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quinta-feira, 1 de junho de 2017

Fator Joesley

Se o dólar permanece caro por algum tempo, causa inflação, e isso reduz o espaço para o BC cortar juros

Se você ainda não leu, vai ler: o Banco Central poderia ter reduzido mais ainda a taxa básica de juros se não fosse o Joesley.  E qualquer pessoa tem todo o direito de perguntar: como é que a delação do dono da JBS chega a uma decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central? Aliás, antes disso: é verdade que chega? Pois a resposta é duas vezes sim. Não é uma questão de achar, trata-se de fatos.

Começando pela taxa de câmbio. Desde fevereiro deste ano e até 17 de maio, quando, à noite, O GLOBO revelou a história da delação, o dólar estava oscilando na casa dos R$ 3,10. Chegou a encostar em R$ 3,05.  No dia 18 de maio, no susto, a cotação saltou para R$ 3,40. Depois voltou um pouco, mas desde então varia na faixa de R$ 3,25 a 3,30. Mudou de patamar, mesmo com o Banco Central colocando no mercado nada menos que US$ 10 bilhões, para segurar a cotação. O estresse e a sensação de crise provocam uma busca de proteção no dólar.

Também houve mudança, mais clara ainda, nos juros de mercado — ou seja, nas taxas de juros efetivamente pagas nas negociações com títulos do Tesouro Nacional (papéis da dívida do governo). No dia 17 de maio — sempre lembrando que a história da delação saiu depois do fechamento dos mercados — a taxa de juros em um título com vencimento em um ano era de 8,7%. No dia seguinte, saltou para 10%.  Como no caso do dólar, também houve uma acomodação, mas os juros seguem quase um ponto acima do nível pré-delação.  Parece pouco? Pois coloque 1% em cima de uma dívida de trilhões.

Mais ainda: quando os operadores negociam títulos do governo — ou títulos privados — tratam de estimar de quanto será a taxa básica de juros, a Selic, aquela fixada pelo BC e mais ou menos a taxa que o Tesouro (o governo) paga quando toma emprestado. Pois então: no dia 17 de maio, esses negócios indicavam que o mercado esperava uma Selic abaixo de 8% para o fim deste ano. Nas operações feitas ontem à tarde, antes de conhecida a decisão do BC, se embutia uma Selic mais perto de 9%, também para dezembro.

Portanto, é fato que a crise política pós-Joesley afetou câmbio e juros. A questão seguinte: como isso chega à mesa de reuniões do Copom?  Com a taxa de câmbio é mais fácil de entender. Dólar caro é fator inflacionário. Aumenta os preços do que é importado, do que tem componente importado e do produto de negociação internacional (soja, por exemplo). Ora, no regime de metas de inflação, a regra básica é assim: inflação em alta, juros para cima, e inversamente.  Assim, se o dólar permanece caro por algum tempo, causa inflação, e isso reduz o espaço para o BC cortar juros.  E por que os juros de mercado sobem direto na crise?

Ocorre que o maior problema da economia brasileira está no déficit anual e na dívida acumulada do governo federal. Resumindo, a coisa está assim: o governo recolhe os impostos e começa a gastar; paga aposentadorias e salários (as duas maiores despesas); o funcionamento da máquina (de remédios a cafezinho do pessoal); e investe algo. No final das contas, o governo gasta tudo o que arrecadou e ainda fica faltando — algo como R$ 140 bilhões é o déficit esperado para este ano. Vai daí, o governo precisa, primeiro, tomar dinheiro emprestado para cobrir aqueles gastos do ano e, segundo, mais dinheiro para pagar os juros da dívida já formada. Resultado: a dívida fica cada vez maior. O governo aparece como um mau devedor, que tem de pagar juros maiores para se financiar. 

E a taxa mais alta se espalha pela economia. Qual seria o correto? O governo gastar menos do que arrecada, fazer um superávit e usar esses recursos para amortizar parte da conta de juros. Com isso, a dívida entraria em “trajetória de queda”, essa expectativa derrubando juros.  Ora, como os impostos já são elevados, o governo federal precisa reduzir gastos. E aqui caímos na reforma da Previdência e na política.  A rubrica Previdência é a maior despesa. Não haverá equilíbrio financeiro sem uma reforma que contenha o crescimento hoje explosivo desses gastos. A reforma, impopular, tem que ser aprovada no Congresso, sob liderança do presidente da República. Um presidente pós-Joesley consegue fazer isso?

Eis como se fecha o círculo. Antes da delação, o consenso era o seguinte: será aprovada uma reforma previdenciária que permitirá uma efetiva economia. Com isso e mais outras medidas de controle de gastos, o governo conseguiria voltar ao superávit e reduzir o endividamento.  Isso aconteceria lá na frente, mas a economia trabalha por antecipação, por expectativa. Se está claro que o problema será resolvido, opera-se como se já estivesse resolvido.

Agora, no pós-Joesley, a discussão não é sobre o tamanho da reforma, mas se haverá ou não. E isso piorou as expectativas de equilíbrio das contas públicas. Sobem dólar e juros de mercado, o BC tem menos espaço para cortar a taxa básica. Como disse o Copom ontem: o fator de risco principal é “o aumento da incerteza sobre a velocidade do processo de reformas e ajustes na economia”.
O fator Joesley. [a única saída é separar a política da economia, pelo menos até a realização das reformas = deixar o Temer dar continuidade as medidas na economia
Agir diferente, é trabalhar contra o Brasil, não resolver o problema e ainda correr o risco (elevadíssimo) de colocar no lugar de Temer um pior que ele.]

Fonte: O Globo - Carlos Alberto Sardenberg,  jornalista