TCE rejeitou esta semana um edital da Secretaria de
Segurança para a compra de 750 veículos
“A gente pode conversar, mas não tira foto
minha, não. Só do carro”. O pedido é de um policial militar, que, em seguida,
começa a falar em tom de desabafo. Ele tira o veículo da sombra de um pequeno
prédio e o estaciona sob o sol forte do início da tarde de ontem para mostrar
alguns defeitos. Cita algumas falhas mecânicas e explica por que os pneus estão
carecas: — Pode
parecer estranho, mas peguei os quatro numa loja há pouco tempo. O dono vende
pneus novos para a clientela e dá os velhos para a gente. Quem trabalha com
policiamento motorizado está fazendo isso. Comerciantes, percebendo nossas têm doado peças usadas para que possamos trabalhar.
O problema
parece longe de uma solução, já que o Tribunal de Contas do Estado (TCE)
rejeitou esta semana um edital da Secretaria de Segurança para a compra de 750
veículos, que renovariam parte da frota da PM. A justificativa para a decisão:
os valores apresentados pelo governo estariam acima dos praticados no mercado.
A conta
avaliada durante uma sessão plenária realizada pelo TCE na terça-feira foi de
R$ 66.323.853,34, o que corresponde a R$ 17.058.928,70 (34,63%) a mais que uma
estimativa feita por técnicos do órgão para aquisição dos veículos. Baseados em
consultas a concessionárias e cotações da tabela Fipe, eles consideraram ideal
um gasto de R$ 49.264.925,20 com novos carros.
ORÇAMENTOS DIFERENTES
Os dois
orçamentos, tanto o da Secretaria de Segurança quando o do TCE, consideram um
acréscimo de 20% em cima dos preços devido à necessidade de instalação de
acessórios especiais, como radiotransmissores, giroscópios e sirenes. Mas, em
seu relatório sobre o edital, assinado pela conselheira substituta Andrea Siqueira
Martins, o tribunal observa que o governo estadual deveria ter fornecido a
fonte de consulta.
O TCE,
diante da diferença de quase 35% entre os valores propostos, determinou que a
secretaria deve ampliar as pesquisas de preços junto a empresas especializadas,
incluindo as de outros estados da Região Sudeste. E, em consulta ao Sistema
Integrado de Gestão e Administração da Frota da PM, o tribunal verificou que,
em abril, 986 viaturas não tinham condições de rodar. O número corresponde a
38% do total de carros da corporação (2.594). No entanto, no dia 13 deste mês,
o colunista do GLOBO Ancelmo Gois informou que o percentual de carros da PM
parados por falta de manutenção já chegava a 52% (1.349).
Anteontem,
quando o TCE divulgou sua decisão, a repórter fotográfica do GLOBO Márcia
Foletto flagrou seis policiais militares empurrando uma caminhonete quebrada
durante patrulhamento na Vista Chinesa. A situação da frota é tão ruim que
mexeu com os sentimentos do mecânico José Ednaldo Jerônimo, que deixou sua
terra natal, João Pessoa, há 35 anos e hoje é dono da Jerônimo’s Car, no Rio
Comprido. Ele conserta, em média, dois carros da PM por dia. Ontem, um da
corporação e um da Polícia Civil estavam na oficina do paraibano para reparos. — Trazem
para cá viaturas totalmente quebradas. Vêm em reboques ou puxadas por outros
carros. Faltam pastilhas de freios, velas, cabos, correias, tantas peças...
Sinto que tenho o dever de ajudar. O último carro da PM que recebi está com
pneus carecas, elevadores dos vidros das janelas precisando de reparos,
para-choque arrebentado e lanternas e faróis quebrados. Pego viaturas de tudo
quanto é lugar, até do batalhão do Leblon (23º BPM).
A
quantidade de veículos que a Secretaria de Segurança tenta comprar representa
quase um terço (28,9%) da frota atual da Polícia Militar. O TCE deu prazo de 30
dias para que seja feita a revisão do orçamento. Mas um outro edital da pasta
foi aprovado pelo tribunal: o de chamamento público para oficinas que queiram
prestar serviços de manutenção preventiva e corretiva em veículos da PM. Com
uma verba prevista de R$ 93.662.160,00, o documento prevê gastos com
fornecimento e instalação de peças que atendam às recomendações dos fabricantes
dos carros.
A
Secretaria de Segurança informou que vai encaminhar a decisão do TCE à PM,
responsável pela elaboração do edital para compra de veículos. A corporação
ficará encarregada de fazer os ajustes propostos e prestar esclarecimentos ao
tribunal.
O Globo