O Estado de S.Paulo
Mas as pessoas só querem saber quando vão acabar a crise e a desagregação
O governo dono da plataforma com a qual foi eleito Jair Bolsonaro
terminou no começo de maio, aos 16 meses de vida. Seus dois fortes
apelos eram a campanha anticorrupção, associada à mudança da forma de se
fazer política, e a grande reforma do Estado, ali incluída uma
ambiciosa agenda de reformas econômicas de cunho estruturante e
“liberal”.
O homem visto como campeão da luta anticorrupção, o ex-juiz e
ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, desceu da carruagem dizendo que o
fazia por não acreditar que a campanha prosseguiria como tinha sido nos
tempos da Lava Jato. Bolsonaro o chama agora de mentiroso e traidor. Em
seu depoimento à Polícia Federal, Moro deixou claro como pretende seguir
o roteiro: chamando Bolsonaro para a briga no campo da ética e da
política – suas acusações não surgem até aqui capazes de levar o
procurador-geral da República a oferecer denuncia contra o presidente.
Mas está claro que um pedação significativo da bandeira anticorrupção
foi arrancado das mãos de Bolsonaro, e essa não é uma disputa que se
encerra no curto prazo. Ela vai para 2022, e o motivo é como Bolsonaro
decidiu fazer política agora: do mesmo jeito que seus antecessores
fizeram, ou seja, oferecendo cargos em troca de apoio. Não importa como
Bolsonaro justifique essa mudança de rumo a seguidores capazes de
acreditar em qualquer palavra de ordem, nem se ele agiu por medo,
cálculo, pressão, desespero ou burrice. O fato incontestável é o da
presença ainda mais dominante da “velha” política.
É dela que passou a depender agora o outro pilar com o qual Bolsonaro
foi eleito, o das reformas estruturantes e liberais. Perdeu-se tempo e o
imponderável sob a forma da dupla catástrofe do coronavírus alcançou
Paulo Guedes no meio da terra de ninguém – no mata burro, para usar a
linguagem de quem aprecia o jogo de tênis.
A necessidade de socorro de emergência a estados e municípios arrancou a
âncora fiscal, com os piores golpes vindo de dentro do Palácio do
Planalto. Continua ali na gaveta o plano da gastação desenfreada em
infraestrutura mas foi o sinal de abandono do congelamento dos salários
do funcionalismo dado pelo próprio presidente que melhor traduziu o que
sempre se intuiu: o corporativismo mora aqui.
A combinação de farra fiscal em ano eleitoral com severa recessão
econômica é horrorosa para qualquer governo, mas o Bolsonaro 2.0 começa
sob uma generalizada desagregação política e institucional, cuja
expressão mais evidente é a forma como o STF decidiu reiterar limites à
atuação do chefe do Executivo. “A judicialização da política em si já é
ruim”, resumiu uma das grandes figuras do mundo do direito em Brasília,
“pois o Judiciário não deveria legislar, mas o que estamos vendo é o
pior dos mundos: é o Judiciário governando”.
Essa erosão está sendo acelerada pelas mortes diárias, pela apreensão
das pessoas com seu futuro imediato, pela perda de confiança de
consumidores e empresários, pelo medo do desemprego, da doença e da
morte. São fatores “subjetivos” e “emocionais” de enorme e imprevisível
peso na política, diante dos quais Bolsonaro tem insistido em aumentar a
comoção. Exatamente como tudo isso vai se desdobrar é impossível dizer
neste momento. Como também é difícil fugir à constatação de que a tripla
crise – de saúde pública, economia e política – só tornou tudo ainda
pior. Aos 16 meses, Bolsonaro reinaugura seu governo num ambiente de angústia
profunda e prolongada, com as pessoas se perguntando, aflitas, quando
tudo isso vai acabar.
William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo