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domingo, 31 de janeiro de 2021

Brasil estagnado no combate à corrupção? Percival Puggina

Se deixarmos de lado o que pretende a mídia militante com essa leitura do relatório da Transparência Internacional (TI), a resposta à pergunta é afirmativa. O Brasil estagnou no combate à corrupção. Claro que a intenção da militância é bem outra, é venenosa, e não é preciso explicar seus motivos.

Examinemos de perto a informação disponibilizada pela TI. Ela corresponde a uma medição feita em 2019 (o relatório é de 2020, mas seus fundamentos foram compulsados em 2019). O relatório não expressa a sensação de corrupção no interior do governo federal. Isso seria absurdo, por ausência de fatos, num país que sofreu nos anos anteriores a maior roubalheira da história universal e viu de perto figurões da República e do mundo empresarial sendo acordados pela Polícia Federal. Não, não digam isso a uma nação que assistiu em vídeo as confissões de culpa, as denúncias em colaboração premiada, as centenas de condenações criminais, as devoluções espontâneas de dinheiro roubado, os bilhões buscados em paraísos fiscais, as apreensões, as prisões.

Quem sai de Sodoma e Gomorra não vai se escandalizar com beijo de adolescente em festa de aniversário.

Num país que passou pelo que o Brasil passou, a sensação de que o combate à corrupção estagnou ganha sentido com o desânimo da sociedade ao ver as portas das prisões de corruptos sendo escancaradas em gestos magnânimos do Supremo Tribunal Federal. Essa sensação tem muito a ver com a percepção do que acontece no Congresso Nacional e com a má qualidade ética das negociações que lá se estabelecem. Tem muito a ver com um projeto de combate ao crime enviado ao parlamento, retornar como Lei de Abuso de Autoridade para inibir a ação de policiais, de promotores e magistrados. Tem muito a ver com a frustração da sociedade perante o retorno à regra da prisão apenas na véspera do Juízo Final, quando, enfim, haverá justice for all. Tem muito a ver, por fim, com a percepção de um conluio envolvendo Senado e STF para engavetamento geral dos processos. O STF não julga senadores e os senadores não julgam ministros do STF. Os processos envelhecem de perder a memória, asilados nas prateleiras onde dormem de roncar.

Pessoalmente, se consultado sobre minha própria percepção hoje, eu me posicionaria também pela sensação de estagnação por saber o que aconteceu durante o ano de 2020 (não avaliado para o índice de 2019) no âmbito de muitos estados e municípios. No velho figurino nacional, parte dos recursos bilionários destinados pela União ao combate à covid-19 foi parar em mãos desonestas.  Não apenas recebido como “auxílio” por quem devia estar auxiliando os mais carentes, mas envolvendo concorrências com dispensa de licitação autorizada por lei federal para casos de calamidade.

Frustrante? Sim, frustrante, principalmente porque, em momento algum, se tratou de corrigir as causas institucionais que levam o Estado brasileiro a operar de um modo que estimula a corrupção e entra em letargia quando se trata de, efetivamente, punir os corruptos.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

quinta-feira, 21 de maio de 2020

O diabo e o anjo disputam Lula; chifrudo leva a melhor; Bolsonaro agradece - Coluna Reinaldo Azevedo

Sei lá... Deve ter batido em Lula, assim, uma certa carência, alguma síndrome de abstinência, uma certa melancolia do isolamento social. E então o diabo soprou ao seu ouvido esquerdo: -- "Companheiro, fale uma grande bobagem. O Jair Bolsonaro não pode monopolizar o noticiário com suas sandices, seus cretinismos, sua dança macabra à beira do abismo do país e aos pés da montanha de mortos. Nós também temos de dizer alguma coisa. Já faz tempo que a gente não escandaliza ninguém. Veja, parece que o PT nem existe, que está alheio à crise. Não pode ser assim".

O anjo acordou da soneca da quarentena sentindo aquele cheirinho de enxofre que o capiroto exala quando fala, ouviu tudo, calado, e ponderou: -- Pô, Lula, não entra nessa, não! O cara tá se estabacando sozinho. Se há alguma coisa politicamente virtuosa para nós, agora, é isto: ele se queima por conta própria. Não há uma só dificuldade que ele esteja atravessando que possa ser atribuída a algo que tenhamos feito. É verdade! A gente aparece pouco. Mas nem é mesmo a hora de aparecer. Fica parecendo exploração da crise.

Aí o diabo -- vocês sabem: é diabo porque é velho, não porque seja sábio --, experiente na arte da manipulação, continuou a tentar a orelha do Companheiro Zero Zero: -- Qual é, Lula!? A gente não tá quieto por estratégia, mas por falta do que dizer. Não dá para continuar assim, não. Temos de ir pras cabeças. Vamos rasgar o véu. O neoliberalismo já era. O vírus fez por nós o que nunca conseguimos fazer sozinhos: provar que, sem Estado, nada se faz. Tá vendo? A quem recorreram agora? A gente sempre tentou provar que o Estado é essencial para salvar a humanidade do apocalipse. Taí! Os neoliberais vituperaram contra as medidas de assistência social, só falam em vender, tudo: vender, tudo: vender, vender, vender... E olha aí. Imagine se não fosse o Bolsa Família que você inventou..." O companheiro diabo tem razão... Lembra o anjo: -- Lula, nem foi você, né? Você reuniu os programas que havia no governo FHC e mudou de nome. É verdade. Elevou o atendimento de cinco milhões de família para uns 11 milhões. Mandou bem!

Aí o rabudo entra em ação: -- Tá vendo? Esse aí nem para reconhecer a sua grande obra. Ah, lembra aqueles tempos do "nunca antes na história deste país", quando a gente descia o sarrafo nas elites, ainda que os empreiteiros e os banqueiros vivessem em lua de mel com a gente? Vamos lá. A gente falava tudo o que dava na telha. Era uma delícia. Esse negócio do Bozo, de ficar rimando cloroquina com tubaína é coisa de amador. A gente manda muito bem quando fala a primeira porcaria que pinta naquela parte do cérebro que dá traço... O negócio é falar primeiro, Lula, e pensar depois. Você vai ver: vamos virar manchete na hora. 

Prudente, o serzinho alado agitava-se nervosamente: -- Vai dar merda!
E seu oposto: -- Não roube meu vocabulário. Vamos lá, companheiro Lula, diga a primeira coisa que lhe veio à mente. E Lula disparou: -- Quando eu vejo os discursos dessas pessoas, quando eu vejo essas pessoas acharem bonito que 'tem que vender tudo o que é público', que 'o público não presta nada', ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus. Porque esse monstro está permitindo que os cegos comecem a enxergar que apenas o Estado é capaz de dar solução a determinadas crises. Essa crise do coronavírus, somente o Estado pode resolver isso, como foi a crise de 2008. O diabo deu uma gargalhada de satisfação: -- Isso! É perfeito! Nem eu conseguiria dizer melhor! É isto! O vírus veio para instruir a humanidade! A gente sabe fazer as coisas.  Se ficar irritado, mata todo mundo afogado, sem critério. Tem um chilique, tome chuva de enxofre em Sodoma e Gomorra só porque viu a turma brincando de pôr aquilo naquilo... Que é que tem? É bem verdade que deve ter caído um meteoro por lá, né?  Mandou bem. O vírus não acabou com tudo. Matou alguns milhares só. A anjo desiste: -- Tá bom, Lula. Nem o Bolsonaro fez por si mesmo o que você está fazendo por ele.

O resto é história. Dada a repercussão da fala do companheiro Zero Zero, o anjo foi chamado para fazer assessoria de imprensa. E ditou a Lula o seguinte texto: -- Utilizei uma frase totalmente infeliz, uma frase que não cabia, e se alguma pessoa ficou ofendida, se algum dos 210 milhões de brasileiros ficaram ofendidos, todo mundo sabe que a palavra 'desculpa', ela foi feita para a gente utilizar com muita humildade porque eu sou um ser humano movido a coração e eu sei o sofrimento que causa a pandemia, eu sei o sofrimento que causa uma pessoa ver seu parente ser enterrado sem poder sequer acompanhar. Eu acredito piamente que enquanto não tiver remédio a melhor solução para que a gente evite pegar a doença ou passar a doença é ficar em casa. Então, se algumas pessoas ficaram ofendidas, com a frase, eu peço desculpas porque a frase não cabia naquilo que eu queria falar." Enquanto isso, o diabo conversava com o anjo de Bolsonaro, se é que me entendem: -- Viu como é fácil?

Reinaldo Azevedo, jornalista - Coluna no UOL


 O diabo e o anjo disputam Lula; chifrudo leva a melhor; Bolsonaro agradece ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2020/05/20/o-diabo-e-o-anjo-disputam-lula-chifrudo-leva-a-melhor-bolsonaro-agradece.htm?cmpid=copiaecola
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terça-feira, 23 de outubro de 2018

Um país com licença para odiar

Uma parte importante da população votará no próximo dia 28 sob a crença de que estará evitando que o Brasil se transforme em uma Venezuela

[os eleitores de Bolsonaro tem plena e correta convicção de que a escolha é Bolsonaro ou ver o Brasil transformado em uma Cuba ou uma Venezuela, ou pior ainda: na Cuzuela, a soma do pior com o pior = soma de Cuba com Venezuela.]


Há um fértil campo de estudo no Brasil para psicólogos cognitivos. Uma parte importante da população votará no próximo dia 28 sob a crença de que estará evitando que seu país se transforme em uma Venezuela. Para impedir isso, esses eleitores planejam entregar o poder a um ex-militar que, em quase 30 anos de carreira política, proferiu centenas de frases de desprezo pelas normas, costumes e valores da democracia. Esse é o homem, Jair Bolsonaro, chamado para salvar o Brasil das garras bolivarianas do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou entre 2003 e 2016, sem que ninguém percebesse que o país estava se tornando uma Venezuela.[era a fase inicial do processo de CUZUELIZAÇÃO e que consistiu no assalto aos cofres públicos - a fase da transformação estava prevista, segundo normas do Foro de S. Paulo, para agora, inicio de 2019 - mas, vão fracassar mais uma vez, nossa Bandeira nunca será vermelha.]

Como tantas vezes na história, o autoritarismo avança impulsionado por uma corrente popular na qual três grupos convergem: os convencidos, os oportunistas e os indiferentes. O núcleo original de convencidos é engrossado pelos nostálgicos da ditadura militar e fiéis ao culto da violência incrustado na medula do país. Com o descontentamento social no último mandato do PT, surgiram movimentos que alimentaram, especialmente nas redes sociais, um direitismo cada vez mais radical. Depois, aliaram-se os fanáticos religiosos, em guerra contra Sodoma e Gomorra. Em apenas alguns meses, o alcance se multiplicou a milhões de pessoas enfurecidas pela corrupção generalizada, pelo desaquecimento econômico e pelo crime cotidiano, e que compraram a promessa de uma mão firme.

Os oportunistas continuam fluindo em ondas sucessivas. Depois do mundo endinheirado, agora são os políticos de centro-direita — e alguns de centro-esquerda — que, desde o triunfo do candidato ultradireitista no primeiro turno, estão correndo para socorrer o vencedor. O grupo dos indiferentes teve uma base de apoio mais sutil, porém decisiva. Poucas coisas favoreceram tanto o ex-capitão de paraquedistas do que o relato — predominante, por exemplo, nos meios de comunicação — de que dois extremos estão disputando as eleições: direita e esquerda. Oportunistas e indiferentes compartilham sua surdez diante dos discursos e atitudes de Bolsonaro. Como na campanha o candidato reprimiu suas explosões, se tranquilizam pensando que estamos diante de um fanfarrão que se acalmará quando chegar ao poder.

O candidato também pediu aos seus seguidores que parassem com os atos violentos. E parece que o ouviram. Nos dias seguintes à sua vitória no primeiro turno, várias notícias relatavam dezenas de ataques de valentões simpatizantes do ultradireitista: um eleitor do PT assassinado, insultos e espancamentos de gays e lésbicas ou uma suástica tatuada no corpo de uma garota. Aconteça o que acontecer no próximo dia 28, o sucesso de Bolsonaro já concedeu uma licença para odiar entre os brasileiros. Não será mais necessário subir no trem do horror que seus seguidores passeiam nas redes sociais e ler o que dizem sobre os negros, feministas e homossexuais.

Se Bolsonaro conquistar a presidência, há motivos para temer que alguns levem essa licença longe demais. No país em que 57 ativistas ambientais foram assassinados no ano passado, [mais de 60.000 brasileiros foram assassinados no mesmo período] o líder de extrema direita anunciou, depois do primeiro turno, que um dos seus principais objetivos é “acabar com qualquer tipo de ativismo”. Em um país onde 5.000 civis são mortos a cada ano por tiros disparados pelas forças de segurança, Bolsonaro proclama que “o policial que não mata não é policial”. Esse país de quase 210 milhões de habitantes, onde em 2017 houve 445 mortes em ataques contra homossexuais, [menos de um décimo de milésimo em relação a população e menos de 0,5% em relação aos mais de 60.000 assassinados e muitos morreram não por serem homossexuais e sim por diversas  razões e houve caso em que homossexual matou homossexual devido  briga por ponto de trottoir.] .pode ter em poucos dias um presidente com licença para a homofobia. E atrás dele, uma multidão de legionários do ódio.

Xosé Hermida - El País