Durante operação da Seop, eles vendiam seus produtos na Rua Siqueira Campos
Para
quem passa, não há nenhuma ordem na confusão de ambulantes que vendem pelas
ruas do Rio produtos roubados, falsificações grosseiras e contrabando.
Observando de perto, a história é outra: cada pedaço do espaço público tem um
xerife. Um dos pontos de maior concentração de camelôs, Copacabana é o retrato
de como organizações criminosas estão loteando o Rio. Conhecidos como “Irmãos Metralha”, Sidney e Denílson Pinto "donos" de dois quarteirões da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com a Rua com a Rua Barata Ribeiro, entre as ruas Siqueira Campos e Santa Clara.
Sem fiscalização: Banquinhas de camelôs são montadas nas calçadas em
frente às lojas na Avenida Nossa Senhora de Copacabana: ambulantes são
obrigados a pagar até R$ 200 por semana aos irmãos que mandam no trecho
- Domingos Peixoto
Sem a repressão de guardas municipais e nunca condenados pela Justiça, eles são empresários das ruas há pelo menos 16 anos e controlam, com mãos de ferro, a maioria dos pontos. Para trabalhar ali, os ambulantes precisam da autorização deles, além de pagar um aluguel entre R$ 100 e R$ 200 semanais, sob pena de, em caso de recusa, serem vítimas de ameaças e até de violência.
Sem dinheiro para pagar aos irmãos, o refugiado sírio Mohamed Ali Abdelmoatty Ilenavvy, de 33 anos, foi atacado, no início de agosto, por outros camelôs, a mando de Sidney e Denílson. A descoberta foi feita pelo GLOBO na semana passada, a partir de relatos de testemunhas e ambulantes. Por trás das cenas de intolerância religiosa, que causaram repúdio à população, levando Mohamed a receber uma série de homenagens, há, na verdade, uma intensa disputa pelo espaço. Mohamed foi agredido porque tentava instalar, sem autorização da quadrilha, sua barraca para vender esfirras, na esquina da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com a Rua Santa Clara.
É possível identificar Denílson Barcelos nas imagens do ataque a Mohamed, feitas por um cinegrafista amador. Ele aparece à frente dos ambulantes, enquanto um homem, empunhando um pedaço de pau, grita palavras de intolerância. O “xerife” da área vestia, na ocasião, camisa azul clara de malha, calça jeans e uma bolsa a tiracolo preta. O refugiado sírio não registrou queixa na polícia. Mesmo com todo apoio e solidariedade que recebeu desde então — na última quarta-feira, ele foi agraciado com o título de Cidadão Fluminense na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e convidado a desfilar na Portela —, Mohamed foi obrigado a se mudar. A barraquinha, com a qual garante sua subsistência longe de seu país, teve que ser posicionada fora do alcance dos “Irmãos Metralha”. Agora, ele vende seus salgados na Rua Santa Clara, a cerca de cem metros do ponto original, que ficava mais próximo da Nossa Senhora de Copacabana.
Ambulantes, comerciantes e moradores de Copacabana revelaram que os “Irmãos Metralha” contam com a proteção de seguranças que trabalham no comércio local, quase todos ex-policiais. Também apontaram Sidney e Denílson como os responsáveis pelo fornecimento de mercadorias para outros ambulantes. Os dois contariam, de acordo com eles, com uma rede de funcionários e bancas. Camelôs legalizados confirmaram que eles controlam o espaço público, e mesmo guardas municipais admitiram temer a dupla. — Tenho medo sim. A rede da família é muito grande. Já tivemos casos de guardas municipais ameaçados — afirmou um agente municipal, que pediu para não ser identificado.
Os uruguaios teriam começado a fazer provocações, quando estavam numa lanchonete, e, no caminho, se depararam com a turma dos “Irmãos Metralha”. Graças a um outro cinegrafista amador, que filmou camelôs agredindo um dos uruguaios já caído na Nossa Senhora de Copacabana, é possível saber que o mesmo grupo foi responsável pelas cenas de violência. Treze torcedores foram detidos pela PM e levados à 12ª DP (Copacabana). Mas nenhum ambulante foi preso. — A situação poderia ficar fora de controle, se a gente não chegasse. Estavam com pedra na mão, pedação de pau. Foi rápido, mas devastador — contou um policial do batalhão da área.
Vendendo produtos variados — óculos, eletrônicos, brinquedos e roupas de marcas famosas falsificadas —, os “Metralha” se movimentam nas esquinas de Copacabana, de forma organizada. Um homem atua como “olheiro”, de prontidão num ponto estratégico, para avisar sobre a chegada da fiscalização. Uma logística ousada para driblar a repressão. Durante uma operação da Secretaria Especial de Ordem Pública (Seop), há duas semanas, mesmo com guardas municipais parados na Nossa Senhora de Copacabana, os irmãos vendiam seus produtos a apenas 50 metros, na Rua Siqueira Campos.
Bando conta com “olheiro”
Denílson, de 46 anos, tem 16 passagens pela polícia. Sidney, de 48 anos, supera o irmão: são 33. As acusações contra os dois são todas relacionadas à venda ilegal de produtos. Os primeiros registros são de 2001. Portanto, há 16 anos, eles atuam na clandestinidade. Entre as queixas já investigadas pela polícia, há de tudo um pouco: ameaça, desacato, venda de produtos falsos, pirataria. Há dez anos, os irmãos já eram conhecidos em Copacabana pelo comércio de CDs e DVDs piratas. Um registro dessa época, na Delegacia de Defraudações da Polícia Civil, chegou a virar processo na Justiça estadual, mas acabou arquivado por falta de provas. Ninguém apareceu para testemunhar. O medo impediu.
O coronel Paulo César Amêndola, titular da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), alega que o setor de inteligência do órgão tenta mapear o loteamento de ruas de Copacabana por camelôs. Ele reconheceu que há “gargalos” na fiscalização, mas sustenta que não existe “donos de calçadas” no Rio.
Fonte: O Globo