Gazeta do Povo
É
possível que muita gente ainda não tenha percebido, mas todos os
problemas da política brasileira já estão resolvidos – quer dizer, se
estiverem de fato valendo, no mundo das realidades práticas, os cálculos
aritméticos dos adversários do governo. É simples: segundo um desses
grupos de oposição, que conseguiu atrair alguma atenção da mídia para a
sua causa, “70% dos brasileiros” estão contra o presidente Jair
Bolsonaro. Seu lema, pelo que deu para entender do noticiário, é
justamente esse: “Somos 70%”.
Se é assim, porque o
ataque de nervos permanente que marca a vida política do Brasil há
meses, ou desde que Bolsonaro assumiu a presidência? É só esperar mais
um pouco, até as eleições de outubro de 2022 – menos de dois anos e meio
– e esses 70% vão colocar o presidente na rua, usando nas urnas a
vantagem esmagadora dos números que têm a seu favor. Não pode ser
diferente: até uma criança de 10 anos sabe que 70 ganham de 30.
Há três problemas com essa teoria. O primeiro é saber se esses “70%” são mesmo 70%, ou se são apenas a fórmula numérica de um desejo – como certas linguiças que se compra na beira da estrada, é melhor não saber em detalhes o que existe dentro das chamadas “pesquisas de opinião”.
O
segundo problema é que 70% não querem dizer grande coisa se não há, na
vida real, um candidato capaz de convencer essa massa toda a votar nele
para presidente da República. Se não há, a matemática muda: sem um
adversário certo e sabido, os 30% que sobram ganham a potência de um
motor V-6 turbo com 600 cavalos de força. Qual seria esse candidato?
Sempre pode aparecer, é claro – mas é preciso que realmente apareça, e
apareça logo.
O terceiro problema é saber o que vão
fazer de fato, na hora de votar, os 70% que não apoiam o presidente –
mesmo que sejam tantos assim. Uma coisa é não aprovar o governo e, no
dia da eleição, ir em massa à seção eleitoral para votar efetivamente
contra ele. Outra, muito diferente, é achar que o governo é uma droga e,
ao mesmo tempo, aproveitar o feriado da eleição apenas para não fazer
nada – principalmente pegar ônibus e esperar em fila para votar.
Nas
eleições de 2018, mais de 30 milhões de eleitores não quiseram votar.
Somados aos votos brancos e nulos, mais de 42 milhões de brasileiros não
votaram em ninguém, num eleitorado total de 147 milhões. O grupo do
“Somos 70%” precisa mudar essa performance, e mudar depressa, se quiser
ganhar dos outros 30. Ficar falando mal da ministra Damares, ou achando
que o STF resolve essa parada com uma liminar, não vai adiantar nada.
J.R. Guzzo, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo