Está proibido desconfiar! No Brasil já não se pode mais
desconfiar das autoridades, sobretudo das supremas.
Não! Há que confiar, ter fé
até – e fé inabalável.
É a nova religião da antirrepública que aplica uma
anticonstituição: a fé na antidemocracia dos togados, no “Estado Democrático de
Direito” cujos preceitos estão apenas na cabeça dos iluministros, neologismo de
WhatsApp que merece ser incorporado ao dicionário.
Os preceitos democráticos dos ministros do STF são mais inacessíveis ao cidadão comum do que a Bíblia antes
de ter suas primeiras traduções ao alemão popular: no caso do
Livro
Sagrado, o que estava oculto ao povo pôde aparecer, pois estava escrito.
No caso das 11 cabeças do Supremo, só se fosse possível ler
pensamentos. Na Constituição e nas leis, por mais complexo que seja o
juridiquês, aquilo que dizem os ministros do Supremo em suas sentenças e
entrevistas, como diria com carregado sotaque um renomado padre e
parapsicólogo brasileiro de origem espanhola: non ecziste – não existe!
A
pequenez de quem não respeita a Constituição e prende ilegalmente,
censura inconstitucionalmente e, agora, decide ao arrepio da lei que
pode julgar processos em que os defensores são seus familiares, é
sintoma de que, de fato, julgam-se deuses infalíveis
No
Estado moderno,
além de direito é também dever do cidadão desconfiar
das autoridades. Parece paradoxal,
porém é absolutamente necessário que,
em uma
democracia constitucional,
confie-se nas instituições desconfiando sempre de seus membros. Instituições são compostas por homens e mulheres tão falhos quanto
aqueles que não as integram.
Portanto, com poder nas mãos, esses mesmos
homens e mulheres falhos têm ainda mais potencial tanto para fazer o bem
quanto para praticar o mal.
Para
compensar a natural e saudável desconfiança da cidadania, o poder das
autoridades deve ser limitado às funções que exercem – e estas,
limitadas ao essencial para que a vida em sociedade possa florescer por
si mesma. Estes são os preceitos de uma democracia liberal, em que os
direitos individuais e as liberdades fundamentais são garantidos ao
cidadão. O excesso de poder, o abuso, sempre desvirtua em tirania, em
ditadura. Como disse o historiador britânico Lord Acton no século 19, “o
poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. A
famosa frase tem uma conclusão menos conhecida, mas talvez ainda mais
importante: “de modo que os grandes homens são quase sempre homens
maus”.
Bons
ou maus, no Brasil os grandes homens revelam-se cada vez menores.
A
pequenez de quem não respeita a Constituição e prende ilegalmente, censura inconstitucionalmente
e, agora, decide ao arrepio da lei que pode julgar processos em que os
defensores são seus familiares, é sintoma de que, de fato, julgam-se
deuses infalíveis. Deles, não se pode desconfiar nem quando há claro
conflito de interesses.
Sentados no Olimpo do
Planalto Central, têm profunda fé em si próprios e querem impor aos
brasileiros esta mesma fé.
A realidade, porém, é mais dura: a convulsão
social como reação à soberba da classe dominante é regra com poucas
exceções nas democracias modernas.
Não se pode prever quando, nem
exatamente como se dará a insurgência, porém a notada apatia de uma
população cada vez mais farta da inversão de valores praticada nos altos
escalões é presságio de que a fé que se quer impor no Brasil não conta
com a devoção de sua população. Felizmente, apesar de cada vez mais
proibida, a necessária desconfiança do povo em relação a quem está no
poder só tem feito aumentar.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos