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sábado, 13 de julho de 2019

Dilema moral

Como se separa a reforma da Previdência das gravíssimas investidas deste governo contra a imprensa, contra o Congresso, contra as instituições de nossa democracia?

O que fazer quando um governo parece estar conduzindo bem a economia ou tratando de fazer algumas reformas importantes ou mantendo o crescimento econômico em ritmo saudável enquanto ataca instituições democráticas, ou direitos humanos fundamentais, ou ambos? Tenta-se separar a política econômica do resto, implicitamente indicando que o resto é menos importante do que a economia? Tenta-se manter o silêncio sobre a política econômica enquanto se apontam os perigos de atacar a democracia, os direitos humanos? Tenta-se reconhecer os esforços na área econômica e apontar os demais perigos ao mesmo tempo, correndo-se o risco de colocar economia e defesa de valores fundamentais no mesmo patamar? Não sei ao certo responder a nenhuma dessas perguntas. Ou melhor, sei que separar a economia do resto é não apenas impossível, mas intelectualmente desonesto, já que a economia opera dentro das fronteiras políticas e geográficas do país cujo governo pode estar violando valores fundamentais.

Na Hungria, o governo autoritário de Viktor Orbán tem tido estrondoso sucesso econômico. Desde sua ascensão ao poder, ficaram para trás os problemas fiscais que ameaçavam o país, retomaram-se os investimentos e o crescimento econômico. [Na Hungria, Orbán  não tem um Congresso trabalhando contra o governo, atrapalhando e com o presidente da Câmara dos Deputados querendo ser 'primeiro-ministro', tentando implantar o 'parlamentarismo branco'.] A Hungria foi, por muito tempo, uma das maiores decepções entre os países que transitaram dos regimes centralizados para as economias de mercado ao longo dos anos 90. Desde a chegada de Orbán, o quadro se inverteu e o país passou a ter um dos melhores desempenhos da região. Enquanto colocava a economia para funcionar, Orbán censurava a imprensa, perseguia inimigos políticos e transformava a democracia de seu país em caricatura.

Aqui nos Estados Unidos, a economia continua a crescer com desemprego em baixa a despeito das guerras comerciais de Trump e de suas investidas contra o Fed, o Banco Central americano. É bastante provável que a economia forte seja um de seus grandes trunfos nas eleições do ano que vem. Contudo, sua política migratória está há tempos enjaulando crianças na fronteira com o México, em condições absolutamente desumanas. Há bebês presos sem receber os cuidados de adultos, mas sim de crianças um pouco mais velhas, elas próprias desnutridas e sem qualquer acesso a higiene básica. Segundo relatos de membros do Congresso, de pediatras e de jornalistas que visitaram centros de detenção de Trump, há crianças doentes sem tratamento, crianças com problemas psicológicos devido ao encarceramento e à separação de seus pais, crianças amontoadas em celas em que não há leitos suficientes, em que as luzes ficam acesas a noite toda. Como se separa a economia disso?

“Por falar em crianças, como se separa a reforma da previdência da defesa do trabalho infantil recém-tuitada por Bolsonaro?” [Bolsonaro fez um comentário de forma açodada, permitindo uma interpretação dúbia e a imprensa optou por maximizar a interpretação negativa.]

Em outras circunstâncias, talvez fosse fácil apontar os acertos e os erros da principal reforma desse governo, talvez fosse fácil dizer que ela contém mais acertos do que erros, ainda que cristalize muitos dos privilégios que se pretendia eliminar. Em outras circunstâncias, talvez não fosse difícil afirmar que as economias previstas pela reforma darão ao país o alívio de que tanto necessita nas contas públicas, ainda que os estados e municípios tenham sido excluídos — francamente, parecia ingênua a crença de que esses entes federativos fossem realmente incluídos ante seu peso político. Contudo, diante da perda de valores fundamentais que o governo Jair Bolsonaro representa, diante da caricatura que fazem seus seguidores de temas tão graves quanto o trabalho infantil, é muito complicado discutir friamente a reforma da Previdência e respaldá-la sem ressalvas, sem o pé atrás de que talvez isso acabe dando ao governo a licença para pôr mais retrocessos em marcha.
O dilema moral, com o qual poucos parecem se preocupar, não é brasileiro. Ele é global. Isso não o torna mais palatável, mas sim profundamente desorientador.

Revista Época - Monica de Bolle  - diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics

terça-feira, 9 de julho de 2019

O Supremo lavajatista

A Polícia Federal ainda não esclareceu: Glenn Greenwald, do site Intercept, está sob investigação? A resposta é importante porque dirá a quanto estamos do estado policial. A explicação dada até aqui — cuja ambiguidade compõe um método intimidador — é alarmante: “A PF não confirma tal solicitação e não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento”. Se circula a notícia de que o órgão do Estado responsável por apurar crimes federais teria instaurado um procedimento contra um jornalista, e se tal consiste em afronta a um direito fundamental, aquele expresso no artigo 5º da Constituição, a única manifestação aceitável seria uma que negasse — com energia —a existência da inquirição. [salvo improvável engano os jornalistas não estão isentos de serem investigados em processos movidos por qualquer autoridade policial.
Qualquer cidadão, o que inclui jornalista está sujeito a ser investigada pela prática de diversos crimes, excluindo processo que agrida o  direito fundamental do jornalista de exercer sua profissão; tirando o que tolha, iniba, o jornalista de exercer sua profissão, nos demais ele está sujeito a ser investigado e mesmo processado.
Se no exercício de sua profissão o jornalista atropela uma pessoa que morre em virtude das lesões sofridas, o jornalista responde pelo homícidio.
Assim, interpelar a PF por instaurar processo contra jornalista, é um excesso de zelo em garantir o direito do jornalista de exercer sua profissão e a PF, corretamente, não prestou as informações que poderiam atrapalhar eventuais investigações em curso.]

Não aprecio o jornalismo de Greenwald, limitado por sua militância, nem a forma como o Intercept oferta o conteúdo sob seu controle, a conta-gotas, como num folhetim, e reativamente, algo que é apanágio do discurso político-partidário. Mas: não há crime na prática —e só isso ora interessa. [receber informações sabidamente produto de crime?: é, no mínimo, crime de receptação.]

Os abusos sobre as liberdades individuais costumam ter a história facilmente identificável, daí por que pergunte: como medir o pulso do ambiente intimidatório que contaminou o país sem se lembrar do inquérito autoritário, estabelecido de ofício e sem objeto definido, por meio do qual Dias Toffoli, presidente do Supremo, formalizou estarmos todos sob suspeita, o que, objetivamente, logo resultaria em censura à revista “Crusoé”? A repercussão do imbróglio Intercept mapeia o drama brasileiro —qual seja: se um togado pode extrapolar, se um procurador pode, todo mundo pode. Roberto Barroso — aquele que autorizou uma investigação permanente contra um presidente da República, e por crimes supostamente havidos antes de seu mandato — está indignado com o que considera “uma clara violação de comunicação privada”. No caso, entre procuradores e, particularmente, entre um deles, Deltan Dallagnol, e Sergio Moro. O ministro — aquele que autorizou a quebra de sigilo bancário de um presidente [ex-presidente e já a época respondendo a oito processos.] não porque houvesse elementos para tanto, mas porque era preciso encontrar alguma coisa —tem razão em se incomodar com o que parece mesmo ser obtenção ilegal de conteúdo particular.

Mui preocupada com essa ocorrência, e zelando pela segurança de Moro e dos procuradores, a PF — aqui, sem qualquer dubiedade —investiga a invasão e o vazamento de dados privados; mas, atenção, sem se deter na análise das conversas em si, sobre se ali haveria o cometimento de algum ilícito por autoridades. Gostaria de questionar Barroso sobre se a PF pode cuidar da provável ação criminosa de roubo de mensagens, no entanto negligenciando a perícia acerca da autenticidade do conjunto e o exame de seu teor? A PF não incorreria em disfunção ao não solicitar os celulares dos procuradores que supostamente participaram dos diálogos? [a PF não tem condições de se deter na análise das conversas em si, pelo simples fato de além de ser produto de roubo, crime, as supostas conversas estão em poder do pessoal da intercePTação = intercePT + recePTação  = , que alegando o direito ao sigilo da fonte não as fornece.
Além do mais,  o fato do material furtado não ter sido entregue a um cadeia de custódia, tira qualquer garantia até mesmo de ser  o material porventura entregue o mesmo recebido.]

Gostaria, aliás, de perguntar a Barroso, o mais afiado entre os justiceiros do STF, sobre se vê alguma impropriedade no conteúdo das conversas até aqui reveladas. Teria curiosidade em saber como o ministro avalia a conduta de Moro conforme apresentada nos diálogos. Teria Barroso, cuja vocação para advogar é espantosa, uma opinião sobre se o ex-juiz tomou lado no processo relativo a Lula. [o ministro Barroso não é obrigado a responder nenhuma pergunta sobre assunto que possa vir a ser julgado por ele.]  As mesmas questões caberiam a Edson Fachin, aquele que, de acordo com Dallagnol em mensagem a procuradores, “aha uhu!”, seria deles. Rodrigo Janot talvez tenha pensado o mesmo sobre o ministro quando, por ocasião do acordo de delação dos irmãos Batista, teve no juiz um despachante. Pergunto a Fachin, mestre em homologações exóticas: quantas vezes, no período de negociação dos termos de um acordo, um delator pode reformar sua delação? Quantas vezes poderá ser impreciso, omisso ou mentiroso, até que ofereça a verdade aceita pelo Ministério Público? Sem qualquer restrição, o sujeito, um criminoso confesso em busca de se aliviar, pode ajustar a entrega numa espécie de obra em permanente construção —até alcançar o que será a verdade segundo procuradores, só a partir de então, à espera da canetada que homologa (e liberta), tendo compromisso com a própria palavra? É isso?

Estamos frente ao dilema moral de uma sociedade enfeitiçada pelo lavajatismo: vale tudo em nome da missão prendedora de corruptos? Barroso, por exemplo, é da escola Bolsonaro de estado de direito, aquela que, diante de controvérsias legítimas sobre atos que põem em xeque o devido processo legal, resolve qualquer dúvida entrando no gramado do Maracanã para ouvir a voz das ruas. Ou não será o ministro o formulador da tese — alicerce da cultura plebiscitária em que aposta o bolsonarismo e síntese do espírito do tempo jacobinista que ergue mitos e heróis —segundo a qual o Supremo se deslegitimará se repetidamente frustrar o sentimento social?

É o STF que chama o cabo e soldado.
 
 Carlos Andreazza - O Globo
 
 

domingo, 25 de junho de 2017

Crime e castigo implodem partidos



O desfecho de nossa história depende em grande parte da sociedade civil. Precisamos renovar 

Não é preciso ler Dostoiévski para saber que o crime e o medo do castigo podem acabar com a vida de alguém que se desviou do rumo e se bandeou para o outro lado, sem volta. Crime e castigo é uma obra-prima de 1866, que discute os limites da moralidade. Para se livrar da punição a um homicídio, o assassino se envolve em outro e tenta se justificar para si e para Deus. Essa parte do enredo lembra nossos políticos “serial-robbers”, viciados em roubar do povo. Não param nunca, nem presos. De obras de infraestrutura a obras de arte, imóveis ou joias, tudo vale para enriquecer a “famiglia” e afundar o país.

Numa semana em que o presidente brasileiro Michel Temer, acossado pela Justiça e por 9% de popularidade, mas sem nenhum sinal de arrependimento, visita a Rússia, é oportuno revisitar – ao menos na memória – esse clássico de 600 páginas. A angústia e o remorso atormentam a consciência do jovem criminoso Raskólnikov, estudante endividado que mata a agiota e, depois, a irmã dela. Os interrogatórios do juiz o perseguem. Ele confessa e é condenado a oito anos de prisão na Sibéria.

O problema é que, no Brasil, escrevemos há anos uma história bem diferente, a do “Crime Sem Castigo”, sem culpa, sem remorso, sem punição. Temos uma chance de acabar com a impunidade, mas, se todo mundo acabar em mansão com tornozeleira, spa e bicicleta ergométrica, vai ficar complicado educar a juventude. Nossos anti-heróis não parecem ter dilema moral algum. Aliam-se a deus e ao diabo para salvar a pele.

Nem PMDB, nem PT, nem PSDB têm propostas que consigam unir suas bases ou ganhar a confiança do eleitorado. A pauta-bomba que implode os partidos políticos não é a delação – ou colaboração – premiada. A delação é apenas a ferramenta mais valiosa para revelar os assaltos bilionários ao cofre-forte público. Um instrumento para recuperar as fortunas roubadas para beneficiar a população e resgatar a credibilidade do país, interna e externamente. Isso, se a Justiça não falhar.

Foi um alívio – após o vergonhoso julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE ver o Supremo Tribunal Federal avalizando, por uma goleada inicial de 7 a 0, a delação dos donos da JBS. Não adiantou ninguém fazer beicinho. Faltam apenas alguns votos. Tanto o Ministério Público quanto a Procuradoria-Geral da República tiveram reforçada sua autoridade. Vida longa ao relator Edson Fachin e ao procurador Rodrigo Janot. Há quase um consenso de que o acordo com Joesley Batista foi excessivamente benéfico para o delator, mas ele começa a ser punido aqui e lá fora no lugar que mais mexe com a consciência desse tipo de bandido: no bolso.

Todos os partidos com culpa no cartório tentam melar a Lava Jato. Vem daí a implosão nas trincheiras. Michel Temer dá cambalhotas de circo para aprovar fiapos de reformas e escapar ao cerco da Justiça, mas divide profundamente o PMDB a cada pesada denúncia que surge contra ele. Fernando Henrique Cardoso apoia publicamente a renúncia de Temer e discorda dos tucanos que tentam sustentar a pinguela do presidente em troca de mais tempo para o PSDB na televisão em 2018 – e também em troca de salvo-conduto para Aécio Neves, que só não foi cassado graças ao rabo preso de seus pares. Lula, indiciado, como Temer, em vários inquéritos por corrupção na Presidência e fora dela, se irrita com a articulação de petistas e do PSOL para discutir uma frente de esquerda e um programa de governo. A reunião aconteceu no domingo. Lula não foi convidado nem informado. Foi o último a saber. 

O desfecho de nossa história depende em grande parte da sociedade civil. Depende de nós. Há uma apatia inacreditável no país. Não parece o mesmo Brasil que foi às ruas em 2013, numa indignação apartidária contra o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus. Era um bom pretexto para protestar. A polarização nacional hoje divide torcidas entre uma suposta esquerda e uma suposta direita, que não são nada disso. É um erro santificar ídolos com pés de barro ou apostar num salvador da pátria que seja “dos males o menor”. Se não existir uma mobilização consciente e pacífica, sem bandeiras de partidos e sem black blocs, contra governantes e políticos que se comportaram como bandidos, será muito difícil refundar nossa República sobre princípios éticos. Não podemos transigir. Precisamos renovar.

Se há crime, é preciso haver castigo, já dizia Dostoiévski. Mas parece ser só na ficção. Na vida real, o que os russos têm hoje é o duro Vladimir Putin, no poder há 18 anos. Putin reprime investigações e manifestações com mão forte. O envolvimento em corrupção é apenas uma das acusações contra ele. Putin tem mais de 80% de popularidade. É o pior dos mundos. Um autocrata popular.


Fonte: Ruth de Aquino - Revista ÉPOCA