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quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Querem transparência dos policiais? Por que não dar transparência a todo o serviço público? - Alexandre Garcia

VOZES - Gazeta do Povo

Câmeras

Tribunal de SP suspendeu uso de câmeras corporais em policiais durante operação Escudo.
Tribunal de SP suspendeu uso de câmeras corporais em policiais durante operação Escudo.
Imagem ilustrativa.| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Embora muita gente ache que a Constituição foi derrogada por guardiões que não zelaram por ela, que acham que o arbítrio de juízes está acima da vontade dos constituintes e da Carta Maior, eu insisto com a Constituição
Sou meio como aqueles paulistas de 32: só com Constituição, obedecendo tudo o que está lá, temos realmente uma democracia. 
Não temos censura nem tribunal de exceção, temos respeito ao domicílio, devido processo legal, amplo direito de defesa, direito à vida, à propriedade, à liberdade de expressão, ao direito de reunião.
 
Por isso fico pesquisando a Constituição, e vejam o que eu encontrei no artigo 93, inciso IX. O artigo 93 trata dos princípios que têm de estar na Lei Orgânica da Magistratura, ou seja, a “Constituição dos juízes” do país inteiro.  
O inciso IX diz que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos”. 
Abre uma exceção quando se trata do direito à intimidade, presente no inciso X do artigo 5.º, que é cláusula pétrea: todos têm direito à intimidade e à privacidade, então não é possível deixar públicos os detalhes de alguns processos em respeito às pessoas envolvidas – muitas vezes, são questões entre casais ou de família. 
Só então o julgamento se limita às partes e aos advogados das partes; de resto, diz o inciso IX do artigo 93 que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos”.
 
É o espírito que está no artigo 37 da Constituição: ele diz o serviço público se caracteriza pela moralidade, pela eficiência, pela impessoalidade e pela publicidade. “Publicidade” é tornar público – eu preferiria “transparência”, para ficar bem claro que não é a “publicidade” sinônimo de “propaganda”. Tornar público é ser transparente
Por isso, agora que estão discutindo a câmera corporal para os policiais de São Paulo, seria bom também termos câmeras no serviço público, para que o cidadão, a quem os servidores servem, possa acompanhar o trabalho. 
Que não haja mais cadeira vazia com o paletó no espaldar da cadeira.

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Crime toma conta do país, mas para uns o verdadeiro problema são as mídias sociais
Leis aqui no Brasil não faltam: Código Penal, Código de Execuções Penais, Código de Processo Penal, mas são leis que não adiantam para conter o crime, que só aumenta e se expande. 
Vocês viram o crime tomando conta do Equador? 
Pois é. E aqui no Brasil, você ainda não se deu conta? 
Se você não se deu conta, é como aquele sapo que está na panela, com o fogo esquentando lentamente a água. 
Eu me dei conta disso nos últimos 50 anos. 
Desde que comecei a falar em rádio, venho alertando que no Rio de Janeiro estavam tomando território do Brasil para ser o território do crime. Hoje temos esses “territórios liberados”, santuários de milícias, de facções do tráfico – não só de drogas, mas também de armas, compradas com o dinheiro dos que compram as drogas. 
A Amazônia está cheia de facções, e isso já foi exportado para todos os estados. 
Nessa última saidinha de Natal o sujeito sai e já está armado, ganha imediatamente do Papai Noel as armas. 
Enquanto isso, querem calar a voz dos brasileiros. 
É muito mais fácil controlar meia dúzia de grandes mídias, mas fica muito difícil controlar milhões de vozes das pessoas que são a base da democracia, a origem do poder. 
É por isso que querem controlar as redes sociais.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Quem atribui ativismo ao STF não gosta da decisão, da Constituição ou até da democracia, diz Barroso

O Estado de S. Paulo - Blog do Fausto Macedo

Em evento promovido pelo Estadão e a Universidade Mackenzie nesta segunda, 13, presidente do Supremo diz que o centro ‘precisa recuperar o pensamento conservador que foi capturado pela extrema direita’

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, afirmou na manhã desta segunda-feira, 13, que a Corte máxima foi um ‘dique relevante contra avanço do autoritarismo’, rebatendo alegações de ativismo judicial por parte da Corte. “Com frequência as pessoas chamam de ativistas as decisões que elas não gostam, mas geralmente o que elas não gostam mesmo é da Constituição ou eventualmente de democracia”, alertou.

O magistrado ainda rechaçou ataques ao Tribunal e deu o recado a parlamentares de que mexer no STF ‘não parece ser um capítulo prioritário das mudanças que o País precisa’. “A democracia e a Constituição ao longo dos 35 anos têm resistido a tempestades diversas, que foram dos escândalos de corrupção às ameaças mais recentes de golpe. A Constituição e a democracia conseguiram resistir e a resposta é afirmativa: quem é o guardião da Constituição? O STF. Então é sinal que ele tem cumprido bem seu papel e o resto é varejo político”, declarou Barroso.[pretende o ministro Barroso pautar o Poder Legislativo? ou aplicar seu entendimento de que "O nosso papel é empurrar a história"  - Migalhas ?]

O presidente do Supremo participa do seminário ‘O Papel do Supremo nas democracias’, promovido pelo Estadão e a Universidade Presbiteriana Mackenzie. Barroso ainda vai falar sobre a pressão contra a Corte e as potenciais retaliações de outros Poderes ante as decisões do Tribunal.

Em sua exposição, o ministro narrou como o Supremo ‘impediu retrocessos diversos’ ao elencar como o populismo autoritário se manifestou no País. Barroso citou por exemplo, o ‘negacionismo ambiental’, com o desmonte de órgãos de proteção, e o ‘negacionismo da gravidade da pandemia’. “Poucos países erraram tanto no tratamento da covid como no caso brasileiro, com o atraso da vacina e a campanha contra o distanciamento e uso de máscaras”, refletiu em alusão ao governo Jair Bolsonaro.

O ministro também apontou como a Corte combateu o ‘aparelhamento das instituições de Estado’ e enfrentou ‘ataques extremamente virulentos’.

“Pedido de impeachment por atos jurisdicionais, ameaças de descumprimento de decisões, desfile de tanques na praça dos três poderes, tentativa de volta do voto impresso, alegações falsas de fraude eleitoral, não reconhecimento da vitória, recusa em passar a faixa presidencial, articulação de golpe militar - tabajaras ou não, mas até com decreto - tolerância com acampamentos golpistas e invasão da sede dos três Poderes da República”, elencou.

‘Centro precisa recuperar o pensamento conservador da extrema direita’
Segundo o presidente do STF, democracias em todo mundo sofreram ameaças do populismo autoritário. Na avaliação de Barroso, parte do pensamento conservador no mundo foi capturado pela extrema direita, ‘com discurso de intolerância, misógino, homofóbico e antiambientalista’, sendo necessário que o centro ‘recupere esse espaço e essas pessoas’.

Ativismo
Já ao rebater as alegações de ativismo judicial no Supremo,
Barroso apontou ‘percepção popular equivocada’. O magistrado ponderou que o protagonismo do STF é fruto de um ‘desenho institucional’ e indicou que a visibilidade sujeita a Corte à críticas porque ‘sempre há alguém contrariado com as decisões’.
 
Veja o desmonte promovido por Rodrigo Constantino na fala do supremo ministro

Blog do Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo

 

domingo, 17 de setembro de 2023

Comitê Central de Justiça - J. R. Guzzo

Revista Oeste


O STF não apenas dispensou a si próprio de obedecer à Constituição. Autorizou-se, também, a ignorar o raciocínio lógico, as noções básicas da moral e as posições que os seus próprios ministros já tomaram


 Foto oficial dos ministros do STF em 3 de agosto de 2023 | Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

 Desde o primeiro minuto de sua prisão, no dia 3 de maio, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, ficou claro que o tenente-coronel Mauro Cid estava preso por um único motivo: fazer algum tipo de acusação criminal que pudesse atingir o ex-presidente Jair Bolsonaro.  
Qual seria o crime? Qualquer um. Enquanto não viesse com uma confissão capaz de satisfazer a Polícia Federal e o STF, ficaria preso. 
Na hora em que falasse seria solto — com tornozeleira e toda a caixa de ferramentas destinada a reprimir “atos antidemocráticos”, mas solto. 
Foi exatamente o que aconteceu com ele. Cid, segundo o STF, a polícia e a maior parte da mídia, era suspeito de tudo. 
Suspeito de participar de “milícias digitais”. 
Suspeito de falsificar certificados de vacina. 
Suspeito de produzir as “minutas do golpe”. 
Suspeito de vender joias nos Estados Unidos. 
Alguma coisa teria de sair daí — qualquer coisa, desde que as autoridades achassem que serviria para ser usada contra Bolsonaro. Acreditam ter encontrado, e o oficial foi solto depois de quatro meses e meio na prisão. 

O caso todo do tenente-coronel Cid é uma fotografia em alta resolução do Brasil de hoje. Em nenhum país com um sistema judicial minimamente sério seria permitido fazer o que fizeram com ele — foi tudo ilegal até agora, como é ilegal o tratamento dado a mais de mil brasileiros, quase todos anônimos, que estão na lista negra de inimigos políticos do STF.

(...)

O Supremo não apenas dispensou a si próprio de obedecer à Constituição e as demais leis em vigor no Brasil. Autorizou-se, também, a ignorar o raciocínio lógico, as noções básicas da moral e as posições que os seus próprios ministros já tomaram. 
É uma jurisprudência ao contrário: em vez de valer o que os ministros já decidiram e pensaram no passado, ou mesmo meia hora atrás, vale o que eles querem no momento em que estão decidindo. 
Já decidiram, por exemplo, que a lei aprovada pelo Congresso tornando voluntário o pagamento do Imposto Sindical era constitucional. 
Acabam de decidir o oposto e anular a decisão do Parlamento — e por aí se vai. 
O caso do tenente-coronel é exemplar. Ele foi solto depois de ter aceitado uma “delação premiada”, proposta pela PF e validada pelo STF. 
Mas a “delação premiada” não era um horror, quando provava a corrupção do governo Lula nos tempos da Lava Jato? Era, até outro dia. “É muito grave para a Justiça esse tipo de vexame… As pessoas só eram soltas depois de confessarem… Isso é uma vergonha… Coisa de pervertidos… Claramente se tratava de prática de tortura.” 
 
Quem disse isso, no começo do último mês de maio, foi o ministro Gilmar Mendes — que, por sinal, já chamou o governo Lula de “cleptocracia”, ou governo de ladrões, em 2015. 
 
(...) 

Esse mesmo Toffoli, já que se chegou a ele, é um dos mais produtivos especialistas em decisões que vão de um lado hoje e do lado contrário amanhã. Nos tempos em que Lula e o PT estavam em desgraça, Toffoli era um severo fiscal da corrupção entre a companheirada apesar de ter sido nomeado por Lula para o STF, mesmo depois de reprovado duas vezes no concurso para juiz de direito e ter subido na vida como advogado do PT. Num certo momento, proibiu que Lula saísse da cadeia para ir ao velório do irmão, onde queria fazer um comício ao lado do caixão. Por essa, e por muitas outras, era considerado um traidor pelo Sistema L — mas hoje, com Lula de novo no governo, voltou ao lugar onde estava. 

(...) 

Toffoli, como o resto do STF, nunca achou nada de errado na prisão de Lula, nas decisões da Lava Jato e nas confissões de culpa dos corruptos. Agora ele anuncia uma das decisões mais prodigiosas desde a criação da Justiça do Brasil, em 1549, com a nomeação do ouvidor-geral da Bahia: declarou “nulas”, por um despacho, todas as provas contra a Odebrecht, a empreiteira-símbolo da corrupção na primeira era Lula-PT. 
Não faz nexo nenhum. 
O presidente da empresa e outros executivos confessaram crimes. Fizeram, de livre e espontânea vontade e com a plena assistência dos seus caríssimos advogados, delações premiadas. 
Devolveram R$ 2,7 bilhões em dinheiro roubado — como disse o ministro Barroso, não dá para achar que isso é natural.
Também não dá, menos ainda, para entender como pode ter havido o “maior erro judicial” da história quando a Odebrecht e sua subsidiária Braskem foram condenadas pela Justiça dos Estados Unidos a pagar US$ 3,5 bilhões de multa por terem confessado que subornaram, com quase US$ 800 milhões, funcionários públicos em 12 países diferentes. Assinaram, então, uma confissão de culpa para não pagarem mais ainda.
 
Toffoli diz que a condenação de Lula e as provas da Lava Jato fizeram parte de um “golpe de Estado” etc. etc. etc. armado pela 14ª Vara da Justiça Federal em Curitiba.  
E o que a Justiça norte-americana teria a ver com isso? 
Também fez parte da conspiração descoberta pelo Supremo? 
A Odebrecht foi condenada em 2016 nos Estados Unidos; até hoje não deu um pio para contestar os US$ 3,5 bilhões da sua multa. Se ela foi culpada lá, por que Toffoli diz que é inocente aqui? 
As provas da Justiça norte-americana também seriam “imprestáveis”, como sustenta o ministro? E imprestáveis por quê? 
Essa história da anulação, como em geral acontece com as coisas erradas, acaba de ficar ainda pior do que já era. 
Uma das razões objetivas, segundo ele próprio, para anular as provas, era a falta de um documento legal que permitisse o acesso aos computadores do departamento onde a Odebrecht registrava a movimentação das suas propinas. O Ministério da Justiça, consultado por Toffoli, disse que não tinha encontrado esse documento em seus arquivos um acordo formal entre os MPs da Suíça e do Brasil, feito dentro de todas as exigências da lei, para abrir os sistemas digitais do departamento de suborno da empresa. 
Agora, depois da decisão tomada, diz que achou — fez uma “pesquisa complementar”, e o documento que não existia passou a existir. 
Em português claro, o Ministério deu uma informação falsa ao STF.
 
Temos um escândalo, então? Não, não temos — não há escândalos no STF de hoje. Por que haveria? É o STF que faz, modifica e anula a lei no Brasil — o que vale não é o que está escrito nos códigos, mas o que querem os ministros. Nessa desordem criada por Toffoli, ele próprio pode baixar uma portaria, ou coisa que o valha, decretando que não houve nada de errado — nem da parte do STF nem da parte do Ministério da Justiça. Os dois disseram coisas opostas, mas os dois estão certos. Vai encarar? Isso aí é a “legalidade democrática do Estado de Direito”, e se você está achando ruim — bom, é melhor tomar cuidado. 
O inquérito do ministro Moraes para reprimir “atos golpistas” continua aberto. A Polícia Federal do ministro Flávio Dino está a serviço da “causa” de Lula, segundo ele mesmo disse outro dia. 
O comandante do Exército está pronto a pôr os tanques na rua para defender a “legalidade”. 
Os ministros estão cansados de saber disso tudo, há muito tempo. 
Não estão interessados em saber o que a lei diz ou não diz; não estão interessados na qualidade jurídica das suas decisões, nem em seguir um raciocínio lógico, nem em admitir a existência de fatos. 
 
(...)

Talvez nada mostre com tanta clareza o estado de coma em que vive hoje a alta Justiça brasileira quanto a proposta que o Ministério Público fez para 1.156 indiciados no processo do “golpe de Estado”, com o aval do STF

É realmente extraordinário que o Supremo, no mesmo momento em que anula as provas de crimes confessos e documentados, e promove Lula à função de mártir da democracia, tenha começado a condenar os primeiros réus da baderna do dia 8 de janeiro em Brasília. 
As condenações, é claro, são indispensáveis. 
Afinal, o STF transformou em “golpe de Estado” um quebra-quebra de segunda categoria, e cada vez mais obscuro, com o objetivo político de mostrar que manifestação de rua contra o governo pode acabar em cadeia. Tem mais. A ministra Rosa Weber disse que a bagunça do dia 8 de janeiro, onde ninguém levou sequer um tombo, foi um novo “Pearl Harbor” — o bombardeio aéreo japonês que matou 2,4 mil pessoas no Havaí, em 1941, e fez os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra Mundial. 
É óbvio que num “golpe” de Estado, ainda por cima com um “Pearl Harbor” junto, todos são culpados — se não fossem, como explicar que ficaram oito meses e meio numa penitenciária? 
Uma das lembranças possíveis desse julgamento dos “atos golpistas” é o que acontecia nos “Processos de Moscou” durante a ditadura soviética na Rússia. Ninguém, jamais, era absolvido. Só valia o que o promotor falava. O sujeito era condenado ao entrar na sala do tribunal. Não adiantava nada dizer que não tinha cometido os crimes dos quais era acusado; se era inocente, o que estava fazendo no banco dos réus? É réu? Então é culpado. Perdeu, mané.
 
Em nenhuma dessas histórias há qualquer ponto de contato com a lei — ou mesmo com o mínimo de vida inteligente que se espera de um procedimento judiciário. 
Talvez nada mostre com tanta clareza o estado de coma em que vive hoje a alta Justiça brasileira quanto a proposta que o Ministério Público fez para 1.156 indiciados no processo do “golpe de Estado”, com o aval do STF
O MP reconhece que, após oito meses de investigação, não foi possível provar nada contra nenhum deles. 
Diz até que entre os indiciados há pessoas presas no dia seguinte ou que estavam longe da Praça dos Três Poderes; segundo os procuradores, sua responsabilidade é “secundária”.  
Como assim, “secundária”? Eles cometeram ou não cometeram crimes? .............

CLIQUE AQUI, PARA LEITURA INTEGRAL DA MATÉRIA  

Leia também “A fraude do clima”

 

Coluna J. R. Guzzo - Revista Oeste

 

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Constituição sob ataque - Decisão de Moraes sobre moradores de rua é nova afronta à separação dos poderes

Leonardo Desideri   - Vida e Cidadania

Moradores de rua

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou, na terça-feira (25), que estados e municípios não podem remover moradores de rua de espaços públicos nem recolher seus pertences contra a vontade deles, e forçou governos a adotarem um amplo conjunto de medidas – elaboradas por ele próprio – para a solução do problema social.

Moraes acatou um pedido feito em 2022 pelos partidos Rede e PSOL e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que usam a controversa teoria do "estado de coisas inconstitucional" para alegar a omissão dos governos municipais, estaduais e federal em resolver o problema das populações de rua. [tudo pela Constituição - vale a pena até destruir a Constituição vigente,  a pretexto de preservá-la, descumpri-la sob alegação de cumpri-la.] Segundo essa teoria, o Poder Judiciário poderia induzir medidas de política pública sempre que detectar omissão do Legislativo e Executivo em seus papéis constitucionais.

O ministro deu prazo de 120 dias para o governo federal apresentar um plano para a implementação de uma política nacional voltada a moradores de rua, e exigiu que, no mesmo prazo, as prefeituras de todos os municípios brasileiros façam "diagnóstico pormenorizado da situação nos respectivos territórios, com a indicação do quantitativo de pessoas em situação de rua por área geográfica, quantidade e local das vagas de abrigo e de capacidade de fornecimento de alimentação".

Para os governos estaduais, Moraes criou um conjunto de 17 medidas, entre as quais constam, por exemplo, a "disponibilização imediata" de barracas para moradia e de itens de higiene básica à população em situação de rua; a oferta – neste caso, sem prazo determinado – de "bebedouros, banheiros públicos e lavanderias sociais de fácil acesso para a população em situação de rua"; a garantia de "bagageiros para as pessoas em situação de rua guardarem seus pertences"; e a garantia de "segurança pessoal e dos bens das pessoas em situação de rua".

Para juristas consultados pela Gazeta do Povo, em que pese a trágica situação dos moradores de rua, o Supremo Tribunal Federal (STF) está mais uma vez atropelando e "redesenhando" a Constituição – entre outras coisas, está passando por cima da separação dos poderes e do modelo federativo.

"Se fosse possível resolver o problema da pobreza com uma decisão – judicial ou administrativa –, isso teria sido feito há séculos. Vontade de muita gente não faltou e continua não faltando. Contudo, a miséria não é decorrente de um fator único, como parece fazer crer a decisão. É oriunda de um conjunto de fatores, que passa obviamente pela atuação do Estado e das classes mais abastadas, mas também por conjunturas sociais, como abandono familiar, degradação moral da sociedade, entre diversas outras coisas. Achar que uma decisão judicial que obriga o Estado a resolver tudo isso em 120 dias vai solucionar ou mesmo diminuir o problema é, a meu ver, uma ilusão", afirma o advogado Miguel Vidigal, especialista em Direito Civil.

Constitucionalmente, a escolha – essencialmente política – de quais problemas sociais devem receber atenção prioritária, quais estratégias serão adotadas para resolvê-los e em quanto tempo as políticas públicas vão ser planejadas e implementadas cabe aos representantes dos Poderes Executivo e Legislativo eleitos pelo povo.

Moraes também passou por cima de manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU), que havia recomendado que o STF não acatasse a petição feita pelas organizações esquerdistas, justamente porque isso implicaria invadir a competência de outros poderes.

A decisão pode, também, facilitar invasões de espaços públicos por parte de movimentos extremistas que alegam lutar por causas sociais e, além disso, dificultar a atuação da polícia e das guardas municipais, por exemplo, em casos de cenas abertas de uso de drogas, como o da Cracolândia, em São Paulo.

"O traficante da Cracolândia que estiver drogado e depredando um bem público, por exemplo, poderá se amparar nessa determinação? 
Os moradores de rua que estiverem interrompendo o ir e vir de outros cidadãos, porque quiseram se instalar no meio de uma rua comercial, terão garantidos aquele espaço com essa decisão? 
Não está claro, e nem poderia estar, porque a fórmula para resolver esse problema não será nunca baseada em uma canetada", critica Vidigal.


Por último, o ministro coloca as autoridades de governos municipais, estaduais e federal nas mãos de membros do Judiciário, que passam a poder estabelecer cronogramas e dar ultimatos aos governantes com base em seus próprios juízos sobre a condução das políticas públicas. "Qualquer pessoa dotada de um pouco de bom senso e de espírito caritativo tem propensão a ajudar os menos favorecidos, sobretudo aqueles que se encontram em situação de rua ou mendicância. A própria Constituição Federal de 1988 indica em inúmeros pontos a necessidade de apoio estatal àqueles que são desprovidos de meios e condições de levar uma vida digna. Mas a fórmula apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes parece um tanto inexequível, na medida em que ele determina que em 120 dias inúmeros órgãos estatais – federais, estaduais e municipais –, se organizem para regulamentar, fiscalizar e amparar a população em situação de rua – como se fosse possível mobilizar tanta gente em tão pouco tempo", comenta o especialista.


Vida e Cidadania - Leonardo Desideri - Gazeta do Povo

 


sábado, 24 de junho de 2023

O golpe que nunca foi dado - J. R.Guzzo

 Revista Oeste

O que se tem aqui é um caso que os norte-americanos de outros tempos chamariam de kangaroo court — antes, é claro, do presidente Joe Biden e da adesão automática de seu Partido Democrata ao que consideram a esquerda global. Trata-se, na prática, do julgamento e condenação, por parte de um grupo de indivíduos que têm o poder, de alguém que decidiram ser culpado de alguma coisa, sem provas e sem a obediência ao processo legal. A Constituição brasileira não diz, em lugar nenhum, que é proibido ser de direita ou contra o Sistema “L” mas é só isso o que conta para o STF e o seu braço eleitoral. 
Eles afirmam que não é assim, claro, embora o ministro-chefe do grupo diga publicamente que é um crime ser de “extrema direita” no Brasil, ou algo tão parecido com isso que não dá para perceber qual é a diferença. 
O ex-presidente, na visão do TSE, violou a lei eleitoral quando estava no governo — basicamente por “agir contra a democracia”, algo que, para começo de conversa, ninguém foi capaz de definir com objetividade ou sequer com a lógica mais elementar. Mas, se não há perseguição política, seria indispensável apresentar provas materiais dos delitos que Bolsonaro teria cometido, e não há nenhuma prova que fique de pé.
 
O ex-presidente é culpado, pelo que deu para entender da alarmante maçaroca de denúncias que o relator impôs ao público, de abusar do seu cargo com o objetivo de ganhar a eleição, ou de dar um golpe de Estado — algo incompreensível, desde logo, quando se leva em conta que ele perdeu a eleição, e não deu golpe nenhum. 
A base da acusação é uma reunião que Bolsonaro teve com embaixadores de nações estrangeiras durante a campanha, na qual duvidou da limpeza do sistema eleitoral e falou o diabo de alguns ministros do STF. 
 
A apresentação foi, com certeza, uma das piores ideias que o ex-presidente teve em todo o seu governo — um tumulto mental sem fio condutor, sem ordem, sem clareza, às vezes sem nexo, com repetições e trechos onde não se entende nada. Foi sobretudo inútil. Os embaixadores não ficaram minimamente impressionados — e tanto não ficaram que nenhum dos seus governos levou a sério as acusações, nem fez objeção alguma às urnas eletrônicas do TSE ou ao resultado oficial das eleições. Mas uma exposição ruim é apenas isso — uma exposição ruim. Não é um crime
Onde está escrito, na Constituição ou em qualquer lei, que é proibido duvidar do bom funcionamento do sistema de votação e de apuração dos votos? Em lugar nenhum. Milhões de brasileiros, na verdade, acham exatamente isso. Qual é o problema?
 
Haveria problema se Bolsonaro tivesse usado seu comício diante dos embaixadores para interferir no resultado da eleição, ou para não aceitar a contagem de votos que foi apresentada pelo TSE, ou para continuar à força no governo. Mas ele não fez absolutamente nada disso. 
Sua interferência no resultado foi nula; obedeceu a todas as ordens que recebeu da Justiça Eleitoral durante a campanha e, mais do que tudo, foi embora na hora que o seu mandato acabou. 
Há seis meses está fora da Presidência. Não fez nada de concreto para ficar, ou para contestar os números que o TSE anunciou. 
Que “golpe” de Estado é esse em que o golpista, em vez de continuar no governo usando os seus poderes como presidente da República e como comandante das Forças Armadas, vai embora para casa no fim da história?  
Bolsonaro, na verdade, nem tentou apelar para o faladíssimo “artigo 142” da Constituição, não solicitou a intervenção militar em coisa alguma, e não declarou nenhum “estado de emergência” ou coisa parecida
É acusado, sobretudo por Lula e pela mídia, de ter “minutas do golpe” — Lula, inclusive, disse que está “provado” que o ex-presidente teve culpa de tudo. O que existe, de fato, são apenas papéis, apreendidos com um colaborador de Bolsonaro, que debatem a possibilidade de serem tomadas decisões previstas na Constituição Federal. Desde quando é proibido estudar o que está escrito na Constituição — só estudar, sem fazer nada de prático? 
 
Em nenhum momento dos seus quatro anos como presidente Bolsonaro desrespeitou uma única lei em vigência no Brasil. 
Não se recusou a cumprir nenhuma das ordens que recebeu do Poder Judiciário, e recebeu uma tonelada de ordens
 
O ex-presidente também está condenado, sem a menor possibilidade de apelação ou de defesa, pelas violências cometidas contra os edifícios dos Três Poderes no dia 8 de janeiro. 
Faz parte, no veredicto oficial, de sua conduta criminosa em geral. 
Não existe, mais uma vez, o mais remoto pedaço de prova de que ele tenha tido alguma coisa a ver com os ataques — o que existe, ao contrário, é uma maciça ausência de provas. 
 É simples. Lula e seu governo, que acusam Bolsonaro de “comandar” os ataques de Brasília, tem uma oportunidade perfeita de provar o que dizem na CPMI aberta pelo Congresso para investigar o episódio
Mas eles nunca quiseram que se investigasse nada. Em primeiro lugar, foram ferozmente contra a abertura da CPMI. 
Depois, quando não deu para segurar, assumiram o controle da comissão — e desde então não têm feito outra coisa a não ser sabotar os trabalhos de apuração. 
Por que isso, se eles são vítimas de uma tentativa de golpe, e Bolsonaro é o culpado por ela? 
Nada melhor, nesse caso, do que apurar com precisão os fatos. Mas eles não querem apurar os fatos — querem, na verdade, esconder o que aconteceu, com sua recusa em requisitar informações, obter provas físicas e convocar testemunhas. Continua sendo um completo mistério, de qualquer forma, como os golpistas poderiam dar o seu golpe sem terem uma única arma, sem comando, sem plano, sem apoio dos militares, sem absolutamente nada, só com cadeirinhas de praia e bandeiras do Brasil. 
 
Bolsonaro é acusado, no atacado e no geral, de manter uma atitude “antidemocrática” não especificada em seu governo. Seria essa, no fundo, a sua grande culpa. Pode não ter dado golpe nenhum, mas tinha “a intenção” de dar — ou quis dar, pensou em dar, deixou a impressão de que iria dar, e assim por diante.  
De novo, o problema com isso é a falta de provas, ou mesmo de vida inteligente, nas acusações. 
Em nenhum momento dos seus quatro anos como presidente Bolsonaro desrespeitou uma única lei em vigência no Brasil. 
Não se recusou a cumprir nenhuma das ordens que recebeu do Poder Judiciário, e recebeu uma tonelada de ordens. Não desobedeceu às decisões do Congresso. 
Não censurou uma única palavra de crítica — e foi o presidente que mais levou pancada da imprensa em toda a história nacional. 
Não perseguiu os adversários. 
Não aplicou multas de R$ 1 milhão por dia, ou por hora. 
Não reprimiu nenhuma manifestação de rua da oposição — nem de rua nem de qualquer outro tipo. 
Não processou ninguém. 
Não cassou ninguém. 
 
Não prendeu ninguém. Antidemocrático por que, então?  
Os fatos mostram exatamente o oposto. 
O problema é que os ministros parecem ser portadores de anticorpos hereditários e transmissíveis que não deixam a realidade dos fatos estragar a arquitetura político-ideológica das suas decisões. 
Nem é preciso dizer, à essa altura, que o relator do processo do TSE é o mesmo ministro a quem Lula deu, em público, tapinhas de amor no rosto — e que na cerimônia de diplomação de Lula disse ao ministro Alexandre de Moraes o célebre “missão recebida, missão cumprida”.  
É claro, também, que ele e os seus chefes no STF montaram um espetáculo pop para fazer propaganda política no julgamento; convocaram para o show, inclusive, a imprensa internacional, que naturalmente acha de Bolsonaro a mesmíssima coisa que a maioria da imprensa brasileira, ou seja, que ele é um horror. 
No fim, ficam todos convencidos de que as “instituições” funcionaram, a justiça foi feita, os artistas da Globo salvaram a democracia, os maus foram castigados e o amor venceu — todos, menos os eleitores deste país.
 

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste
 


quinta-feira, 8 de junho de 2023

Caso Deltan: aos amigos, tudo; aos inimigos, nem mesmo a Constituição - Marcel van Hattem

Gazeta do Povo - VOZES
 
Por unanimidade de votos, o deputado federal teve seu voto cassado pelo TSE. O diploma foi invalidado por decisão da Corte e o despacho feito à Mesa Diretora determinava ao Parlamento que se lhe retirasse o mandato conferido nas urnas
No dia 31 de janeiro de 2023, mais de cinco meses após a decisão do TSE repito, unânime de 23 de agosto de 2022, baseada na lei eleitoral, Neri Geller (PP-MT), condenado por abuso de poder econômico e captação ilícita de recursos nas eleições de 2018, finalizava seu mandato sem ser importunado pela direção da Câmara dos Deputados comandada por Arthur Lira (também do PP-AL). 
O candidato que deveria ter assumido em seu lugar, Marco Aurélio Marrafon (Cidadania-MT), bem que tentou, mas o mandado de segurança impetrado no STF nunca foi analisado e perdeu objeto com o fim do mandato.
 
Deltan Dallagnol, também cassado pela unanimidade dos votos em julgamento no TSE, teve tratamento muito diferente. Em julgamento expresso no último dia 16 de maio, a decisão da Corte não teve base legal, em clara usurpação do poder de legislar do Parlamento e completo desrespeito às premissas do Estado de Direito. 
Determinando cumprimento imediato, a Corte Superior, que julgou em desacordo frontal com todas as instâncias inferiores da Justiça Eleitoral, enviou o processo à Câmara dos Deputados.

O cala-boca dado na população paranaense e brasileira por meio da ilegal e expedita cassação de Deltan Dallagnol não será esquecido.

Prometendo rigor no cumprimento do Ato da Mesa 37/2009, que regulamenta os procedimentos da corregedoria parlamentar no rito para cassação de mandatos de deputados, claramente Arthur Lira só fez tal declaração para dar verniz de legalidade ao julgamento sumário feito pela Casa Legislativa. Deltan foi notificado da decisão do TSE pela Mesa da Câmara por edital, contrariando a praxe na Casa que é de agendamento da notificação pessoal; recorreu ao corregedor deputado Domingos Neto (PSD-CE), que sequer o atendeu pessoalmente após insistentes solicitações do parlamentar; e foi cassado pela Mesa Diretora sem que a resposta do corregedor ao seu recurso fosse de conhecimento público ou mesmo do maior interessado, o próprio deputado Deltan.  
Que direito a ampla defesa e ao contraditório lhe foram garantidos? Nenhum!
 
Em 21 dias, Deltan Dallagnol foi de deputado federal mais votado do Paraná, por mais de 344 mil eleitores, e em pleno exercício do mandato parlamentar, a candidato com registro cassado, o que implicou inclusive no confisco de seu broche parlamentar e no despejo de seu gabinete a partir de hoje. 
Já Neri Geller, eleito por 73.072 eleitores mato-grossenses, o quarto mais votado no seu Estado em 2018, usufruiu de sua cota parlamentar, distribuiu emendas e, inclusive, votou na intervenção federal no Distrito Federal em 9 de janeiro último, atuou como deputado federal, mesmo cassado pelo TSE, por 161 dias, quase meio ano, sem que a Mesa Diretora presidida por seu correligionário tomasse qualquer providência. Em uma atualização perversa de um antigo ditado, “aos amigos, tudo (incluindo todas as chicanas jurídicas possíveis); aos inimigos, nem mesmo a Constituição”.
 
Também o Judiciário foi incoerente: para Neri Geller, foram quase quatro longos anos até que a Corte decidisse pela sua cassação; Deltan Dallagnol, por sua vez, teve sua sentença ilegal proferida em 66 segundos após pouco mais de meio ano de sua eleição
Como justificar tamanha desproporção entre os dois casos? 
A verdade é que tanto o TSE quanto a Mesa da Câmara não têm como explicar a não ser que assumam que estão fazendo distinção por clara perseguição política a Deltan Dallagnol – até porque nada tem de jurídica a decisão da cassação de seu mandato.
Não escrevo esse texto para fazer juízo de valor do mandato de cada um dos dois deputados. Sob o ponto de vista da atuação parlamentar tive oportunidade de apoiar iniciativas de Geller na área do agro que foram muito positivas para o Brasil. No entanto, a lei deve valer para todos e, ou a direção da Câmara atua de forma consistente em relação aos deputados que são cassados pela Corte Eleitoral (que também demonstra ter dois pesos e duas medidas a depender do réu), ou seguirá contribuindo para o arbítrio reinante no nosso país.  
Pior: no caso de Deltan, Arthur Lira e os demais membros da MesaMarcos Pereira (Republicanos-SP), Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Luciano Bivar (União-PE), Maria do Rosário (PT-RS), Júlio Cesar (PSD-PI) e Lucio Mosquini (MDB-RO) – decidiram por submeter-se unanimemente a mais uma decisão ilegal do TSE e condenaram o ex-coordenador da Lava Jato praticamente à sua revelia. 
Clara vingança, clara injustiça que no devido tempo deverá ser reparada.
 
Diz-se que a história é feita de ciclos. A história do Brasil talvez seja uma das maiores provas disso: da preponderância, há poucos anos, dos mocinhos na persecução penal, passamos agora a ser governados pelos bandidos que, em muitos casos, foram até mesmo presos pelos crimes que cometeram. 
 O cala-boca dado na população paranaense e brasileira por meio da ilegal e expedita cassação de Deltan Dallagnol não será esquecido. 
O corrente ciclo de perseguição a quem fez apenas seu dever de aplicar a lei e punir corruptos também haverá de se encerrar e as injustiças perpetradas, algumas das quais narradas nos artigos que venho escrevendo nesta Gazeta justamente com a intenção de registrá-las para a história, certamente haverão de ser reparadas.

Estamos e permaneceremos juntos com Deltan, todos os verdadeiros democratas, liberais e defensores da Constituição, da legalidade e do Estado de Direito.

Marcel van Hattem, deputado federal - Coluna Gazeta do Povo - VOZES


sexta-feira, 12 de maio de 2023

A Constituição com tornozeleira eletrônica - Percival Puggina

         Leio na Constituição Cidadã de Ulysses Guimarães que “É livre a expressão do pensamento, vedado o anonimato”, mas sei que o texto constitucional foi capturado e está com tornozeleira eletrônica, custodiado pelo STF.

O ensino cristão – houve um tempo em que ele teve sua relevância – me levou a crer que Deus criou o ser humano para ser livre com Deus, sem Deus, e mesmo contra Deus (estou usando a imagem em sentido retórico, sem evocação a nenhuma Corte). A História me ensinou que peste alguma extinguiu mais vidas humanas do que a luta de indivíduos, povos, nações e alianças entre nações por Liberdade. Milhões foram às guerras e morreram por saber que a alternativa era servidão, ração e olhos no chão.

“Tudo no Estado, nada fora do Estado e nada contra o Estado”, exclamava o jovem Benito, o Mussolini, depois da Marcha sobre Roma. Sua emoção era sentir-se como um ícone, representando e significando a majestade estatal. Deve ser emocionante crer-se fonte de Direito e ter ao alcance da mão uma caneta com serventia para negar direitos. E “viva” Giovanni Gentile, filósofo do fascismo!

Lembro até hoje do que senti, lá pelos anos 50 quando o filme que iria assistir foi precedido, no cinema, por um documentário já antigo sobre os primeiros campos de concentração achados pelos Aliados ao entrarem na Alemanha derrotada. Covas rasas e farrapos humanos culpados de coisa alguma. E “viva” Carl Schmitt, o filósofo do nazismo!

Emoção muito forte me levou às lágrimas no dia 9 de novembro de 1989, vendo jovens alemães orientais dançando sobre o Muro de Berlim! Imagine a deles, depois de 28 anos ao longo dos quais a travessia dentro da própria cidade lhes foi interditada por um tipo de Direito que se deu o direito de confiná-los atrás de um muro.    

Em 1891, o papa Leão XIII, na encíclica Rerum Novarum, profetizou, referindo-se ao comunismo:

“Mas, além da injustiça do seu sistema, veem-se bem todas as suas funestas consequências, a perturbação em todas as classes da sociedade, uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o talento e a habilidade privados dos seus estímulos, e, como consequência necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim, em lugar dessa igualdade tão sonhada, a igualdade na nudez, da indigência e na miséria” (RN nº 9).

Note bem: Leão XIII escreveu “veem-se bem as funestas consequências”, embora a encíclica fosse publicada 26 anos antes de o comunismo se tornar realidade e servidão impostas ao povo russo. Cem anos mais tarde, o Kremlin teve que mobilizar-se para que Mikhail Gorbachev fosse recebido entre 17 e 19 de julho de 1991, na reunião do Grupo dos Sete (EUA, Reino Unido, Canadá, Japão, Alemanha, França e Itália) realizada em Londres e, ali, formulasse um apelo à ajuda internacional a seu país, ameaçado pelo inverno e pela fome. E "viva" Karl Marx (com quem, “vivas" a todo um inesgotável catálogo de filósofos do comunismo!).

Só posso lamentar que nossos dias nos remetam às páginas mais tristes do século passado, por decisiva influência, também, dos que, em outubro, resolveram não decidir. Trinta e sete milhões de brasileiros lavaram as mãos como se o fizessem numa torneira do cais em vez de embarcados com todos no convés do navio que se perdia.

São verdades sofridas. Prometo escrever alegremente quando, com a graça de Deus, tiver motivo para isso. Por enquanto, sou testemunha da longa noite da estupidez.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

quinta-feira, 27 de abril de 2023

A batalha de togas no Supremo sobre a tentativa de golpe

 André Mendonça e Nunes Marques confrontam Alexandre de Moraes. Irônico, Mendonça diz que vive dilema: aderir ou não à teoria do Direito Penal do "inimigo"

Sem estridências, começou uma batalha de togas no julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a tentativa de golpe de estado no 8 de janeiro.

Na primeira fase, a maioria (sete) dos juízes seguiu o relator do caso, Alexandre de Moraes, e aceitou a denúncia contra cem pessoas acusadas por crimes contra a Constituição e a democracia — como planejar, instigar e executar invasões às sedes do STF, do Congresso e ao Palácio do Planalto.

Dois juízes, André Mendonça e Nunes Marques, votaram pela rejeição das denúncias por considerá-las absolutamente inviáveis, ineptas na forma e no conteúdo, por entenderem que não existem fundamento nas acusações.

Na madrugada desta terça-feira (25) começou a segunda etapa do julgamento virtual. Agora são 200 pessoas denunciadas pelo Ministério Público por crimes mais graves — como tentativa de golpe de estado com violência, ameaça, danos ao patrimônio histórico e bens da União. Até 2 de maio define-se a aceitação, ou não, dessas duas centenas de denúncias. A tendência é a repetição do placar da primeira leva, com oito votos a integralmente a favor.

Mendonça e Nunes Marques já votaram: aceitam as denúncias pelos crimes, mas fazem ressalvas. Principalmente, sobre a competência do Supremo para julgar pessoas que não possuem foro privilegiado — vantagem restrita a grupo de cerca de 30 mil agentes públicos, com ou sem mandato.

Com esse argumento confrontam a essência da tese apresentada por Moraes que legitima o julgamento no STF: a da comprovação (“evidente conexão”) entre as condutas das pessoas denunciadas e as de quatorze parlamentares federais entre eles dois filhos de Jair Bolsonaro — que listou como acusados em cinco inquéritos no Supremo.

As provas, segundo o juiz-relator do caso, mostram que todos estão envolvidos na tentativa de golpe de estado.  
Nunes Marques e Mendonça votaram demonstrando dúvidas sobre essa vinculação dos militantes bolsonaristas radicais com parlamentares alinhados a Bolsonaro. 
Tudo indica que devem avançar na divergência até a etapa final do julgamento.

A uma plateia de adotados [sic] paulistas, na segunda-feira (24), Mendonça falou sobre o julgamento com alguma ironia. Referiu-se à teoria do Direito Penal do “inimigo”, desenvolvida pelo alemão Gunther Jakobs, sobre a segregação social, com restrições aos direitos fundamentais, de quem o Estado classifica como “inimigo”.

Ele se antevê num impasse: “Não necessariamente agora no ambiente da denúncia, mas em algum momento do julgamento dos casos, se eu aplico essa corrente mais garantista ou se eu entro em uma vertente que se concebe, teoricamente, como Direito Penal do Inimigo… É um dilema porque eu serei cobrado para aplicar a Justiça. E quais contornos vão definir isso?”

Mendonça constrói, com apoio de Nunes Marques, um contraponto a Moraes para o julgamento final dos acusados — a lista poderá incluir os filhos de Bolsonaro e outros parlamentares, ainda não denunciados. É uma batalha de togas iniciada nesta etapa de aceitação das denúncias STF contra os sem foro privilegiado.

O problema de Mendonça e Nunes Marques está na autêntica muralha erguida pela maioria dos juízes no plenário. Alinhados ao juiz-relator, indicam que acabou a tolerância. Os ataques de 8 de janeiro teriam eliminado o espaço para contemporizações políticas e institucionais. Aparentemente, como tem repetido o juiz Moraes citando Winston Churchill, entendem que “apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado”.

José Casado, jornalista -  Revista VEJA


sábado, 18 de fevereiro de 2023

Ambiguidade do Artigo 142 da Constituição alimenta imaginário golpista - O Globo

Está na hora de fechar a porta para interpretações golpistas do Artigo 142 da Constituição Federal. Desde a Assembleia Constituinte de 1987-1988, o Artigo 142 contém uma ambiguidade que, embora flagrantemente incompatível com o espírito democrático da Constituição, alimenta o imaginário golpista de setores ligados aos militares. Não dá mais para deixar essa porta entreaberta.

O Artigo 142 diz que as Forças Armadas se destinam “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Na proposta original do artigo que tratava das Forças Armadas, o deputado Bernardo Cabral propunha que as Forças Armadas se destinam “a assegurar a independência e a soberania do País, a integridade do seu Território, os poderes constitucionais e, por iniciativa expressa destes, nos casos estritos da lei, a ordem constitucional.” [o próprio articulista reconhece que "... o deputado  Bernardo Cabral propunha ..."- portanto, exercia o direito de propor. 
Os militares,  exercendo o direito de ter opinião, introduziram, via constituintes aliados, versão promulgada = aprovada pela maioria  dos constituintes = " ...e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Assim, prevaleceu a vontade da maioria dos constituintes. 
Não há sentido de se falar em ambiguidade, já que além da clareza do texto promulgado, no § 1º, do artigo em questão, foi estabelecido: " Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas".
Exigência que foi atendida pela LCP 97, 09 junho 1999 - governo democrático de FHC.
Só que a LCP citada, apesar de criada atendendo mandamento constitucional, parece que 'não pegou', visto ser,  em nossa opinião de leigos, bastante clara, e se encontrar em plena vigência, tem sido ignorada.] 

Forças ligadas aos militares lutaram para introduzir no artigo a expressão “garantia da lei e da ordem” que aludia ao papel moderador das Forças Armadas presente em Constituições passadas, desde 1891. Isso lhes asseguraria poder de tutela quando a ordem interna fosse ameaçada. O ponto intermediário foi proposto pelo então senador Fernando Henrique Cardoso, que introduziu a redação que falava em garantia da lei e da ordem, mas a condicionava ao chamado de um dos Poderes constituídos.

Essa ambiguidade que parecia enterrada pela História começou a ser reavivada por setores autoritários da nova direita. Virou lugar-comum nas manifestações bolsonaristas o pedido de uma “intervenção militar constitucional”, “autorizada” pelo Artigo 142.

Tal visão se apoia na extrapolação da interpretação do Artigo 142 feita pelo jurista conservador Ives Gandra Martins. Num artigo jurídico, ele diz que “se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para repor, naquele ponto, a lei e a ordem”. Segundo essa interpretação, se Executivo e Judiciário entrarem em conflito, o Executivo poderia acionar a mediação pontual das Forças Armadas. O que os bolsonaristas têm pedido, porém, é uma intervenção desse tipo, mas que vá além de uma arbitragem pontual: seria uma intervenção duradoura pretensamente respaldada pela Constituição.

O artigo de Ives Gandra foi publicado logo depois da decisão do Supremo que suspendeu a indicação de Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal, em 2020. Vários bolsonaristas viram na publicação um sinal de que as Forças Armadas poderiam ser acionadas pelo presidente para resolver a disputa entre Executivo e Judiciário.

A polêmica foi tamanha que a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados produziu na ocasião um parecer esclarecendo que “jamais caberá ao presidente da República, nos marcos da Constituição vigente, convocar as Forças Armadas para que indiquem ao Supremo Tribunal Federal a interpretação correta do texto constitucional diante de uma eventual 

Duas saídas têm sido pensadas para pôr fim às perigosas ambiguidades envolvendo o Artigo 142: uma por meio do Congresso, outra por meio do STF.

Na segunda-feira, o PSOL pediu ao STF a declaração de inconstitucionalidade de interpretações golpistas do Artigo 142 que concebam as Forças Armadas como Poder Moderador e permitam uma ruptura do regime democrático ou a instauração de um regime de exceção. O partido pede a responsabilização criminal, cível, política e administrativa de todos os que incentivem essa interpretação.

A solicitação do PSOL dá sequência ao pedido feito pelo PDT em 2020 para que a Corte esclarecesse o alcance do Artigo 142. Na resposta, o ministro Luiz Fux foi enfático ao dizer que a missão institucional das Forças Armadas “não acomoda o exercício de Poder Moderador entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”. Fux também será o relator da nova ação movida pelo PSOL.

Os deputados petistas Carlos Zarattini e Alencar Santana começaram a circular nesta semana a minuta de uma proposta de emenda constitucional para alterar o Artigo 142. A ideia é retirar o trecho controverso e dizer que as Forças Armadas “destinam-se a assegurar a independência e a soberania do país e a integridade do seu território”.[a tal proposta não está sendo bem acolhida. Confira: PT abre debate para alterar artigo 142 da Constituição. - O GLOBO]

Opinião - O Globo