Refugiados no túnel do tempo, partidos e candidatos dissimulam a incapacidade de entender o eleitorado, que enxerga um confronto entre o Estado e os cidadãos
Três
partidos foram ao Supremo Tribunal Federal pedir música na campanha eleitoral.
“Não é apenas entretenimento” — argumentam PT, PSOL e PSB na ação (ADI 5970) —,
“mas um legítimo e importante instrumento para manifestações de teor político”.
Desejam
voltar à era dos showmícios, quando candidatos atraíam o público às praças com
a magia musical e, nos intervalos, vendiam alegres utopias, logo desmentidas
pela realidade. Quem mais abusou do artifício foi Fernando Collor, na campanha
em que derrotou Lula 29 anos atrás.
Na
essência, esse bloco partidário que se autodenomina de esquerda protocolou no
Supremo uma confissão de impotência para renovar seu projeto, lideranças, meios
de se comunicar e a própria mensagem. O refúgio
no túnel do tempo ajuda a dissimular a incapacidade de entender as ansiedades
do eleitorado, que não vê uma cisão entre “trabalhadores” e “burguesia”, mas
enxerga com nitidez um confronto entre Estado e cidadãos, entre a sociedade e
seus governantes — como demonstram pesquisas do PT na periferia de São Paulo.
Em Pernambuco
tem-se outro exemplo dessa fuga nostálgica. Partidos e candidatos se
transformaram em reféns de dois personagens — um mito e um encarcerado. Morto há
13 anos, o ex-governador Miguel Arraes paira sobre a cena estadual em que se
tornou mítico, depois de dominá-la por mais de cinco décadas. Dois dos três
candidatos ao governo estadual disputam sua memória nessa eleição. De um
lado está Paulo Câmara, governador em busca da reeleição pelo PSB. Burocrata do
Tribunal de Contas, foi ungido por Eduardo Campos, neto de Arraes, quando
deixou o governo em 2014 para se candidatar à Presidência da República (Campos
morreu num acidente aéreo).
Na
oposição está Marília, 34 anos, neta de Arraes. Vereadora no Recife, rompeu com
os primos do PSB e migrou com o sobrenome para o PT. É candidata ao governo
contra a vontade da burocracia petista, que deseja sua renúncia. Motivo: uma
aliança com o PSB aumentaria em 51% o tempo de propaganda eleitoral do PT (de
171 para 258 minutos). Paulo e
Marília também cultuam Lula, pernambucano do agreste, há mais de cem dias
cumprindo pena em Curitiba por corrupção e lavagem de dinheiro. Ao ritual
juntou-se um terceiro candidato a governador, Armando Monteiro (PTB), cuja
origem remonta às usinas de açúcar e ao sistema financeiro.
À sombra do
mito e do cárcere criou-se um impasse entre o PSB dos Arraes e o PT de Lula.
Derivou na imobilização de quatro partidos (PCdoB, PDT, Pros e Rede). No fim de
semana, o PT adiou suas convenções no Amazonas, Amapá, Maranhão, Minas Gerais,
Paraíba, Tocantins e Rondônia. Embriagados
de nostalgia, eles se abstraem do debate de alternativas reais às agruras do
presente compartilhado por 175 milhões de dependentes da combalida rede pública
de saúde, e por 13,5 milhões de desempregados que perambulam no inverno das
maiores cidades.