Eliane Cantanhêde
Em 2020, Guedes precisa engrenar a segunda e é hora de Toffoli dar marcha à ré
Os dois grandes personagens da semana passada, não sob aplausos, foram o
ministro Paulo Guedes e o presidente do Supremo, Dias Toffoli. Um falou
bobagens e ajudou a tumultuar o mercado e a aumentar as incertezas. O
outro não só falou como fez bobagens, atraindo uma derrota fragorosa. De pavio curto, Guedes não tinha nada que desdenhar da disparada do
dólar e muito menos tratar com ligeireza do maldito AI-5, que mexe com
velhas dores nacionais e o recente mal-estar institucional causado pelo
filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro. [O Brasil tem atualmente reservas superiores a US$ 350.000.000.000 - para uma dívida de US$ 100 bilhões - o que o qualifica não para abusar, mas, no mínimo, não se preocupar.]
Se o País ainda se assusta, mas vai se acostumando com manifestações
estapafúrdias do presidente Jair Bolsonaro e seus filhos, isso não
ocorre em relação ao superministro da Economia. Guedes é um avalista do
governo. Assim como persiste o “votei no Bolsonaro para evitar o PT”,
mantém-se o “Bolsonaro pode falar o que quiser, o importante é o Guedes
recuperar a economia”. Logo, frases enviesadas do ministro sobre câmbio e
política causam desconforto desnecessário. [quanto a cogitar de alguém pedir a volta do AI-5, Guedes apenas lembra um remédio utilizado no passado e que foi extremamente eficaz no alcance dos seus objetivos.
Lembrando sempre que a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional, respaldam o uso de remédios para restabelecimento da ordem, caso se torne necessários.]
A marca de 2019 foi a reforma da Previdência, num ambiente
fantasticamente calmo, mas Guedes encerra o ano sem engrenar a segunda e
avançar nas reformas trabalhista, administrativa e tributária. Num
governo em que o ministro da Economia precisa fazer as vezes de
articulador político, Guedes foi atropelado pela pauta da prisão em
segunda instância no Congresso, a falta de mínimo consenso na questão
tributária e a decisão de Bolsonaro de não mexer num vespeiro, o
funcionalismo público, já no seu primeiro ano. Outro problema é que a herança bendita dos quase dois anos e meio de
Michel Temer está se esgotando: a reforma trabalhista, o impulso da
própria reforma da Previdência, os leilões de estradas, portos e
aeroportos, além do Pré-Sal. Agora, é bola pra frente.
Quanto a Toffoli: acostumado a esticar a corda, ele jogou o STF em duas
situações delicadíssimas. Na primeira, foi na contramão da antecessora
Cármen Lúcia e pôs em pauta a reviravolta na prisão em segunda
instância, já sabendo qual seria o placar (6 a 5) e o efeito (a soltura
do ex-presidente Lula). Na segunda, causou um atraso de bom tamanho em
cerca de 1.500 investigações do MP e da PF. Juntando a primeira e a segunda, tem-se uma conta de compensação:
favorece Lula, favorece o seu antagônico. E Toffoli usou um Recurso
Extraordinário envolvendo a Receita Federal para meter a UIF (ex-Coaf)
no meio e, numa liminar monocrática, suspender as investigações sobre o
gabinete de Flávio Bolsonaro quando deputado no Rio. O preço foi caro:
para livrar um, livrou milhares.
A questão foi ao plenário e virou um suplício para Toffoli. O voto dele
foi de quase cinco horas e “em javanês”, na ironia do ministro Luís
Roberto Barroso, mas isso foi só o começo. Ao longo dos demais votos, e
das horas, sucederam-se dúvidas e críticas ao presidente da Corte,
obrigado a ouvir lições elementares dos colegas. A principal delas: órgãos de controle não apenas “podem” como têm a
obrigação de repassar sinais de crimes para os órgãos de investigação.
Elementar, meu caro Watson. Tão elementar que, no fim, para reduzir o
vexame, Toffoli recuou e aderiu à maioria. Reduziu o vexame, não a
flagrante derrota.
Assim, a liminar de Toffoli caiu, a de Gilmar Mendes que suspendia todas
as investigações referentes a Flávio Bolsonaro também caiu e, a partir
de agora, o Planalto tende a ficar exposto a revelações nem sempre
bem-vindas. Toffoli até tentou dar uma força para o presidente e seu primogênito,
mas pode ter perdido nas duas pontas: não garantiu o fim das
investigações de Flávio e atraiu chuvas e trovoadas, até dos próprios
colegas. Que o recesso chegue rápido!
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo