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domingo, 10 de julho de 2022

Nem a Constituição pegou - Carlos Alberto Sardenberg

Nem a Constituição pegou 

Considerando que muitas leis não pegam no Brasil, pessoas de boa fé, dentro e fora do sistema político, entenderam, ao longo de décadas, que normas realmente importantes deveriam ser gravadas na Constituição. Assim foi feito – e por isso a nossa Carta Magna é tão extensa. E tão descumprida e emendada.

Está acontecendo de novo.

Em 15 de dezembro de 2016, governo Temer, foi sancionada a Emenda Constitucional número 95. Estabelecia um novo regime fiscal, baseado na novíssima regra do teto de gastos. Por esta, se determinava que a despesa do governo federal em um determinado ano seria igual à do ano anterior mais a inflação. Vigência: até 2036.

Ideia boa: com isso, o gasto público permaneceria constante em termos reais. Com o esperado crescimento do país, o setor público teria seu (excessivo) peso reduzido em relação ao setor privado. As contas do governo seriam colocadas em rota de equilíbrio o tão falado equilíbrio fiscal reduzindo-se déficits e dívida pública.

Mas esses eram exatamente os objetivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, legislação infra-constitucional, sancionada em 4 de maio de 2000, na gestão FHC. Parte importante da consolidação do Real, a norma determinava que o orçamento do governo federal deveria ter metas explícitas de receitas e despesas, prevendo-se superávit primário de modo a que sobrassem recursos para a amortização progressiva da dívida pública.

Para espanto de muitos, a regra funcionou corretamente durante muitos anos. Na primeira gestão de Lula – para espanto de muito mais gente – o governo federal produziu superavits enormes, de até 4,5% do PIB, colocando a dívida em queda e, assim, garantindo o ajuste fiscal. [importante destacar que nos dois primeiros anos do primeiro mandato do governo do descondenado - porém, não inocentado -  a quadrilha petista estava sendo montada e começou suas atividades via  MENSALÃO, roubando de forma modesta.]

No segundo mandato, Lula começou a retomar a expansão do gasto público. A economia mundial ajudava, o governo tinha mais dinheiro. De todo modo, a regra básica da LRF foi mantida.

Dilma estragou tudo. Baseada na tese de que o gasto público tinha poderes universais – servia para melhorar tudo a presidente inventou as pedaladas fiscais para aumentar a despesa em termos reais, fingindo manter a meta de superávit.

Teria sido melhor se tivesse proposto Emenda Constitucional para mudar o regime fiscal
Melhor no sentido de que colocaria a questão em debate aberto. 
Mas como isso poderia pega mal e gerar crises de confiança, Dilma optou pelos truques – como o de espetar despesas do governo federal na Caixa e no Banco do Brasil.

Conhecem o resultado. Déficits, dívida, juros mais altos, inflação, recessão.

Vem o governo Temer com o objetivo de restaurar o equilíbrio fiscal. Como a LRF não pegara, optou-se pela Emenda Constitucional, aquela de número 95.

Ingênuos pensaram: agora ninguém mais rasga.

Rasgaram. E não foi o PT, mas um governo que se apresentara como anti-petista, com o apoio do Centrão, súcia de partidos e blocos parlamentares, cuja vida política está centrada no gasto de dinheiro público conforme seus interesses eleitorais.

Assim chegamos à PEC Kamikase, uma proposta de emenda constitucional para burlar a Constituição e permitir que o governo federal gaste fora do teto. [a matéria omite que a PEC em questão é a única alternativa para reduzir a fome (reduzir, para acabar só com o crescimento econômico,  que com as bênçãos de DEUS vai deslanchar no segundo mandato do governo Bolsonaro.) de milhões de brasileiros. A única forma para atenuar os malefícios advindos de uma pandemia. Lembramos que rejeitar a PEC equivale na prática a decretar "que as pessoas só devem deixar de passar fome depois que a eleição passar". Vale a pena criar no Brasil, para satisfazer à esquerda maldita, um HOLODOMOR?] 

Eis o país de novo no ambiente do desequilíbrio das contas públicas, com mesmas consequências de antes. Por exemplo: o dólar caro, fonte adicional de inflação.

E sabem o que mais impressiona? A ampla maioria a favor da PEC, incluindo as oposições variadas. Mais ainda: o candidato favorito, Lula diz que esse negócio de teto de gasto é uma furada, coisa do mercado financeiro. Aliás, prometia acabar com o teto. Não precisa mais. Bolsonaro e o Centrão já fizeram o serviço.

Assim, os dois principais candidatos e a maioria do Congresso, que deve ser reeleita, anunciam que vão se fartar no gasto público. Como cada setor do eleitorado acha que será especialmente beneficiado com esse gasto, a farra fiscal está garantida. As consequências também, e de novo: inflação, juros altos, baixo crescimento econômico.

Considerando que a emenda constitucional do teto de gastos não pegou, a que outra legislação se poderia recorrer? [a CF 1988, vigente, apesar de extensa, tem muitas falhas (talvez fruto da pretensão dos seus autores de constitucionalizar tudo) e um dos poucos acertos é que pode ser emendada - cabendo, em nosso entendimento, logo que possível, alguns ajustes no artigo 60.]

Biblia, talvez?

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

 Coluna publicada em O Globo - Economia 9 de julho de 2022

 

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Um 'novo' governo - William Waack

O Estado de S.Paulo

Mas as pessoas só querem saber quando vão acabar a crise e a desagregação

O governo dono da plataforma com a qual foi eleito Jair Bolsonaro terminou no começo de maio, aos 16 meses de vida. Seus dois fortes apelos eram a campanha anticorrupção, associada à mudança da forma de se fazer política, e a grande reforma do Estado, ali incluída uma ambiciosa agenda de reformas econômicas de cunho estruturante e “liberal”.

O homem visto como campeão da luta anticorrupção, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, desceu da carruagem dizendo que o fazia por não acreditar que a campanha prosseguiria como tinha sido nos tempos da Lava Jato. Bolsonaro o chama agora de mentiroso e traidor. Em seu depoimento à Polícia Federal, Moro deixou claro como pretende seguir o roteiro: chamando Bolsonaro para a briga no campo da ética e da política – suas acusações não surgem até aqui capazes de levar o procurador-geral da República a oferecer denuncia contra o presidente.

Mas está claro que um pedação significativo da bandeira anticorrupção foi arrancado das mãos de Bolsonaro, e essa não é uma disputa que se encerra no curto prazo. Ela vai para 2022, e o motivo é como Bolsonaro decidiu fazer política agora: do mesmo jeito que seus antecessores fizeram, ou seja, oferecendo cargos em troca de apoio. Não importa como Bolsonaro justifique essa mudança de rumo a seguidores capazes de acreditar em qualquer palavra de ordem, nem se ele agiu por medo, cálculo, pressão, desespero ou burrice. O fato incontestável é o da presença ainda mais dominante da “velha” política.


É dela que passou a depender agora o outro pilar com o qual Bolsonaro foi eleito, o das reformas estruturantes e liberais. Perdeu-se tempo e o imponderável sob a forma da dupla catástrofe do coronavírus alcançou Paulo Guedes no meio da terra de ninguém – no mata burro, para usar a linguagem de quem aprecia o jogo de tênis.

A necessidade de socorro de emergência a estados e municípios arrancou a âncora fiscal, com os piores golpes vindo de dentro do Palácio do Planalto. Continua ali na gaveta o plano da gastação desenfreada em infraestrutura mas foi o sinal de abandono do congelamento dos salários do funcionalismo dado pelo próprio presidente que melhor traduziu o que sempre se intuiu: o corporativismo mora aqui.

A combinação de farra fiscal em ano eleitoral com severa recessão econômica é horrorosa para qualquer governo, mas o Bolsonaro 2.0 começa sob uma generalizada desagregação política e institucional, cuja expressão mais evidente é a forma como o STF decidiu reiterar limites à atuação do chefe do Executivo. “A judicialização da política em si já é ruim”, resumiu uma das grandes figuras do mundo do direito em Brasília, “pois o Judiciário não deveria legislar, mas o que estamos vendo é o pior dos mundos: é o Judiciário governando”.

Essa erosão está sendo acelerada pelas mortes diárias, pela apreensão das pessoas com seu futuro imediato, pela perda de confiança de consumidores e empresários, pelo medo do desemprego, da doença e da morte. São fatores “subjetivos” e “emocionais” de enorme e imprevisível peso na política, diante dos quais Bolsonaro tem insistido em aumentar a comoção. Exatamente como tudo isso vai se desdobrar é impossível dizer neste momento. Como também é difícil fugir à constatação de que a tripla crise – de saúde pública, economia e política – só tornou tudo ainda pior. Aos 16 meses, Bolsonaro reinaugura seu governo num ambiente de angústia profunda e prolongada, com as pessoas se perguntando, aflitas, quando tudo isso vai acabar.

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 23 de abril de 2020

A sofisticação de Bolsonaro - William Waack

O Estado de S.Paulo

Presidente está negociando cargos em troca de apoio aos que, no sistema brasileiro, são por definição os representantes do povo: os deputados

Jair Bolsonaro bradou que o “povo está no poder” ao discursar numa manifestação abertamente golpista em frente do QG do Exército, e se empenha em provar o que disse. Está negociando cargos em troca de apoio aos que, no sistema brasileiro, são por definição os representantes do povo: os deputados.  Para seus padrões, é a mais sofisticada jogada política desde que assumiu. Tentar arrebanhar uns 200 deputados da confusa e amorfa massa de parlamentares identificada como “Centrão”. Em busca do que até agora dizia não ser necessário para governar, ou seja, uma base razoavelmente ampla e coordenada na Câmara dos Deputados. [o presidente Bolsonaro comanda um partido político em processo de formação e, por óbvio, necessita de políticos eleitos,  o que torna justificável eventual negociação.]

Os motivos para proceder de forma que prometeu jamais empregar – trocar cargos por apoio político – são dos mais diversos, inclusive a vontade pessoal de “punir” quem considera chantagista, conspirador e traidor, o atual presidente da Câmara, de quem Bolsonaro pretende tomar parte efetiva do controle do “Centrão”. Um dos mais relevantes motivos para a ação do presidente, porém, é o reconhecimento tácito de que o poder do chefe do Executivo diminuiu desde que ele assumiu.

Outro motivo é o efetivo cerco que esferas políticas e institucionais impuseram ao presidente via STF. Bolsonaro tem razão em apontar para o outro lado da Praça dos Três Poderes ao se dirigir por redes sociais a apoiadores e dizer que “eles” (ministros do STF) o impedem de fazer o que quer. Reconhece que, sem o Supremo e o Legislativo, nada vai. [O Supremo e Legislativo são necessário, o pior, que não é possível, é quando mais atrapalham do que ajudam - caso presente.]  

A outra operação política sofisticada (para padrões bolsonaristas) encabeçada pelo Planalto lembra fortemente o que se fez nos tempos da tal “velha política”, que, teoricamente, teria deixado de existir. É sacar praticamente a fundo perdido dos cofres públicos, investir em grandes obras e ver no que dá.  A possibilidade surgiu com a tal ajuda de emergência a governadores e prefeitos que o próprio ministro da Economia chamou de “farra fiscal aproveitando-se de uma crise de saúde pública”. As modalidades desse socorro estão em negociação, mas já abriram uma avenida que permitiria ao Executivo utilizar um “orçamento de guerra” praticamente sem limites e sem restrições do tipo Lei de Responsabilidade Fiscal.

Claro, enquanto for tudo “temporário”, isto é, enquanto durar o estado de calamidade. Sabe-se que, no Brasil, “temporário” em questões fiscais é termo elástico – desonerações “temporárias” de folhas de pagamento, por exemplo, já duram uns 10 anos. E a julgar pelo que se ouve falar no Planalto, o “temporário” entraria pelo próximo ano (para provável desespero do secretário do Tesouro) e abriria a janela para execução de um plano de recuperação baseado em investimentos públicos com foco central em infraestrutura.

É um tipo de intervenção estatal que requer centralização e coordenação e a tarefa foi atribuída a um oficial de Estado-Maior, general Braga Netto, ministro da Casa Civil. Talvez uma pitada de oportunismo político (quem não tem?) tenha levado o ministro Paulo Guedes, um dedicado aluno de Milton Friedman, a cooperar estreitamente nessa empreitada e abraçar-se a John Maynard Keynes. Famoso pela frase, entre outras, de que “se mudam os fatos, eu mudo de opinião” (Guedes, tal como os clássicos Friedman e Keynes, gostaria que os políticos o ouvissem mais).

Os fatos que mudaram são de enorme magnitude. A crise do coronavírus tornou imprevisível o tamanho da tragédia de saúde pública e econômica no mundo e no Brasil. Ela escancarou a falta de liderança no topo do Executivo, a profunda disfuncionalidade do sistema de governo brasileiro e agravou a situação de um país já prisioneiro da armadilha da renda média, com produtividade estagnada – e sem ter conseguido levar adiante o essencial das reformas estruturantes.[os políticos sabotaram, com destaque para Maia e seu fiel escudeiro Alcolumbre.]  Sim, não há manuais prontos para lidar com uma crise dessas. Que já é uma lição prática do esqueçam o que eu disse antes.

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Legalizando um crime já praticado

O governo não paga ao governo

Decreto de calamidade financeira permite que não se cumpra a LRF. É um decreto para legalizar um crime já praticado

Tempos atrás, recebi um convite para dirigir o lançamento de uma publicação de economia. A editora era a Manchete, e já corriam informações sobre a difícil situação financeira da empresa. Perguntei sobre isso a um dos diretores, que tratou de me tranquilizar: está tudo em dia, salários, papel; nós só não pagamos ao governo.

Muitas empresas viviam assim. Simplesmente não recolhiam impostos, nem pagavam os financiamentos obtidos em bancos públicos. Seguiam em frente fazendo negociação em cima de negociação, sempre com base nas boas relações com o governo de plantão. Hoje ainda tem disso, mas a novidade está no setor público. Prefeitos e governadores usam cada vez mais a velha regra: não pagam ao governo. Ok, já faziam isso antes, mas a coisa tomou um volume insustentável.

Por exemplo: em 2005, o governo federal negociou dívidas das prefeituras com o INSS. Administrações não recolhiam a contribuição patronal e não repassavam ao INSS a contribuição recolhida dos empregados celetistas.  Quatro anos depois, o governo federal topou renegociar as dívidas antigas e as novas. Naquele ano, com dados mais precisos, a Receita Federal calculava que as prefeituras deviam R$ 14 bilhões à Previdência.
Pois sabem qual é a dívida hoje? R$ 100 bilhões.

E claro, as prefeituras não querem pagar. Em vez disso, começam a adotar a tática iniciada pelo governo do Rio, um decreto de calamidade pública financeira.  Isso tem se tornado tão comum que a gente nem repara mais no absurdo da situação. Mas deveria. Calamidade pública, todo mundo sabe o que é. Chuvas, secas, uma baita epidemia. Nesses casos, os governos “decretam” a calamidade, instrumento que permite usar dinheiro não previsto no orçamento, podendo descumprir momentaneamente as regras de responsabilidade fiscal, que preveem punições para quem gastar além de determinados limites. [consideramos o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, um dos mais incompetentes da safra 2014;
mas, reconhecemos que ao decretar emergência hídrica - que equivale a decretar emergência financeira, com destaque para o recurso sempre desaconselhável: a autorização para realizar despesas sem licitação - o atual governador do DF usou de uma saída legal haja vista que enfrenta uma calamidade - CRISE HÍDRICA.
É irrefutável a conclusão que a CRISE HÍDRICA do DF, que chegou ao estágio atual por incompetência do governo Agnelo (que preocupado em praticar outros malfeitos, esqueceu que as medidas para evitar o racionamento no DF também representavam uma excelente oportunidade para mais malfeitos petistas e todos sabemos que Agnelo é especialista em fraudar as finanças públicas)  e cujo ápice ocorre agora no governo Rollemberg (um verdadeiro desastre em todas as áreas, especialmente Saúde, Educação, Segurança Pública, Transporte Público) caso não seja solucionada  transformará Brasília em um deserto.]
Já esse decreto de calamidade financeira é uma invenção nacional. As finanças podem estar de fato em situação calamitosa, mas como se chegou a isso? Com a má gestão, com gastos em contínua elevação mesmo quando as receitas estavam em queda. Ou seja, total descumprimento das regras legais. Ora, o que pretende o decreto de calamidade financeira? Permitir que a prefeitura ou o governo estadual não cumpram justamente a Lei de Responsabilidade Fiscal. É um decreto para legalizar um crime já praticado.

Administradores alegam que foram apanhados de surpresa pela crise econômica nacional, que derrubou a arrecadação de impostos. Como se fosse uma chuvarada repentina. Ora, se já dá para prever e, pois, se prevenir do mau tempo, é muito mais fácil perceber que uma crise se aproxima e tratar de economizar nos gastos.  Não fazem isso. Continuam gastando e quando chegam ao limite, sem dinheiro para mais nada, decretam que não podem mesmo pagar. O primeiro a não receber é sempre o próprio governo: o INSS, a Receita Federal, os bancos públicos.

Assim, caímos numa farra fiscal, sequência de ilegalidades. Grave, pois a onda chegou ao STF. A própria presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, suspendeu o cumprimento de cláusulas contratuais entre a União e o Estado do Rio, proibindo que o governo federal bloqueasse R$ 370 milhões das contas estaduais. O dinheiro era para cobrir prestações de dívida que o Rio não pagara. O bloqueio está expressamente previsto na lei e nos contratos de renegociação de dívidas. Mais: a União não pode financiar os estados — financiamento que acontece quando perdoa pagamentos de prestações de dívida e concede empréstimo novo para unidade da Federação que não cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ou seja, a ministra endossou uma ilegalidade. OK, a situação do Rio é calamitosa, mas se vale a regra de que o governo não precisa pagar ao governo, a calamidade vai se espalhar.
Aliás, a renegociação da dívida fluminense está travada exatamente por isso: falta base legal para a União suspender pagamento de dívidas antigas e fazer empréstimos novos. Estão tentando dar um jeito — é complicado. Será preciso que o Congresso aprove uma lei complementar, criando um “regime de recuperação fiscal”, que permitiria financiamentos federais, da União e dos bancos, em troca de contrapartidas fiscais dos estados. Sem essa lei, a renegociação será crime contra a responsabilidade fiscal — algo que derrubou Dilma.
Se os diretores do Banco do Brasil, por exemplo, autorizarem empréstimos a estados falidos, sem a nova lei, cairão nas malhas do Ministério Público.

De todo modo, o mais importante, se algum acordo legal for conseguido, está não no refinanciamento, mas em como os governos estaduais e municipais vão fazer os ajustes. São as contrapartidas, as medidas efetivas de redução de gastos e ganhos de eficiência.  E um bom começo para ajeitar isso de modo legal e correto seria a ministra revogar aquela decisão. Pois se um estado pode não cumprir a lei e o contrato, os outros também podem, não é mesmo? E aí, caímos numa calamidade de verdade, quando os governos não pagam a mais ninguém, com decreto ou sem decreto. 

Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo



domingo, 3 de abril de 2016

Estados participaram da farra fiscal

Talvez inspirados na ‘contabilidade criativa’ do governo Dilma, governadores usaram brechas da lei para encobrir folhas de salários insustentáveis

O governo federal está no centro da crise causada pela desestabilização das finanças públicas. Muito natural, não apenas por seu tamanho dentro da Federação, mas pelo fato de ter sido ele, a partir do segundo mandato de Lula e na sequência do primeiro governo Dilma, que, por erros crassos de política econômica, mergulhou o país num ciclo de absoluta irresponsabilidade fiscal. E agora a sociedade padece com inflação elevada, recessão vertiginosa e assustador desemprego.

Cabe, porém, dividir a irresponsabilidade com demais entes federativos, com destaque para os estados. Reconheça-se que, na busca por metas de superávit, governos estaduais em geral demonstraram algum afinco. Mas, da farra da gastança, ninguém parece ter escapado. Assim que a política do “novo marco macroeconômico” começou a aprofundar a recessão à medida que a campanha eleitoral de 2014 chegava ao fim —, as receitas tributárias, por inevitável, entraram em parafuso. 

O cenário ficou tenebroso, em especial para estados e municípios muito dependes da receita de royalties do petróleo Rio de Janeiro, o grande exemplo —, porque a recessão interna coincidiu com a queda profunda do preço internacional do petróleo, base para o cálculo dessas indenizações. E para dar o retoque final no cenário da mais grave crise desde a década de 30, toda as finanças da Federação seguem a regra suicida a que se subordina a União: as receitas flutuam, mas as despesas estão, em grande parte, indexadas à inflação ou ao salário-mínimo, além de ficarem engessadas, em percentuais fixos, a gastos específicos. É a receita da catástrofe em curso.

Reportagem do GLOBO de sábado retrasado trouxe um aspecto da crise: estados inflaram de forma tão irresponsável suas folhas de salários que, mesmo com a magnânima renegociação de dívidas patrocinada por Dilma, ainda a ser aprovada no Congresso, não é certo que todos eles conseguirão sobreviver sem a necessidade de novo socorro em breve.


Estudo do economista Raul Velloso destrinchou o peso real dos salários na receita corrente líquida dos estados, limitada em 60% pela Lei de Responsabilidade Fiscal, e encontrou índices alarmantes: Rio de Janeiro, 110,3%; Minas gerais, 110%; Santa Catarina, 88,1%; Distrito Federal, 78,7% etc.

Isso porque governantes, talvez inspirados pela “contabilidade criativa" adotada no primeiro governo Dilma, aproveitaram brechas da Lei de Responsabilidade e passaram a incluir no conceito de receita líquida recursos extraordinários ou vinculados, portanto impedidos de serem destinados à folha de salários. Ao retirar esta maquiagem, Velloso encontrou percentuais insustentáveis.
O fato ajuda a se ter uma ideia de a que ponto atingiu o desarranjo fiscal nos últimos anos. E da trabalheira que será necessária para se colocar as contas públicas na rota da prudência.

Fonte: Editorial - O Globo