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terça-feira, 23 de outubro de 2018

Um país com licença para odiar

Uma parte importante da população votará no próximo dia 28 sob a crença de que estará evitando que o Brasil se transforme em uma Venezuela

[os eleitores de Bolsonaro tem plena e correta convicção de que a escolha é Bolsonaro ou ver o Brasil transformado em uma Cuba ou uma Venezuela, ou pior ainda: na Cuzuela, a soma do pior com o pior = soma de Cuba com Venezuela.]


Há um fértil campo de estudo no Brasil para psicólogos cognitivos. Uma parte importante da população votará no próximo dia 28 sob a crença de que estará evitando que seu país se transforme em uma Venezuela. Para impedir isso, esses eleitores planejam entregar o poder a um ex-militar que, em quase 30 anos de carreira política, proferiu centenas de frases de desprezo pelas normas, costumes e valores da democracia. Esse é o homem, Jair Bolsonaro, chamado para salvar o Brasil das garras bolivarianas do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou entre 2003 e 2016, sem que ninguém percebesse que o país estava se tornando uma Venezuela.[era a fase inicial do processo de CUZUELIZAÇÃO e que consistiu no assalto aos cofres públicos - a fase da transformação estava prevista, segundo normas do Foro de S. Paulo, para agora, inicio de 2019 - mas, vão fracassar mais uma vez, nossa Bandeira nunca será vermelha.]

Como tantas vezes na história, o autoritarismo avança impulsionado por uma corrente popular na qual três grupos convergem: os convencidos, os oportunistas e os indiferentes. O núcleo original de convencidos é engrossado pelos nostálgicos da ditadura militar e fiéis ao culto da violência incrustado na medula do país. Com o descontentamento social no último mandato do PT, surgiram movimentos que alimentaram, especialmente nas redes sociais, um direitismo cada vez mais radical. Depois, aliaram-se os fanáticos religiosos, em guerra contra Sodoma e Gomorra. Em apenas alguns meses, o alcance se multiplicou a milhões de pessoas enfurecidas pela corrupção generalizada, pelo desaquecimento econômico e pelo crime cotidiano, e que compraram a promessa de uma mão firme.

Os oportunistas continuam fluindo em ondas sucessivas. Depois do mundo endinheirado, agora são os políticos de centro-direita — e alguns de centro-esquerda — que, desde o triunfo do candidato ultradireitista no primeiro turno, estão correndo para socorrer o vencedor. O grupo dos indiferentes teve uma base de apoio mais sutil, porém decisiva. Poucas coisas favoreceram tanto o ex-capitão de paraquedistas do que o relato — predominante, por exemplo, nos meios de comunicação — de que dois extremos estão disputando as eleições: direita e esquerda. Oportunistas e indiferentes compartilham sua surdez diante dos discursos e atitudes de Bolsonaro. Como na campanha o candidato reprimiu suas explosões, se tranquilizam pensando que estamos diante de um fanfarrão que se acalmará quando chegar ao poder.

O candidato também pediu aos seus seguidores que parassem com os atos violentos. E parece que o ouviram. Nos dias seguintes à sua vitória no primeiro turno, várias notícias relatavam dezenas de ataques de valentões simpatizantes do ultradireitista: um eleitor do PT assassinado, insultos e espancamentos de gays e lésbicas ou uma suástica tatuada no corpo de uma garota. Aconteça o que acontecer no próximo dia 28, o sucesso de Bolsonaro já concedeu uma licença para odiar entre os brasileiros. Não será mais necessário subir no trem do horror que seus seguidores passeiam nas redes sociais e ler o que dizem sobre os negros, feministas e homossexuais.

Se Bolsonaro conquistar a presidência, há motivos para temer que alguns levem essa licença longe demais. No país em que 57 ativistas ambientais foram assassinados no ano passado, [mais de 60.000 brasileiros foram assassinados no mesmo período] o líder de extrema direita anunciou, depois do primeiro turno, que um dos seus principais objetivos é “acabar com qualquer tipo de ativismo”. Em um país onde 5.000 civis são mortos a cada ano por tiros disparados pelas forças de segurança, Bolsonaro proclama que “o policial que não mata não é policial”. Esse país de quase 210 milhões de habitantes, onde em 2017 houve 445 mortes em ataques contra homossexuais, [menos de um décimo de milésimo em relação a população e menos de 0,5% em relação aos mais de 60.000 assassinados e muitos morreram não por serem homossexuais e sim por diversas  razões e houve caso em que homossexual matou homossexual devido  briga por ponto de trottoir.] .pode ter em poucos dias um presidente com licença para a homofobia. E atrás dele, uma multidão de legionários do ódio.

Xosé Hermida - El País