O Estado de S. Paulo
Bolsonaro e os ‘direitos’ dos ricos e poderosos contra os ‘deveres’ de todo o resto
O presidente Jair Bolsonaro confirma, dia sim, outro também, sua visão peculiar e sectária do que sejam direitos. Diz a Constituição que “todos são iguais perante a lei”. Dizem as democracias que os direitos e deveres são iguais para todos. Para Bolsonaro, não. [fosse só para Bolsonaro, seria fácil se dar um jeito;
ocorre que Congresso Executivo e Judiciário tripudiam sobre a suposta igualdade, prevista na Constituição Federal.
Estabelece a Carta Magna que todos são iguais perante a lei.
Onde está a igualdade prevista na CF, diante da lei que estabelece a famigerada política de cotas? A cor conta, há desigualdade, tanto é que o afro descendente ainda que tendo menos mérito do que o branco, digamos, o germano descendente, devido a reserva de cotas ele ele passa na frente - pouco importa que em uma escala de 0 a 10, o branco tenha, por mérito, obtido 9 e o afro descendente 7, também por mérito, as cotas transformam o cotista em vencedor - restando uma única vaga ela fica com o afro descendente.] No seu governo, como na sua fala, uns têm mais direitos do que outros: os ricos, donos do capital.
Num país campeão de desigualdade social, com milhões de pessoas sem direito a emprego, educação, saúde, moradia, transporte, igualdades de condições e respeito, o presidente jamais usa a palavra “social” e está preocupado é com os direitos dos empresários, que chama de “heróis”: “É horrível ser patrão no Brasil”, prega. Bem pior, presidente, é ser pobre. Assim, Bolsonaro defende trabalho infantil, produz frases dúbias sobre trabalho escravo e estuda devolver terras desapropriadas. [a maior parte das desapropriações foi realizada de forma fraudulenta, as terras hipoavaliadas;
e sempre que quis o governo, alegando interesse público suspendeu o pagamento ao expropriado, mantendo a desapropriação.] E corta, ops!, contingencia verbas do Ministério do Desenvolvimento Social e da Educação.
Entre a proteção da Amazônia e a ganância de madeireiros ilegais, adivinhem quem ele defende? Em desacordo com a lei, impediu a destruição de caminhões que derrubavam árvores, criminosamente, na floresta. Entre o direito ancestral dos índios e o desejo de “tarados” americanos de explorar minérios em terras indígenas, adivinhem o que ele prefere? E a ideia de liberar Angra dos Reis para empresários criarem “uma Cancún”? Entre o Coaf, que identifica movimentações financeiras atípicas, e o interesse do filho Flávio Bolsonaro, cujo gabinete no Rio foi um dos flagrados, adivinhem o que ele faz? O chefe do Coaf cai, o filho Flávio fica feliz da vida. Aliás, cadê o Queiroz?
Sempre crítico à política, Bolsonaro se deu o direito de estar nela há 29 anos e garantir mandatos não só para Flávio, mas também para o “02”, Carlos, e o “03”, Eduardo. Por que será? Essa pergunta, que nunca quis calar, pode estar sendo respondida pelo jornal O Globo, que identificou 286 assessores do clã nessas três décadas, 102 da família Bolsonaro ou de famílias amigas. Alguns receberam a média de R$ 7,3 mil, ou R$ 10,7 mil, durante 14, 15 anos, sem dar as caras no trabalho. Uma era oficialmente “do lar”, outra declarou-se “babá” na Justiça e vai por aí afora. Será que os salários não eram para elas? E qual o direito dos Bolsonaro de fazer isso? [curioso é que para quem teve uma votação sempre crescente - em 2014 teve mais de 400.000, oito vezes mais do que Rodrigo Maia, 'primeiro-ministro' por auto indicação, obteve para deputado no mesmo ano e sete vezes o que Mais recebeu em 2018.
A soma desses salários com certeza não daria para comprar tantos votos, ainda que a R$ 10 cada um.]
Há também os cartões corporativos: a sociedade tem o direito de saber como são gastas as verbas oficiais, mas Bolsonaro mantém o “direito” de gastar sem dizer onde, para quê, com quem. E não é pouco dinheiro, não.[todos os presidentes, começando pelo criador do cartão corporativo, o FHC, nunca informaram com detalhes e exatidão os gastos com tal meio de pagamentos.
Sempre usaram a barreira 'razões de segurança', para não informar.]
Quem, por ofício, checa diariamente a agenda do presidente sabe os que têm acesso a Bolsonaro e para quem ele está efetivamente governando. Ele vai a toda e qualquer solenidade militar, frequenta cultos e despacha com pastores evangélicos, leva ministros a estádios de futebol e abre as portas do gabinete a multinacionais, grandes empresários, ruralistas, políticos aliados, a “bancada da bala”. Aos aliados e ao capital, enfim.
Onde ficam as outras religiões, os ambientalistas, as comunidades LGBT, os professores, os defensores de direitos humanos, os cientistas, os cineastas, os escritores, os artistas, os intelectuais, os índios, os quilombolas, os especialistas em trânsito e em desarmamento? E os representantes de trabalhadores? [algumas das categorias citadas não merecem ser recebidas, sequer merecem ser citadas ou mesmo incluídas em qualquer grupo.]
No mundo de Bolsonaro, o capital tem todos os direitos, o trabalho e as minorias só têm deveres. A uns, a defesa. Aos outros, a cobrança. Mais ou menos como no caso dos Estados: aos governadores aliados, tudo; aos nordestinos, as migalhas.
Entra aí o “direito” do jovem deputado Eduardo de ser embaixador na mais importante embaixada do planeta, a dos EUA. “Indicado tem de ser filho de alguém. Por que não meu?”, indagou papai Bolsonaro. O que responder, minha gente?! [ser filho do presidente não é motivo para ter direitos suprimidos.]
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo