Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador sem pólvora. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador sem pólvora. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Sem saliva, sem pólvora - Eliane Cantanhêde

 O Estado de S.Paulo

Como Geisel e Aureliano, Mourão dá um choque de realidade nos absurdos

A ira despudorada do presidente Jair Bolsonaro não é só contra o futuro presidente da maior potência do planeta e o governador do principal Estado do Brasil, mas também contra o seu próprio vice-presidente, o general de quatro estrelas Hamilton Mourão, que parece, no íntimo, se divertir com o descontrole e os absurdos do presidente, que vira piada mundo afora.

Quando acaba a saliva, tem de ter pólvora.” A patética ameaça de Bolsonaro foi dirigida a Joe Biden, mas poderia ter sido para Mourão, já que os dois estão sem se falar. Acabou a saliva e sobrou a pólvora entre eles, lembrando João Figueiredo e Aureliano Chaves. A diferença é que Figueiredo era general e Aureliano, civil; Bolsonaro é capitão e Mourão, general. [não estamos autorizados a falar em nome do general Hamilton Mourão, mas ousamos afirmar com convicção que consoante as normas que disciplinam os militares, ainda que na reserva, o general-de-exército Hamilton Mourão se considera, sem nenhum trauma ou complexo, subordinado ao presidente da República Federativa do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, que nos termos da Constituição vigente é o comandante supremo das Forças Armadas, ainda que este seja um capitão do Exército.

Deixando o presidente Bolsonaro a presidência da República, após um, dois ou mais mandatos, o general passa a ser superior  hierárquico do capitão Bolsonaro. Enquanto permanecer na presidência da República e o general Mourão na vice-presidência, hão há vínculo de subordinação entre os dois - exceto quando o vice-presidente recebe do presidente uma missão = caso presente da atribuída ao vice-presidente do Conselho da Amazônia.

Se percebe em alguns colunistas  a nítida intenção de maximizar, com viés negativo[1], eventuais comentários do presidente em relação ao vice e deste em relação àquele = tais profissionais perdem tempo e credibilidade.]

O último presidente do regime militar também era destrambelhado, não raro ridículo, mas não estimulava golpistas, nunca ameaçou presidente nenhum, muito menos o dos EUA, nem pôs a saúde dos brasileiros em risco por ignorância e autoritarismo. O médico sanitarista Paulo Almeida Machado foi muito bem no Ministério da Saúde.

Figueiredo também abandonou o governo para lá, mas na ditadura não havia votos nem reeleição e ele não se lançou nos braços do Centrão da época e não saiu agredindo o Guaraná Jesus e as pessoas como “maricas” e “boiolas”. [que tal os fabricantes do guaraná, que graças ao nosso presidente ganhou publicidade gratuita, não dão ao produto à cor natural do fruto que o denomina. Afinal, conforme a ministra Damares, baseada em conceito secular, menino veste azul e menina veste rosa.]   Quanto mais Figueiredo afundava no ridículo, mais Aureliano liderava a dissidência, civil e logo militar, pela redemocratização.

Por trás disso, impunha-se a autoridade do general Ernesto Geisel, que antecedeu Figueiredo, patrocinou sua ascensão à Presidência e depois se tornou fator decisivo para acordar as Forças Armadas contra o desmando, a bagunça e o próprio Figueiredo. Entre o Brasil e o seu apadrinhado, Geisel ficou com o País. Em outras dimensões e circunstâncias, Mourão tem mais diplomacia do que Geisel e Aureliano, mas corrige e tenta justificar o presidente e sua força é sua fraqueza: Bolsonaro não engole as comparações com seu vice, homem culto, que morou fora, fala línguas, gosta de livros, história e geopolítica. Como não suporta as comparações, Bolsonaro não suporta o próprio Mourão.

Quando o presidente desmentiu o general Eduardo Pazuello e disse que o governo não compraria a vacina “da China” ou “do Doria”, Mourão declarou: “Vai comprar, sim. Lógico que vai”. Quando o presidente fez birra e se recusou a cumprimentar o vitorioso nos EUA, Mourão foi mais ameno: ele deve estar esperando o resultado oficial...[O general Mourão certamente se referia à vacina que primeiro for aprovada pela Anvisa e demais órgãos de fiscalização e quanto a não cumprimentar o esquerdista que obteve mais votos (o que nada significa diante do sistema eleitoral dos EUA). Curioso é que o sociólogo que presidia o Brasil na época, não cumprimentou Al Gore - teria passado  vergonha e envergonhado o Brasil, se tivesse cumprimentado alguém que teve mais votos na eleição mas não levou a presidência - não foi criticado.]

Do outro lado, só pólvora. Bolsonaro já descartou Mourão em 2022, disse que não gasta saliva com o vice sobre assunto nenhum e ontem atacou uma proposta feita pelo Conselho da Amazônia como “mentira” do Estadão, que a publicou, ou “delírio” de “alguém do governo”. Bem... o conselho é presidido por Mourão.[1]

Está em estudo a expropriação de terras de quem cometer crime ambiental e o presidente, furioso, disse que “o Brasil não é socialista/comunista” e que demitiria o autor – “a não ser que seja indemissível”. Só há um indemissível no governo. Logo, a pólvora teve destino certo. Bolsonaro diz que sua vida “é uma desgraça”, ataca tudo e todos, isola-se no mundo, no País e nas suas patologias, com pólvora, armas, ameaças e zero medo do ridículo. Sobram o Centrão, que pula fora num estalar de dedos, a “ala ideológica”, dos filhos enrolados e um punhado de bobos, e os militares, que fazem o “toma lá (cargos), dá cá (apoio)” que sempre condenaram nos políticos.

Mourão cria horizonte para o Centrão, desdenha de filhos e ideológicos e repete Geisel no fim da ditadura, dando um choque de realidade nos militares. Não é à toa que Sérgio Moro inclui o vice nas articulações que se dizem “de centro” e para 2022, mas são de resistência. Bolsonaro passou dos limites.

Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo