A “gerentona”, a “faxineira” e, agora, a “vítima”. O marketing oficial tentou criar várias personagens para a presidente, mas nenhuma resistiu aos fatos
Eufórico, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva desfiava seu rosário de palavrões prediletos para comemorar o sucesso de um leilão de concessão de rodovias, que, segundo a oposição, seria um fracasso. Era 2007, o primeiro ano de seu segundo mandato. O Programa de Aceleração do Crescimento (PACo), sua principal bandeira de marketing, já estava nas ruas. E o encantamento com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, celebrada como a responsável pelo resultado do leilão, só aumentava.
A FAXINEIRA - Dilma viu sua popularidade crescer quando demitiu do governo ministros corruptos. Depois, chamou-os de volta(ANDRE DUSEK/Estadão Conteúdo)
Aos olhos do presidente, Dilma enquadrava a burocracia, tirava projetos do papel, destravava investimentos, fazia o governo acontecer. Era a novidade. A melhor novidade. Por isso, anos mais tarde, com nomes históricos do PT abatidos pelo mensalão, Dilma, "a mãe do PACo", "a mulher do Lula", "a gerentona", foi escolhida para ser a candidata à Presidência. O plano era ambicioso: em mandatos sucessivos, Lula e Dilma garantiriam ao partido pelo menos vinte anos no poder, curiosamente o mesmo número cabalístico que os tucanos pretendiam ficar no governo depois que Fernando Henrique Cardoso foi reeleito. O foco de Dilma, uma vez eleita, seria melhorar a infraestrutura do país, sem inventar moda na política ou na economia. Uma meta simples. Nada podia dar errado. Mas, como se sabe, tudo deu errado.
Eleita com 55,8 milhões de votos em 2010, Dilma estreou como presidente promovendo a defunta "faxina ética". Em apenas um ano, demitiu seis ministros suspeitos de tráfico de influência, corrupção e desvio de verbas públicas. A comparação com Lula, defensor obstinado de companheiros encrencados, era inevitável e lhe rendia dividendos. Setores tradicionalmente refratários ao PT estendiam o tapete vermelho para ela. Lula acompanhava esses movimentos com um pingo de desconfiança. A petistas ressabiados, dizia que Dilma, ao usá-lo como escada, engambelava setores conservadores da sociedade, conquistava a simpatia da mídia e se fortalecia. Além de competente, seria esperta. Em 2012, surgiram os primeiros ruídos entre os dois. Agindo de modo republicano, Dilma desprezou a ideia de Lula de usar uma CPI do Congresso para intimidar a imprensa e o Ministério Público. O contraponto com o antecessor, de novo, era inevitável.
Em março de 2013, a presidente bateu recorde de popularidade. E justamente aí começou sua derrocada. Mandona, centralizadora e irritadiça, Dilma tornou-se imperial. Enviava projetos ao Congresso para aprovação - sem direito a debate, afago ou cafezinho com os parlamentares. Na economia, recorreu à batuta do intervencionismo e determinou a redução, na marra, das taxas de juros e da conta de luz, e ainda tentou tabelar o lucro de empresários, emperrando uma série de projetos. A inflação já dava seus primeiros galopes. Apreensivo, Lula passou a mandar recados à sucessora.
Os porta-vozes do petista ecoavam as queixas do empresariado contra a mão pesada da presidente e defendiam uma troca de comando no Ministério da Fazenda. Dilma, cuja dificuldade para reconhecer os próprios erros tem contornos patológicos, ignorava olimpicamente as advertências. Foi assim até as históricas manifestações de rua de junho de 2013, que dinamitaram sua popularidade. Do centro do ringue, Dilma foi jogada às cordas. Aproveitando essa fragilidade, petistas e empresários, como Marcelo Odebrecht, preso pela Operação Lava-Jato, lançaram um movimento para trocar Dilma por Lula como candidato à Presidência em 2014. Alegavam que Dilma estava tirando a economia dos trilhos. A presidente, tratada agora como incompetente e amadora, resistiu à pressão, manteve-se no jogo e, cumprindo sua própria profecia, fez o diabo para conquistar um novo mandato.