Caso em julgamento no Tribunal de Contas do Rio é exemplo de desvios que existem na previdência dos servidores e que agravam a má distribuição de renda
A
apresentação do projeto de reforma da Previdência pelo governo Temer dá uma
contribuição positiva, além dos efeitos em si nas desequilibradas contas
públicas, ao aprofundar o debate sobre o tema, chamando a atenção para
distorções que agravam a distribuição de renda no Brasil. Estes meses de
debates já permitem constatar que privilégios garantidos a categorias de
servidores públicos são poderoso indutor de injustiças sociais.
O déficit
da previdência do funcionalismo da União, por exemplo, com apenas um milhão de
aposentados, tem acumulado rombos anuais maiores que o do regime geral (INSS),
do setor privado, com 33 milhões de segurados — em 2015, o sistema de
aposentadoria dos servidores teve de receber R$ 90,7 bilhões para fechar as
contas, enquanto o INSS, com 33 vezes mais aposentados, necessitou de R$ 85
bilhões. Há
distorções variadas. Esta é estrutural do sistema. Mas há também desvios,
inaceitáveis, ocorridos dentro da máquina pública, de inspiração populista,
para agradar a corporações, com fins político-eleitorais.
Está para
ser julgado no Tribunal de Contas do Município do Rio um caso exemplar, que se
arrasta há 12 anos. Trata-se da desobediência à emenda constitucional nº 41
aprovada e promulgada no primeiro governo Lula, em 19 de dezembro de 2003, e
publicada pouco depois, no Diário Oficial de 31 de dezembro. Por ela, o
funcionalismo deixou de se aposentar com o último salário e perdeu a vantagem,
também fiscalmente inviável, de receber os reajustes concedidos ao quadro da
ativa. [os parágrafo 3º, 8º e 17 do artigo 40 da citada Emenda dispõe:
"§ 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei.
§
8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter
permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.
§
17. Todos os valores de remuneração considerados para o cálculo do benefício
previsto no § 3° serão devidamente atualizados, na forma da lei." [grifamos.]
A emenda
foi seguida, em 21 de junho de 2004, pela lei 10.887, que estabeleceu como
regra de cálculo das aposentadorias a média aritmética simples dos maiores
salários recebidos. Tudo muito claro, mas decreto municipal do prefeito Cesar
Maia, de nº 23.844, de 19 novembro de 2003, antes da promulgação daquela
emenda, colocou os servidores cariocas fora do alcance da Constituição. Uma
espécie de declaração de independência.
O assunto
tramita há mais de uma década sem que o Executivo cumpra decisões do Tribunal
de Contas contrárias, por óbvio, à inconstitucionalidade. Está para ser
apreciado no órgão voto do conselheiro Felipe Galvão Puccioni, que estabelece:
não há dúvida de que os estados e municípios são autônomos, conforme a
Constituição, mas não soberanos.
São
milionários os prejuízos ao contribuinte carioca. No caso em julgamento, de uma
assistente social, há uma manobra assustadora: com salário de R$ 3 mil, foi
aposentada com benefício de R$ 17 mil, o quanto ela recebeu no último ano na
ativa. Isso porque haveria um rodízio nas secretarias para inflar o salário do
último ano do servidor, com esta finalidade. Mais um exemplo de como agem
corporações de servidores dentro da máquina pública, contra os interesses da
maioria da população, aquela que depende de serviços públicos básicos, afetados
pela crise fiscal.
Fonte: Editorial - O Globo