O Estado de S.Paulo
Foco na economia e no Senado, com torcida para a ida à ONU não virar um (novo) vexame
O presidente Jair Bolsonaro usou a sua volta ao Palácio do Planalto,
após a nova cirurgia, para uma série de anúncios que têm forte impacto
na economia e podem ajudar um bocado a melhorar o humor nacional
detectado nas pesquisas contra o governo e o próprio presidente. As
medidas são para desbloquear verbas para os ministérios, continuar a
abertura da economia e apressar a geração de empregos.
O presidente desbloqueou R$ 8,2 bilhões para ministérios apertados e
ministros desesperados, principalmente para o MEC, a Economia e a
Defesa, onde estão professores e estudantes em pé de guerra, Paulo
Guedes precisando desesperadamente mostrar resultados e as Forças
Armadas, fundamentais na mesa de operações do presidente.
Ele também sancionou a Lei de Liberdade Econômica, que vai ao encontro
das promessas de campanha e das pesquisas de opinião, que mostram perda
de apoio em praticamente todos os segmentos, mas crescimento num
universo bem específico: o empresariado. Se nunca fala a palavra
“social”, Bolsonaro é 100% pró capital e sempre defende menos Estado,
mais iniciativa privada. Por fim, a escolha de José Tostes Neto para a Receita Federal,
substituindo Marcos Cintra, seguiu o perfil traçado pelo maior expert em
Receita no País, Everardo Maciel, que comandou o órgão nos oito anos de
Fernando Henrique Cardoso. Tostes é muito respeitado e benquisto pelos
colegas. Poderá fazer fortes mudanças sem abrir uma guerra interna.
Com o exato perfil soprado por Maciel, ele é maduro, da carreira e bom
conhecedor do tema e da engrenagem, mas... aposentado. Logo, é próximo o
suficiente para saber o que se passa e longe o bastante de grupos e
intrigas do dia a dia do órgão. Bolsonaro, porém, embarca amanhã cedo para Nova York deixando várias
interrogações. A maior delas é como ele vai se sair ao discursar na
abertura da Assembleia-Geral da ONU, função reservada todos os anos ao
presidente do Brasil. Há uma espécie de pânico generalizado, mas ele
pode surpreender.
A intenção é fazer um discurso restrito aos 20 minutos regulamentares,
focando numa palavrinha mágica – “soberania” – e fazendo uma defesa
enfática da proteção ao meio ambiente, mas à maneira brasileira, ou
melhor, à sua maneira. Nada, porém, que possa chocar o mundo, dar
palanque para o francês Emmanuel Macron e animar novos confrontos. E ele
deve focar também em família, costumes, ideologia, Ocidente e fazer
referência à Venezuela.
Outro cuidado também é um alívio para quem teme vexames e grosserias de
Bolsonaro no ambiente internacional: assim como a facada protegeu o
candidato Bolsonaro de debates, exposição e erros crassos na campanha, a
quarta cirurgia deve preservá-lo de debates, exposição e erros crassos
em Nova York. Serão só 24 horas, sem almoços, comilanças e reuniões bilaterais com
presidentes de qualquer continente, com exceção de um jantar com o
“Deus” Trump – que, aliás, Bolsonaro anunciou, mas não estava na agenda e
era desconhecido pelo Itamaraty.
Por recomendação médica, o ainda convalescente Bolsonaro tem bom
pretexto para chegar, dormir, ler o discurso – escrito com Ernesto
Araújo, Eduardo Bolsonaro e Filipe Martins – e voltar. Em contrapartida,
não há nenhum indício de que presidentes estrangeiros façam a desfeita
da se retirar do discurso ou algo dessa gravidade. O presidente estará também voltado para questões domésticas: a
substituição do líder do governo no Senado, a sanção e os vetos da nova
lei eleitoral e a votação de Eduardo no Senado. A aprovação de Augusto
Aras para a PGR não preocupa, mas a de Eduardo virou o centro das
atenções nacionais – pelo menos nos palácios da Alvorada e do Planalto,
além do avião presidencial. Aí, a “velha política” está a pleno vapor.
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo