[Mulheres trans que mantém órgãos masculinos, querem atendimento em clínicas ginecológicas, que é negado, por 'limitações técnicas'. ]
Madeleine Lacsko
A Salvador Bronze informou não atender mulheres trans por “limitações técnicas”. Repetimos no Brasil o caso das depiladoras canadenses.
Reflexões sobre princípios e cidadania
"Quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar
no Brasil", segundo Millôr Fernandes. Trata-se de uma espécie de epidemia
absolutamente democrática que agora desembarca no campo do improvável: a briga
da militância trans com as mulheres que trabalham na área de beleza e estética.
Até a imprensa ajudou a acender aqui a centelha da briga já pacificada pela
Justiça no Canadá.
[síntese do problema: os homens que nascem homens - equipados com os órgãos masculinos e concluem que querem ser mulheres e passam a se intitular homens trans, até conseguirem alterar o nome social, mas, não fizeram a cirurgia de reversão sexual;
passam a ser mulheres nos documentos de identidade, mas, continuam com o 'equipamento' masculino.
Passam a se identificar como mulheres trans e querem que mulheres não trans que trabalham em clínicas de procedimentos estéticos, manuseiem seus órgãos masculinos (ainda presentes nas mulheres trans) e as funcionarias não aceitam.]
O caso brasileiro chama-se "Salvador Bronze".
Trata-se de uma clínica especializada no glorioso bronzeamento com fita
adesiva, modalidade que tomou de assalto o mundo da sensualização há alguns
anos. Depende, necessariamente do sol. Por R$ 80, uma personal bronzer monta
com fita adesiva um biquíni na mulher e acompanha sua exposição ao sol. Por que
alguém faria isso? Para que as marquinhas de sol fiquem bem definidas.
A prática surgiu nas lajes das favelas do Rio de Janeiro,
em que as meninas faziam os próprios biquínis com fita isolante. Assim que
famosas do mundo da música começaram a copiar o look e até a divulgar vídeos em
que faziam bronzeamento com fita adesiva, a prática entrou no coração do
Brasil. Clínicas começaram a pipocar por todo o país. Uma delas é a Salvador
Bronze, na Boca do Rio, um dos bairros mais violentos da capital baiana.
O inferno da
Salvador Bronze começou quando a clínica resolveu avisar que não atende
mulheres trans, por meio de uma postagem no Instagram. Bastou um dia de ataques
para que o pequeno comércio deletasse sua página. As associações de travestis e transgêneros fizeram uma
forte campanha nas redes sociais. Não, não era para convencer a clínica a
treinar suas profissionais ou contratar quem tenha treinamento para atender
transgêneros, era só para ir lá "denunciar a homofobia". No caso, o
chamamento foi entendido como passar o dia xingando as mulheres da clínica de
bronzeamento com fita adesiva da periferia de Salvador.
Obviamente a imprensa entrou no caso e teve até
pronunciamento da Defensoria Pública, curiosamente sempre muito rápida para
casos envolvendo direitos fundamentais como o de se bronzear com fita adesiva
em uma clínica específica da periferia de Salvador. Trata-se, claramente, de um
problema urgente da capital baiana, famosa por já ter resolvido todos os
problemas de direitos fundamentais menos graves que esse.
Depois dos primeiros ataques, a clínica tentou explicar as
razões objetivas para não atender mulheres trans. Aparentemente, não funcionou.
A página do Instagram acabou deletada e a do Facebook, que permanece no ar,
está lotada de xingamentos. Revivemos aqui no Brasil um caso que já transitou
em julgado no Canadá: o direito fundamental das mulheres trans de exigir
serviços estéticos em seus órgãos genitais, mesmo que eles sejam masculinos. A
moda começou com uma ativista super midiática, que conseguiu fechar uma clínica
e colocar suas donas, entre elas brasileiras, em uma situação financeira muito
difícil. No final, elas ganharam na Justiça e a ativista teve de ressarcir
também os danos financeiros.
No caso da
Salvador Bronze, ativistas trans disseram que alegar "limitações
técnicas" é uma desculpa esfarrapada. Um membro da Defensoria Pública
disse à imprensa que não consegue imaginar qual é a limitação técnica. Achei
que muita gente conhecia: chama-se PÊNIS. Mulheres trans não são necessariamente pessoas que passaram
por cirurgia de reversão sexual, há pessoas que mantêm o órgão sexual masculino
e se identificam como mulheres e trans. Na militância online, começou a ser
moda que ativistas nessa condição pedissem serviços estéticos na região íntima
para mulheres e, diante da negativa, iniciassem uma jihad contra quem não
atendeu, alegando transfobia.
Parece surreal? Não é, está acontecendo diante de nós em
uma das bolhas mais agressivas da internet. Assim como gamers, channers,
extremistas políticos dos dois pólos, trolls do mercado financeiro e
antivacinas, coincidentemente a bolha da militância trans prefere mirar
mulheres e fazer ataques pessoais, sempre com a justificativa da causa maior. A
distopia chegou ao ponto de gritar contra transfobia porque uma clínica de
ginecologia disse que não poderia atender uma mulher trans porque ela tem um
pênis, não uma vagina.
A discussão da
clínica de bronzeamento no Brasil é a mesma que já foi feita com as depiladoras
canadenses: o treinamento para procedimentos estéticos em genitais femininos e
masculinos é diferente. Além disso, há mulheres que não querem trabalhar
tocando genitais masculinos. Não têm esse direito? Outra questão, que é a alegada "limitação
técnica", está extensivamente debatida no processo do Canadá. E, embora
seja óbvio, não custa repetir nesses tempos de pós-verdade: a região íntima
masculina é diferente da feminina, inclusive na elasticidade da pele. Para se
fazer uma depilação com cera ou se colar uma fita adesiva na região escrotal, é
necessário ter o treinamento para fazer de forma adequada. Para fazer
procedimentos como esses na área íntima feminina, mais compacta e menos
elástica, não é necessário ter tanta experiência ou treinamento.
Pesquisei se há, em Salvador, clínicas semelhantes, de
bronzeamento com fita para homens. Há dois tipos: as que fazem com sunga e as
que montam um biquíni de fita adesiva. O primeiro tipo é mais comum e aparece
até em reportagens na televisão: o homem fica com a sunga e o adesivo é
colocado apenas nas bordas para a marquinha ficar evidente. A modalidade biquíni
é menos comum, mas também existe em algumas clínicas. Vi fotos e realmente fica
uma obra de arte, mas confesso não ter tido coragem de ver o momento em que se
arranca o biquíni de fita.
Machistas clássicos e velhos babões devem morrer de inveja
da nova modalidade de machismo, que encontra justificativas morais para obrigar
mulheres a tocar em órgãos sexuais masculinos até durante o horário de
trabalho. A militância trans faz essa proposta justamente no momento em que os
brucutus até agora privilegiados começam a ser punidos por humilhar e subjugar
mulheres.
Não importa o gênero com que a pessoa se identifique: quem
é criado como homem não aceita o mesmo nível de humilhação que nós, mulheres,
somos ensinadas a engolir caladas desde o berço. Nossa sociedade ensina os
meninos, desde pequenos, a não levar desaforo para casa, falar mais alto e
obrigar as mulheres a fazer o que eles querem, mesmo que não tenha nenhum
sentido. Funciona perfeitamente: mesmo os que passam a se identificar
socialmente como mulheres continuam agindo do mesmo jeito.
Madeleine Lacsko, Vozes -Gazeta do Povo