Ideia de se permitir que empresas privadas toquem projetos em troca da prorrogação de concessões pode viabilizar a expansão de um setor estratégico em que o país é carente
Desde que
se rendeu ao rodoviarismo, a partir da década de 50, o Brasil passa por
momentos difíceis causados por este desbalanceamento na estrutura de
transporte. Há efeitos também nos grandes centros urbanos, que se atrasaram na
construção do metrô, e ainda deixaram de conservar e expandir os trens,
dobrando a aposta nos ônibus. Hoje, perseguem o tempo perdido.
O
primeiro choque do petróleo, no início da década de 70, alertou para o fim da
era do combustível fóssil barato. E a Petrobras sequer atendia ao consumo
interno; era a maior importadora individual de petróleo do mundo. Em vão. O
rodoviarismo foi mantido, o país se endividou para queimar combustível
importado e terminou quebrando no início da década seguinte, depois do segundo
choque, sendo obrigado a ir mais uma vez ao FMI.
Há pouco,
ocorreu a greve dos caminhoneiros, que fechou estratégicos entroncamentos de
estradas, e, com isso, dobrou o fraco governo Temer. Como em outras vezes, voltou-se
a criticar a falta de uma estrutura minimamente robusta de transporte
ferroviário. Ao menos
agora, o Planalto deu um passo certo, ao adotar o caminho mais lógico e curto
para, enfim, desobstruir os gargalos para a expansão ferroviária: transferir a
empresas privadas que já operam ferrovias, obras estratégicas que continuam nas
pranchetas. É hora mesmo de ser realista.
Na gestão de Fernando Henrique,
avançou-se na privatização, mas a ampliação da malha jamais deslanchou como
necessário. Com Lula e Dilma, principalmente com esta, tudo andou de lado,
devido ao dogma anti-iniciativa privada. Mesmo quando não havia outra
alternativa, contratos eram feitos, mas a capacidade do setor privado não podia
ser exercitada em toda a sua potencialidade, devido aos preconceitos
ideológicos.
Também
foi assim que obras ferroviárias ficaram sob o controle do PR, dono do
Ministério do Transporte, controlado até hoje pelo ex-presidiário Valdemar Costa
Neto, trancafiado como mensaleiro. Gerou-se muita propina e poucos quilômetros
de trilhos, a depender do caso. As obras
serão tocadas em troca da prorrogação de concessões. Um jogo em que todos
ganham. Dessa forma, por exemplo, a Vale, hoje privada e com grande experiência
no transporte ferroviário, que a ajudou a se tornar um dos maiores exportadores
de minério de ferro do planeta, deverá ficar com a Ferrovia de Integração
Centro-Oeste (Fico), enquanto a MRS Logística poderá executar o antigo projeto
do Ferroanel de São Paulo.
É uma
obra de necessidade óbvia, de apenas 53 quilômetros, que tirará os trens de
carga dos trilhos da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM),
reduzindo o tempo de trânsito das composições na região da maior cidade do país
e do maior porto, Santos. Pode-se fazer a crítica de que esta não é decisão
para um governo a seis meses do fim. Não procede, porque este é um projeto de
Estado, independe do governante de turno.
Editorial - O Globo