Escola
ou quartel? Colégios transferidos para a PM têm vantagens artificiais, mas é
preciso achar soluções democráticas para a indisciplina
A polêmica transferência de escolas públicas para a
Polícia Militar está gerando reação intensa de educadores pelo país. A experiência começou em Goiás, e hoje ao menos 18 estados brasileiros têm colégios
públicos administrado por PMs. Nesses locais, impera um rígido código militar. Jovens
vestem fardas, são obrigados a bater continência para policiais armados, cantam
o hino nacional perfilados e decoram gritos de guerra, tal qual num
quartel. Também
não podem usar brincos, cabelos longos, ficar de mãos dadas no pátio, e por aí
vai.
O modelo que tanto causa arrepio na
maioria dos educadores tem se espalhado pelo país com a justificativa de que conta com o apoio de muitos pais e,
principalmente, devido aos bons indicadores de boa
parte dessas escolas nas avaliações de aprendizagem do MEC.
Esse
resultado, porém, foi em grande medida
conseguido graças a práticas excludentes. Em alguns desses colégios, governos permitiram que a PM fizesse seleção de alunos no
ingresso, escolhendo apenas aqueles de melhores notas.
É o mesmo que acontece ainda em muitas
escolas federais, o que dá a elas uma vantagem injusta na comparação com as
escolas públicas tradicionais. É comum nesses colégios da PM também a cobrança
de uma taxa. Mesmo com o argumento de que os pais que
não podem pagar não sofrem represálias, isso cria um constrangimento e
exclui as crianças mais pobres, dando às escolas da PM outra vantagem
artificial.
Outro
fator que precisa ser levado em consideração é que o rígido código disciplinar acaba expulsando alunos que não se adequam à
rotina de quartel. [o aluno é que tem que se
adaptar as normas da escola, da sociedade. O contrário é bagunça, estímulo a
criminalidade, a vadiagem.] Aqueles considerados problemáticos acabam expulsos
para outras escolas públicas ou, pior, abandonam os estudos e engrossam o
contingente de jovens fora da escola.
O
colunista Helio Schwartsman, ao abordar essa questão em artigo na Folha de S. Paulo, levantou outro ponto pertinente. Quem aprecia esse modelo deve ser livre para escolher colégios assim.
O problema é quando a oferta acontece nas redes estaduais ou municipais,
especialmente quando uma escola é repassada para a polícia. Se o estado terceiriza um estabelecimento
de ensino para a PM, pode então abrir espaço para o Exército, o MST,
Igrejas ou outras instituições que também poderiam querer impor a alunos da
rede pública seus valores e visões de mundo. [ATENÇÃO:
não confundir PM, Exército, Igrejas com organizações criminosas – o MST é uma
organização criminosa, um movimento sem registro legal, portanto, sem
existência jurídica e que costumeiramente pratica ações criminosas. Ao comparar
Forças Armadas, Forças Auxiliares e mesmo instituições sérias com a gang ‘mst =
movimento social terrorista’ o colunista pisou na bola e deixou claro sua
tendência a estimular a desordem, o desrespeito a valores tradicionais,
incluindo familiares.]
Trata-se,
como argumentou Schwartsman, de uma violação à ordem republicana. Além disso,
acrescento o óbvio: gerir escolas nunca foi atribuição
da polícia. [nas condições atuais, em que
se tornou rotina alunos agredirem professores pelos motivos mais banais, as
escolas notadamente as de primeiro grau
estão se tornando escolas de bandidos.
Não pode ser aceito é que para não violar
a ordem republicana – excelente nos países civilizados, em que a criminalidade
é a exceção, enquanto que no Brasil está se tornando a regra, a norma – se
viole a ORDEM PÚBLICA.]
Há, porém, um fator que não pode
ser desprezado, e que apareceu em quase todas as
reportagens sobre essas escolas: a maioria dos pais ouvidos, e
até mesmo os alunos, demonstram satisfação com a mudança.
Em muitos
desses estabelecimentos, há relatos de
filas de espera por vagas. A razão mais citada para
demonstrar apoio ao modelo policial é
que ele trouxe disciplina a escolas onde, em muitos casos, relatos de violência e desrespeito entre
alunos e professores eram constantes. Se a escolha se
resume entre o caos completo e uma disciplina rígida, mesmo que
autoritária, é compreensível que muitas famílias
prefiram a segunda opção.
Para impedir o avanço de escolas
em mãos da PM, é preciso capacitar e dar condições a diretores e professores
para fazerem uso de instrumentos democráticos para combater a indisciplina.
Há exemplos de sucesso, mesmo no Brasil. Mas eles precisam ser melhor estudados
e disseminados, antes que mais governos
cedam à tentação autoritária de transformar escolas em quartéis. [a democracia é excelente; mas, vez ou outra, não pode ser adotada de
forma excessiva, por se tornar prejudicial.
Tudo em excesso, incluindo a
democracia, não faz bem.]
Leia aqui
um
exemplo de diretor que reduziu a indisciplina sem autoritarismo. E veja aqui coluna
oglobo.globo.com/sociedade/campeao-de-indisciplina-15474472 que cita
estudos sobre o tema.
Por fim, sugiro a leitura desta reportagem de Renata Mariz feita para O Globo no ano passado - Polícia assume escola em área violenta de Manaus e impõe rotina militar - Alunos batem continência e são proibidos de usar celular; só este ano, cinco foram expulsos, mas Ideb melhorou - onde há inclusive um vídeo que mostra a rotina de uma escola da PM em Manaus, e o relato de pais e alunos sobre a mudança.
Fonte: Blog do Antonio Gois