A
questão agora é saber se ele ou a sua relação com a doutora Dilma estourarão
também o prazo de validade
O Joaquim Levy “mãos
de tesoura” não existe mais. Havia algo de fantasia na figura do banqueiro
sorridente e severo que daria um novo rumo ao desastre econômico produzido pela doutora Dilma. Ele parecia o tal
porque todo ministro da Fazenda que entra é o imperador Napoleão chegando a
Moscou. Quando as coisas dão errado, a menos que vá embora porque não aguenta
mais, sai como o general Bonaparte, ferrado, voltando para Paris.
Levy saiu do prazo de
garantia. Não é
mais o que seria, mas, na verdade, nunca chegou a sê-lo. Resta saber qual o prazo que lhe resta para
sair do prazo de validade. Guido Mantega,
seu antecessor, nunca teve certificado de garantia ou de validade e tornou-se o
primeiro caso de ministro apreendido, publicamente
dispensado em setembro para deixar o cargo em janeiro.
Levy sempre foi um estranho
no bunker dos comissários. O que ninguém esperava é que fritassem
a gestão da economia com episódios vulgares. O senador Renan Calheiros, genericamente abençoado pelo Planalto, propôs cobrar o
atendimento no SUS. Dois dias depois, desistiu. O ministro Nelson Barbosa soltou a ideia do
retorno da CPMF. Durou dois dias, e o recuo
se deu enquanto Levy defendia a medida numa palestra em Campos de Jordão.
Nesse episódio encapsula-se algo maior.
Faltou alguém que lhe mandasse ao menos um tweet: “Saltamos da CPMF”. Coisas desse tipo só acontecem quando outras
coisas já aconteceram. Mandar ao Congresso um Orçamento
prevendo um déficit de R$ 30,5 bilhões sem dizer mais nada é uma cenografia
irresponsável. O que o governo chama de uma peça realista e transparente
significa apenas que parou de mentir.
Se um
presidente e seu ministro da Fazenda caminham na mesma direção, as coisas podem
funcionar. Isso sucedeu com Itamar Franco e Fernando
Henrique Cardoso, ou com FH e Pedro Malan. Dilma e Guido Mantega mostraram que essa regra é falível, pois formaram uma inédita dupla de fracasso. Quando caminham em direções diferentes, não há a
menor chance de dar certo.
Levy já se deu conta de
que se meteu numa encrenca. Tendo perdido a garantia, fica diante do risco
de uma característica dos ministros com validade
vencida. Quando ela caduca, a iniciativa de ir embora sai das
suas mãos. Transformado em lenço de papel, acaba voltando para casa e seu
sucessor é homenageado pela Fiesp, com direito a um jantar no Alvorada com os
empresários habituais. Entre esses dois momentos, todos os ministros vivem num
dilema. Percebem que chegou a hora de ir embora, mas temem que isso piore a
situação do país, o que nem sempre é verdade. A maioria fica, e pioram os dois.
Assim
como Dilma nunca se associou à
Operação Lava-Jato (“Não respeito delator”), ela nunca se associou a Levy. De certa maneira, nem ele a ela. Contudo, adotou o mantra rousseffiano da “crise transitória”. Isso não quer dizer
nada, pois tudo é transitório, inclusive os dois e até mesmo a rainha Elizabeth
II.
As pedaladas retóricas
em que se meteram Dilma e Levy colocam o país diante de um retorno ao pesadelo que
foi a Década Perdida. Não se sabe direito quando ela começou, mas terminou em
1993, quando o presidente Itamar Franco botou Fernando Henrique Cardoso no
Ministério da Fazenda e os dois andaram juntos.
Serviço: nas
próximas quatro semanas o signatário passará para o regime semiaberto e não
escreverá.
Fonte:
O Globo - Elio Gaspari, jornalista