O Globo
O ponto em que as crises se encontram
Há um ponto em que as crises se encontram e se parecem. Esta é diferente na origem, um vírus que se espalha de forma assustadora, podendo atingir uma dimensão desconhecida. A partir daí começam as semelhanças. Atividade econômica suspensa produz PIB menor. O mundo perderá crescimento e pode entrar em recessão. Mudanças bruscas em valor dos ativos produzem inúmeras consequências, principalmente se apanha o país num contrapé, que é o nosso caso. Quando a bolsa cai fortemente, isso leva à perda de riqueza que afeta todos, principalmente os pequenos investidores.
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Como nunca houve tanta pessoa física na bolsa brasileira, e os estrangeiros saíram nos últimos meses, essa perda de valor afeta diretamente a economia real. O investidor que vê uma desvalorização brusca de seus ativos ficará retraído para tudo o mais, do consumo ao crédito a investimentos com qualquer nível de risco. Assim vão se formando os canais pelos quais a oscilação das ações afeta a tomada de decisão e a economia real.
O economista Márcio Garcia, da PUC do Rio, diz que o problema é haver uma dinâmica que contamina setores e se espalha pelos países, como o próprio vírus. — O que tem que impedir é esse círculo vicioso. Esse é o maior risco, e é aí que os governos têm que atuar. Para que uma crise temporária não tenha efeitos permanentes. Empresas podem começar a quebrar por falta de caixa e receita. E aí não paga o banco, e o banco também quebra ou atrasa pagamentos. Isso aí vira uma crise grande por conta de algo que poderia ter sido temporário — afirma.
Esse é o temor em relação aos Estados Unidos porque, como disse aqui ontem o economista José Roberto Mendonça de Barros, há muitas empresas alavancadas. Com o dinheiro barato elas se endividaram por nenhuma razão importante, às vezes para comprar as próprias ações. Agora perderam valor. — Quando os preços se movem muito rapidamente acontecem dinâmicas muito perversas que têm a ver com a forma como o mercado financeiro funciona. Quem está muito alavancado perde muito — explica Garcia.
O “Financial Times” contou um exemplo: uma rede de hotéis em Nashville, Ryman, que teve em uma semana 77 mil cancelamentos de quartos/noite. Deixou de faturar US$ 40 milhões. Sua dívida foi colocada em observação para rebaixamento pela S&P. Milhões de eventos como esse estão acontecendo no mundo e no Brasil também, onde o pisca alerta só agora começa a ser ligado. O presidente Bolsonaro, que dizia que esse surto era uma fantasia propagada pela imprensa, ontem apareceu de máscara em transmissão pela internet.
O que fazer diante disso? A equipe econômica montou um gabinete de crise e apresentou algumas medidas tímidas na área, como antecipação de 13º salário de beneficiários do INSS e suspensão de provas de vida por 120 dias. Até então, só se falava em aprovação de reformas, o que não resolve, até porque o Congresso pode entrar em recesso. [talvez com o Congresso em recesso, o governo Bolsonaro fique com mais liberdade para governar sem ser boicotado.] Há algumas boas propostas paradas, outras ainda não chegaram, outras são ruins. Mas as boas têm chance de melhorar o país estruturalmente. O que é preciso é ter ações emergenciais precisas que interrompam o espiral de queda. Mas isso dentro da realidade brasileira, um país com limites fiscais.
Márcio Garcia sugere coisas práticas como a de que o BC anuncie, como fez Ilan Goldfajn e Alexandre Tombini, em duas crises que administraram, um volume de recursos que usará para diminuir a volatilidade do dólar. Isso seria melhor do que comunicar um valor a cada dia. Sugeriu que o Tesouro recompre títulos, coisa que o Tesouro anunciou logo depois. O governo precisa sair é da receita monocórdica e explicar com que medidas pretende mitigar a crise. [o importante não é explicar, ficar prestando contas, e sim apresentar resultados que levem à recuperação da economia.] Mas se o presidente da República entender, enfim, qual é o papel de um presidente da República numa crise já seria um grande alívio. Pelo pronunciamento dele ontem em rede nacional, não foi desta vez.
Míriam Leitão, jornalista - O Globo - Com Alvaro Gribel, de São Paulo