A desaparição das esquerdas no Brasil só ecoa uma perspectiva global dos
nossos dias. É só deparar a ruína do socialismo francês, despencado
para o quinto lugar nas opções eleitorais do país, ou o esvaziamento
espanhol e a agregação à chanceler Merkel dos contingentes restantes do
que poderia ser a sua contraposição na Alemanha.
Verificamos, ao contrário, esta cumulação das direitas em superdireitas,
e toda a série de novos extremos partidários ao redor do mundo. É o que
leva, inclusive, em tal radicalização, a confundir estabilidade com
mudança, e à confusão de programas como o do governo Bolsonaro. Só
deparamos o entulho do setor público, ao se cogitar, hoje, da sua
privatização. Claro, como já viram os especialistas, ela envolve uma
primeira desconcentração dessas atividades e, por força, a gradação dos
setores a virem ao domínio particular. Não tem o governo ainda a noção
da escalada desestatizante, e dos seus círculos viciosos, senão de seus
bloqueios. Além disso, o Executivo não se decidiu ainda sobre a entrada,
ou não, do capital estrangeiro nessa nova frente, e do volume e impacto
de seu aporte.
Ressente-se de qualquer novo protagonismo de esquerda nessa alternativa,
tanto se depara a evanescência do PT e de seu corpo político. Só se
multiplicam os donatários das antigas siglas, ciosos da sua
independência, e hoje prisioneiros de um irredutível divisionismo
programático. Fica a interrogação sobre Ciro Gomes, na expectativa de
seu retorno, na retirada siberiana a que se voltou. Mas expõe-se a um
protagonismo obsoleto, numa torna descompassada.
Nenhuma nova liderança emerge para polarizar o desempenho que Lula
encarnou, e agora vemos o abate do personagem, mas a deixar intactos a
relevância de seu papel na história brasileira e seu carisma
incontornável. O quadro é implacável para que nele se possam arriscar
novas ambições políticas. E é sobre esse cenário falseado que Bolsonaro
pode —até quando? — desfrutar de uma imunidade histórica.
Candido Mendes - O Globo