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domingo, 6 de setembro de 2015

O naufrágio de Dilma

A questão não é mais quem quer ou não a renúncia de Dilma. Mas se ela conseguirá governar até o fim 

É um roteiro de tragédia grega. O isolamento da presidente Dilma Rousseff é extraordinário. Agora é seu vice, Michel Temer, do PMDB, que diz publicamente a empresários: “Se (Dilma) continuar com 7%, 8% de popularidade, não dá para passar três anos e meio”.

A quem Dilma deve se segurar para continuar no comando? Que preço precisa pagar? E qual é o melhor cenário para o país? Ou o menos pior? Os brasileiros soçobram num barco, no meio de ondas avassaladoras e sem bússola. Ou então com muitas bússolas, que apontam para nortes opostos. Muitos comandos equivalem a nenhum comando. Dilma promete reforma ministerial, mas não vai adiante nem corta as despesas do Estado inchado. Dilma anuncia que não pagará a metade do 13º dos aposentados, mas volta atrás. Dilma anuncia ressurreição da CPMF e desiste em um par de dias. Dilma encaminha Orçamento com deficit ao Congresso, mas recua. Dilma agora anuncia mais impostos. Isso, num país onde 36% do PIB é arrecadado de nós mas sem contribuir para uma saúde pública e uma educação pública dignas.

Se Dilma fosse protagonista de novela da TV Globo, meteriam o pau no roteirista. Diriam: é uma personagem inverossímil. Que não decide se será heroína ou vilã. Para qualquer lado que Dilma olhe, hoje, alguém ameaça pular fora de seu barco ou conspira contra ela a bordo. Hoje, a questão deixou de ser “quem quer e quem não quer a renúncia de Dilma”. Passou a ser “quem vai garantir a continuidade de Dilma”. Ou “como Dilma conseguirá governar” até a próxima eleição.

A crise de governabilidade chegou. Baixíssimo índice de apoio popular. Péssimos indicadores de economia, atingindo os mais carentes. Vetos do Congresso. Oposição dos sindicatos à política econômica. Quem afinal apoia a presidente? Seus adversários tradicionais esperam sentados e mudos. Passamos uma semana sem saber se o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, cairia ou não. Seu rosto traiu todas as emoções negativas. Quando assumiu a Pasta, o sorriso confiante não o abandonava. Falou uma série de verdades atabalhoadamente, levou bronca da presidente, passou a dar declarações estudadas. A foto mais reveladora de seu desconforto – e certamente Levy posou assim de propósito – foi publicada na terça-feira. A cena era a entrega de proposta de Orçamento para 2016 com deficit inédito de R$ 30,5 bilhões. O ministro Nelson Barbosa, do Planejamento, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, sorriam. Renan estendia a mão para Levy. E Levy, com as mãos cruzadas, mirava o lustroso discípulo de Sarney, o Renan-vai-com-as-outras, de rabo de olho, numa expressão facial de total desconfiança e um recado cristalino: “Você pensa que me engana?”.

Levy não se rendeu ao circo armado, o dólar disparou, a fofoca esquentou, o Orçamento deficitário micou, mas não muito. E Dilma deu sua palavra (palavra?): Levy fica. Até quando ninguém sabe. De mim, disse Dilma, ele não está isolado. Não. Quem está isolada é a presidente.  E os outros personagens da tragédia grega? Temer já pulou do barco. Começou dizendo que “alguém precisa unir o país”, depois jogou a toalha como articulador político do governo, recusou os apelos da presidente para voltar e disse que foi atropelado por Dilma nas negociações do toma lá dá cá. O vice Temer afirmou que, “se o Tribunal Superior Eleitoral cassar a chapa”, ele vai para casa “feliz da vida”.

E os empresários? Abilio Diniz, ex-dono do Pão de Açúcar, expressa o que Dilma representa para o mundo empresarial: nada. “Tem de juntar o Temer, o Fernando Henrique, o Lula, trancar dentro de uma sala e jogar a chave fora, para encontrar uma solução.” A voz de Dilma só atrapalharia.

E os servidores? Em greve. Cada vez mais. E os petistas? Resolvem sair de verde e amarelo no 7 de Setembro, “em defesa de Dilma, Lula e contra o golpe”. Mas depois desistem das cores da bandeira do Brasil. Medo de reviver os “caras-pintadas”. E o presidente da Câmara, Eduardo Cunha? Nem precisa falar, porque o que mais gosta é que falem dele. E o presidente do Senado, Renan Calheiros? Diz que Dilma “precisa reavaliar prioridades”. Aguentar discurso moralizador de Renan e Cunha é dose. E Lula? Contra qualquer medida impopular, o ex-presidente faz seu jogo com as bases e com Dilma, num morde e assopra incessante. Lula incentivou movimentos sociais a lançar neste sábado, 5 de setembro, um manifesto por mudanças na política econômica e em defesa de Dilma. “Governo é para governar e sindicato é para ‘sindicatear’”, disse Lula em reunião com sindicalistas em São Bernardo, segundo uma representante da CUT.
Como viram, eu nem falei da oposição. Com amigos assim, Dilma não precisa de inimigos.

Fonte: Ruth de Aquino - Revista Época