O Brasil
foi de susto em susto nas discussões e votações da reforma política. Os
parlamentares, tão descuidados nas questões que interessam ao país, se
mobilizaram com empenho pelas regras para as próximas eleições. Em alguns
pontos, o pior foi evitado, como o exótico distritão, mas se repetiu a prática
do jabuti de última hora, colocado na surdina sobre a lei que estiver passando.
Democracia
é debate de propostas e, depois, voto, mas no Congresso tem se tornado rotina
aparecer algo que não foi discutido e que é pendurado sorrateiramente em um
projeto e só se descobre o que aconteceu depois que foi aprovado. Foi o que
houve nesta tentativa de dar aos políticos o poder de retirar conteúdo da internet
sem passar pela Justiça e com o subjetivo motivo de ser “informação falsa”. Com
a forte reação da sociedade, o próprio deputado autor da ideia avisou que
recuaria e o presidente Temer emitiu nota ontem afirmando que irá vetar a
ideia. Mas Temer é parte do problema, porque os deputados e senadores se
aproveitam de sua fraqueza política para tentar aprovar projetos que apenas os
favorecem.
Se ao
menos tivesse havido alguma discussão anterior. O truque é evitar que se
discuta e, na última hora, colar um jabuti na árvore e assim aprovar na
traquinagem, na surdina, uma proposta que não sobreviveria a uma discussão
democrática. Desta vez, pelo visto, será evitado, mas esse tipo de prática
deixa o país em sobressalto, temendo o que pode ser aprovado em cada projeto
que tramita: perdão de dívidas tributárias de corruptos, permissão para que
políticos tragam dinheiro ilegal do exterior pelo canal da repatriação, um
fundo eleitoral bilionário com dinheiro do contribuinte, alterações no Carf
para favorecer empresas. Algumas coisas se conseguiu barrar por um triz porque
o país, alertado, reagiu.
O brasileiro tem mais o que fazer do que ficar em
constante guarda contra o Congresso. Inverte-se assim o papel dos
representantes do país. Em vez de representarem os interesses da sociedade,
eles defendem a si mesmos com propostas que recaem sobre a sociedade. É preciso
vigiar dia e noite o Congresso brasileiro. O fundo eleitoral foi melhorado
depois de a sociedade brigar contra o fundão de quase R$ 4 bilhões.
Formou-se
outro menor, com os partidos abrindo mão dos enfadonhos programas partidários
fora de época. O programa de reestruturação tributária, que quase virou o refis
da corrupção, foi aprovado sem esse item, mas com concessões inaceitáveis a
sonegadores e devedores da Receita. O direito de os políticos exigirem retirada
de conteúdo que os desagrade de provedores da internet, sem sequer um olhar da
Justiça, foi aprovado nos instantes finais da tramitação da reforma política.
Foi aprovado também o direito de um candidato financiar a si mesmo em 100% dos
gastos, o que aumentam as chances dos ricos nas eleições.
Propostas
assim podem ser vetadas e até questionadas na Justiça, mas o ponto é até quando
os eleitores brasileiros têm que ser surpreendidos por jabutis em árvores
colocados pelos espertos? O cidadão
está cansado dessa esperteza que burla, frauda, abre brechas nas propostas que
tramitam no Congresso. Esse tipo de conspiração silenciosa contra o
entendimento do que está sendo decidido em nosso nome acontece com frequência.
É costumeiro. Está na hora de os parlamentares respeitarem a democracia e o seu
pressuposto básico de promover o debate para a compreensão de cada proposta e
só depois votar.
Não é
possível que a democracia vá ser diariamente surrupiada por deputados, em geral
de atuação de pouco destaque, colocando um contrabando dentro das propostas.
Mesmo que se confirme o veto, o problema é a forma como tudo ocorreu. Se a
maioria dos deputados e senadores quer debater formas de evitar que calúnias e
difamações se propaguem pela mídia social, vamos ao debate. Há sim inúmeros
casos de crimes na internet. Suas vítimas têm recorrido à Justiça. Existem
empresas contratadas por campanhas de candidatos para criar perfis falsos que
disseminam mentiras ou ataques de ódio contra os concorrentes. Como lidar com
isso? Esse pode ser um debate necessário. O que não é tolerável é que o direito
de censura seja contrabandeado sub-repticiamente para um projeto que por meses
foi debatido no Congresso. Ao fim da votação, alguns parlamentares nem sabiam o
que haviam aprovado. Essa figura do esperto do jabuti precisa ser abolida do
Congresso brasileiro.
Fonte: Coluna da Miriam Leitão - Com
Alvaro Gribel, de São Paulo - O Globo