Ao agir de forma descarada em sua defesa, STF une contra si a opinião pública
Há uma campanha injusta contra o Supremo Tribunal Federal por parte de
uma militância de extrema direita, que chega a falar em "fechar o STF". É
um eco da ideia lançada pelo deputado Eduardo Bolsonaro de que, caso a
Suprema Corte se colocasse contra a Presidência de seu pai por qualquer
motivo, bastaria mandar "um cabo e um soldado" para dar conta dela.
Dito isso, é impossível não se revoltar contra o próprio Supremo quando
ele veste a carapuça do poder quase ditatorial que lhe é atribuído, e em
benefício de seus próprios membros. Ao proibir que a revista Crusoé e o
site O Antagonista veiculem o conteúdo do depoimento de Marcelo
Odebrecht à Lava Jato, em que ele menciona o ministro Dias Toffoli, os
ministros do Supremo Tribunal Federal mostram que, de fato, se julgam
acima das liberdades e direitos que valem para o resto dos brasileiros.
A informação veiculada pela Crusoé consta dos autos da Lava Jato. Não é
uma invenção do jornalista (caso em que, aí sim, seria razoável vedar
sua reprodução). Dias Toffoli errou, portanto, ao caracterizá-la de
"fake news". Pode inclusive ser que Marcelo Odebrecht tenha mentido, mas
isso em nada altera a verdade do fato noticiado: ele de fato se referiu
a Dias Toffoli em seu depoimento. Inevitavelmente, a tentativa de calar
a imprensa produz a suspeita contrária na mente da população: se
Toffoli é mesmo inocente, por que manda barrar o conteúdo da reportagem?
Além disso, a própria eficácia da decisão do STF é dúbia. Não é porque
um site tira um conteúdo do ar que ele deixa de circular pelas redes. Na
verdade, ter sido alvo de censura só aumenta o interesse das pessoas
pela matéria, que hoje em dia —ao contrário de décadas atrás— tem meios
pelos quais circular. Nos grupos de WhatsApp que formam a opinião
pública, a matéria censurada circula livremente. Quem originalmente não
se interessou agora vai atrás; e vai encontrar. No Brasil, o braço armado do Estado, que deveria ser o último recurso
para a resolução de conflitos e de problemas sociais, costuma ser o
primeiro. Em março, Dias Toffoli abrira um inquérito amplo, sem objeto
específico, para investigar supostos ataques ao STF. Agora os poderes
dados por esse inquérito são finalmente trazidos à prática, e o
resultado é assustador.
Como bem sintetizou o advogado Horácio Neiva, em seu Twitter, "o STF é, ao mesmo tempo, i) o autor da denúncia; ii) o responsável pela investigação; iii) quem decide os fatos relacionados à investigação; iv) quem determina atos judiciais no curso da investigação; v) quem define o escopo da investigação."
" Agora que a matéria da Crusoé viralizou, o STF fica ainda em piores lençóis. Primeiro porque o documento de fato existia; segundo porque a reportagem é quase inteiramente informativa e ainda conclui dizendo que não dá pra afirmar se havia algo ilegal na menção a Toffoli."
"A decisão do Min. Alexandre de Moraes usa o estranhíssimo desmentido da PGR para dizer que a matéria da@RevistaCrusoe
era fake news. O problema? A matéria não disse que a PGR recebeu os
documentos, mas sim que eles foram “remetidos” para o órgão. "
Ao agir de forma tão descarada em sua própria defesa, num processo em que ele próprio é acusador e juiz, o STF conseguiu um feito raro:
a unanimidade da opinião pública, da esquerda radical à extrema direita, voltou-se contra ele. O que não deixa de ser grave, num momento em que instituições que contrabalanceiem o poder do governo federal se tornam mais importantes para lidar com a combatividade que dele parte.
Como bem sintetizou o advogado Horácio Neiva, em seu Twitter, "o STF é, ao mesmo tempo, i) o autor da denúncia; ii) o responsável pela investigação; iii) quem decide os fatos relacionados à investigação; iv) quem determina atos judiciais no curso da investigação; v) quem define o escopo da investigação."
" Agora que a matéria da Crusoé viralizou, o STF fica ainda em piores lençóis. Primeiro porque o documento de fato existia; segundo porque a reportagem é quase inteiramente informativa e ainda conclui dizendo que não dá pra afirmar se havia algo ilegal na menção a Toffoli."
"A decisão do Min. Alexandre de Moraes usa o estranhíssimo desmentido da PGR para dizer que a matéria da
Ao agir de forma tão descarada em sua própria defesa, num processo em que ele próprio é acusador e juiz, o STF conseguiu um feito raro:
a unanimidade da opinião pública, da esquerda radical à extrema direita, voltou-se contra ele. O que não deixa de ser grave, num momento em que instituições que contrabalanceiem o poder do governo federal se tornam mais importantes para lidar com a combatividade que dele parte.
Uma sociedade bem ordenada e com direitos individuais depende de um
equilíbrio de forças sempre precário. É preciso evitar que qualquer
líder ou grupo concentre poder demais. Em tempos de polarização
ideológica e em que cada um puxa seu lado da corda com mais força, o
cuidado é redobrado. Um STF forte e respeitado nos interessa a todos.
Para isso, a tentativa de censurar uma revista é um tiro no pé.
Joel Pinheiro da Fonseca - Folha de S. Paulo
Joel Pinheiro da Fonseca - Folha de S. Paulo