Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador justiceiros. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador justiceiros. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 9 de julho de 2019

O Supremo lavajatista

A Polícia Federal ainda não esclareceu: Glenn Greenwald, do site Intercept, está sob investigação? A resposta é importante porque dirá a quanto estamos do estado policial. A explicação dada até aqui — cuja ambiguidade compõe um método intimidador — é alarmante: “A PF não confirma tal solicitação e não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento”. Se circula a notícia de que o órgão do Estado responsável por apurar crimes federais teria instaurado um procedimento contra um jornalista, e se tal consiste em afronta a um direito fundamental, aquele expresso no artigo 5º da Constituição, a única manifestação aceitável seria uma que negasse — com energia —a existência da inquirição. [salvo improvável engano os jornalistas não estão isentos de serem investigados em processos movidos por qualquer autoridade policial.
Qualquer cidadão, o que inclui jornalista está sujeito a ser investigada pela prática de diversos crimes, excluindo processo que agrida o  direito fundamental do jornalista de exercer sua profissão; tirando o que tolha, iniba, o jornalista de exercer sua profissão, nos demais ele está sujeito a ser investigado e mesmo processado.
Se no exercício de sua profissão o jornalista atropela uma pessoa que morre em virtude das lesões sofridas, o jornalista responde pelo homícidio.
Assim, interpelar a PF por instaurar processo contra jornalista, é um excesso de zelo em garantir o direito do jornalista de exercer sua profissão e a PF, corretamente, não prestou as informações que poderiam atrapalhar eventuais investigações em curso.]

Não aprecio o jornalismo de Greenwald, limitado por sua militância, nem a forma como o Intercept oferta o conteúdo sob seu controle, a conta-gotas, como num folhetim, e reativamente, algo que é apanágio do discurso político-partidário. Mas: não há crime na prática —e só isso ora interessa. [receber informações sabidamente produto de crime?: é, no mínimo, crime de receptação.]

Os abusos sobre as liberdades individuais costumam ter a história facilmente identificável, daí por que pergunte: como medir o pulso do ambiente intimidatório que contaminou o país sem se lembrar do inquérito autoritário, estabelecido de ofício e sem objeto definido, por meio do qual Dias Toffoli, presidente do Supremo, formalizou estarmos todos sob suspeita, o que, objetivamente, logo resultaria em censura à revista “Crusoé”? A repercussão do imbróglio Intercept mapeia o drama brasileiro —qual seja: se um togado pode extrapolar, se um procurador pode, todo mundo pode. Roberto Barroso — aquele que autorizou uma investigação permanente contra um presidente da República, e por crimes supostamente havidos antes de seu mandato — está indignado com o que considera “uma clara violação de comunicação privada”. No caso, entre procuradores e, particularmente, entre um deles, Deltan Dallagnol, e Sergio Moro. O ministro — aquele que autorizou a quebra de sigilo bancário de um presidente [ex-presidente e já a época respondendo a oito processos.] não porque houvesse elementos para tanto, mas porque era preciso encontrar alguma coisa —tem razão em se incomodar com o que parece mesmo ser obtenção ilegal de conteúdo particular.

Mui preocupada com essa ocorrência, e zelando pela segurança de Moro e dos procuradores, a PF — aqui, sem qualquer dubiedade —investiga a invasão e o vazamento de dados privados; mas, atenção, sem se deter na análise das conversas em si, sobre se ali haveria o cometimento de algum ilícito por autoridades. Gostaria de questionar Barroso sobre se a PF pode cuidar da provável ação criminosa de roubo de mensagens, no entanto negligenciando a perícia acerca da autenticidade do conjunto e o exame de seu teor? A PF não incorreria em disfunção ao não solicitar os celulares dos procuradores que supostamente participaram dos diálogos? [a PF não tem condições de se deter na análise das conversas em si, pelo simples fato de além de ser produto de roubo, crime, as supostas conversas estão em poder do pessoal da intercePTação = intercePT + recePTação  = , que alegando o direito ao sigilo da fonte não as fornece.
Além do mais,  o fato do material furtado não ter sido entregue a um cadeia de custódia, tira qualquer garantia até mesmo de ser  o material porventura entregue o mesmo recebido.]

Gostaria, aliás, de perguntar a Barroso, o mais afiado entre os justiceiros do STF, sobre se vê alguma impropriedade no conteúdo das conversas até aqui reveladas. Teria curiosidade em saber como o ministro avalia a conduta de Moro conforme apresentada nos diálogos. Teria Barroso, cuja vocação para advogar é espantosa, uma opinião sobre se o ex-juiz tomou lado no processo relativo a Lula. [o ministro Barroso não é obrigado a responder nenhuma pergunta sobre assunto que possa vir a ser julgado por ele.]  As mesmas questões caberiam a Edson Fachin, aquele que, de acordo com Dallagnol em mensagem a procuradores, “aha uhu!”, seria deles. Rodrigo Janot talvez tenha pensado o mesmo sobre o ministro quando, por ocasião do acordo de delação dos irmãos Batista, teve no juiz um despachante. Pergunto a Fachin, mestre em homologações exóticas: quantas vezes, no período de negociação dos termos de um acordo, um delator pode reformar sua delação? Quantas vezes poderá ser impreciso, omisso ou mentiroso, até que ofereça a verdade aceita pelo Ministério Público? Sem qualquer restrição, o sujeito, um criminoso confesso em busca de se aliviar, pode ajustar a entrega numa espécie de obra em permanente construção —até alcançar o que será a verdade segundo procuradores, só a partir de então, à espera da canetada que homologa (e liberta), tendo compromisso com a própria palavra? É isso?

Estamos frente ao dilema moral de uma sociedade enfeitiçada pelo lavajatismo: vale tudo em nome da missão prendedora de corruptos? Barroso, por exemplo, é da escola Bolsonaro de estado de direito, aquela que, diante de controvérsias legítimas sobre atos que põem em xeque o devido processo legal, resolve qualquer dúvida entrando no gramado do Maracanã para ouvir a voz das ruas. Ou não será o ministro o formulador da tese — alicerce da cultura plebiscitária em que aposta o bolsonarismo e síntese do espírito do tempo jacobinista que ergue mitos e heróis —segundo a qual o Supremo se deslegitimará se repetidamente frustrar o sentimento social?

É o STF que chama o cabo e soldado.
 
 Carlos Andreazza - O Globo