nos últimos muitos anos.
A propósito, Brasil e União Europeia acabam de trocar as ofertas indispensáveis para eventualmente fechar um acordo de livre comércio, que é negociado desde 1995. Logo, é razoável supor que Serra poderá, nessa seara, aterrissar já acelerando. Mas seria um erro deixar de lado o dossiê venezuelano. Afinal, Serra já disse, como senador, que a Venezuela é uma "ditadura". Não é exatamente assim, mas não fica muito longe disso.
Logo, seria coerente que o novo ministro desse todo o apoio ao esforço da oposição para convocar o chamado "referendo revogatório" do mandato do presidente Nicolás Maduro. Como Maduro é um fracasso administrativo muito mais portentoso do que Dilma Rousseff, caberia ao vizinho Brasil, além disso sócio no Mercosul, apoiar uma saída que permita salvar a Venezuela de uma crise aparentemente terminal.
Sugiro a Serra, como leitura inicial a respeito, o texto para "The Atlantic" dos analistas venezuelanos Francisco Toro e Moisés Naïm, que já foi colunista da Folha. Dizem, para começar: "O que o país está enfrentando é monstruosamente único. É nada menos do que o colapso de uma nação grande, rica, aparentemente moderna, aparentemente democrática, a poucas horas de voo dos Estados Unidos" [e do Brasil, acrescento].
Não é exagero. A mazela venezuelana (recessão impressionante, inflação recorde mundial, criminalidade idem, escassez de quase tudo) é arquiconhecida. O hiperativo Serra vai assistir inerme ao colapso?
Fonte: Folha de São PauloNo caso da Argentina, deu perda total: Cristina Kirchner era uma defensora incondicional do chavismo, até porque seu governo, como o de seu marido, recebia precioso financiamento de Hugo Chávez. Mauricio Macri, o novo presidente, antes mesmo de assumir, já propunha impor à Venezuela a cláusula democrática do Mercosul, no pressuposto que se tratava de uma ditadura, incompatível, portanto, com as regras do grupo.
No caso do Brasil, a perda talvez seja ainda mais terrível, pela simples e boa razão de que o país pesa mais no cenário global e, portanto, ainda mais no panorama regional. É verdade que o governo Dilma já vinha se afastando dos amigos bolivarianos. Mas, ainda assim, o fazia com aquela paquidérmica lentidão que é uma característica permanente da diplomacia brasileira.
A nota de sexta-feira (13) criticando os bolivarianos em geral já é um primeiro sinal. Mas foi apenas reação a um ataque. Falta agora a ação, a iniciativa. Há uma segunda ressalva a fazer na expectativa de que José Serra à frente do Itamaraty representará perda total para a Venezuela: o novo ministro, por sua formação centrada na economia, tenderá a dar prioridade à negociação de acordos comerciais, território de que o Brasil ficou afastado nos últimos muitos anos.
A propósito, Brasil e União Europeia acabam de trocar as ofertas indispensáveis para eventualmente fechar um acordo de livre comércio, que é negociado desde 1995. Logo, é razoável supor que Serra poderá, nessa seara, aterrissar já acelerando. Mas seria um erro deixar de lado o dossiê venezuelano. Afinal, Serra já disse, como senador, que a Venezuela é uma "ditadura". Não é exatamente assim, mas não fica muito longe disso.
Logo, seria coerente que o novo ministro desse todo o apoio ao esforço da oposição para convocar o chamado "referendo revogatório" do mandato do presidente Nicolás Maduro. Como Maduro é um fracasso administrativo muito mais portentoso do que Dilma Rousseff, caberia ao vizinho Brasil, além disso sócio no Mercosul, apoiar uma saída que permita salvar a Venezuela de uma crise aparentemente terminal.
Sugiro a Serra, como leitura inicial a respeito, o texto para "The Atlantic" dos analistas venezuelanos Francisco Toro e Moisés Naïm, que já foi colunista da Folha. Dizem, para começar: "O que o país está enfrentando é monstruosamente único. É nada menos do que o colapso de uma nação grande, rica, aparentemente moderna, aparentemente democrática, a poucas horas de voo dos Estados Unidos" [e do Brasil, acrescento].
Não é exagero. A mazela venezuelana (recessão impressionante, inflação recorde mundial, criminalidade idem, escassez de quase tudo) é arquiconhecida. O hiperativo Serra vai assistir inerme ao colapso?