Daqui
a 50 anos, estudarão como um bando usou bandeiras sociais para roubar sem
perder a ternura
O álbum de figurinhas com os personagens que ficarão
na história por defender Dilma Rousseff e seu mandato delinquente está
crescendo. Fora as
consciências que agem como pessoa jurídica –
com ou sem recibo –, há o exército de mandrakes da bondade. São figuras
tristes que penduraram sua reputação em meia dúzia de clichês ideológicos e
vivem esta trágica missão: adaptar seu caráter a um slogan. Não pensem que é
fácil.
Daqui a 50 anos, o Brasil de 2016
será estudado desta forma: uma avassaladora operação policial e judicial
desmascarou um bando que estava usando as bandeiras sociais e humanitárias para
roubar o país sem perder a ternura. O estudante de 2066 custará a crer que, depois de flagrada a quadrilha, os
mandrakes da bondade continuaram a defendê-la bravamente – num esforço
épico para salvar seus slogans. Tudo, menos rasgar a fantasia.
Esta
coluna criticou, em sua edição passada, a postura de parte da imprensa
internacional na cobertura do impeachment de Dilma Rousseff. E citou o jornal
americano The
New York Times como um dos veículos que vêm adotando a tese de
que há um golpe de Estado no Brasil. Afirmar que a democracia brasileira
está em risco por conta de uma manobra política ilegítima é muito grave. É o tipo da afirmação que requer
demonstração cabal – se o autor pretende ser levado a sério.
Não há demonstração cabal – nem pálida – sustentando
essa tese gravíssima. Vá ao Google, caro leitor,
e tente encontrar qualquer matéria publicada na
imprensa internacional que explique por que a ordem institucional no Brasil
estaria sendo violentada. Você
não encontrará. A base científica é sempre a mesma: o choro dos que não querem largar o osso. Eles dizem que o crime
fiscal de Dilma Rousseff não foi nada de mais.
A alguns
milhares de quilômetros de distância – em
Nova York, por exemplo – o desfalque
de Dilma não deve doer nada mesmo. A não ser nos americanos lesados pelas
negociatas na Petrobras. Mas esses não escrevem editoriais. Discutir como
os crimes de responsabilidade estão demonstrados no pedido de impeachment, e
até apresentar as lamúrias petistas sobre supostas falhas jurídicas no
processo, estaria dentro do exercício jornalístico. Mas bancar a tese do golpe
num processo conduzido absolutamente dentro das regras, com todos os ritos cumpridos e avalizados pelo Supremo Tribunal Federal (de maioria petista), é uma leviandade.
Esta coluna fez então uma ironia – referindo-se à famigerada imprensa de aluguel bancada pelo governo Dilma
– perguntando se o NYT, por seu posicionamento
espantoso, também estaria no bolso do
PT. É sabido que os mandrakes da bondade detestam a liberdade e
sonham com um mundo que caiba em suas cartilhas. São os talebans envergonhados.
Mas, até onde se saiba, a ironia ainda não foi revogada. E qualquer leitor
semialfabetizado saberá que um dos maiores jornais do mundo não cabe no bolso
de um partido de picaretas tropicais.
Mas eis
que o correspondente do New York Times
no Brasil, Simon Romero, decide
enviar a referida coluna a sua rede de contatos, acusando este signatário de
sugerir que o NYT foi subornado pelo PT. Claro
que Romero entendeu a ironia – qualquer
estagiário entenderia –, mas preferiu oferecê-la a
sua claque como uma acusação séria (e,
portanto, bizarra). Não deixa de ser coerente com a postura do jornal que
representa.
Perseguir a covardia é perda de
tempo. Ela já é, em si, a punição ao covarde. O sujeito que opera com meias verdades e corteja
mal-entendidos para parecer virtuoso já tem um problemão para resolver. E isso
demora. A coluna fazia também um convite aos irresponsáveis que dizem ao mundo ser Dilma Rousseff a
resistência democrática (morra de
rir, estudante de 2066): que se
mandassem para a bucólica Venezuela, para narrar a resistência democrática
do sanguinário Nicolás Maduro. Adivinhe, caro leitor, o que a claque do
companheiro Romero gritou para este colunista? Acertou: xenófobo!
Sem querer estragar a brincadeira
progressista da criançada, segue novo adendo ao dicionário taleban: quem
quiser fazer proselitismo de político canastrão, vá à luta do seu chavista de
estimação – e ceda gentilmente o lugar a quem queira fazer jornalismo.
Ainda há muitos desses pelo mundo afora.
Fonte: Guilherme Fiuza – Época