Enviaram-me notável texto de autoria do juiz federal e
professor de Direito da Universidade Federal do Paraná, Sérgio Moro. Direto e
profundo na defesa dos fundamentos institucionais, oferece um roteiro que
deveria ser padrão comportamental dos poderes da República.
Nele demonstra que investigar corrupção “não é ponto fora
da curva” como entendia o ministro Luis Barroso, do Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do mensalão. Pela
marcante atualidade, o transcreverei na sua integralidade:
1) “Em 17 de fevereiro de 1992, foi preso na Itália, Mário
Chiesa, diretor de instituição filantrópica e pública em Milão, dando início à
Operação Mãos Limpas (Mani Pulite). Após um mês, ele resolveu colaborar, alegando
como álibi o famoso “tutti rubiamo cosi”, ou “todos roubamos assim”. Dois anos
depois, 2.993 mandatos de prisão haviam sido expedidos e 6.059 pessoas estavam
sob investigação, entre elas políticos e agentes públicos. A Itália estava
mergulhada na corrupção, forjando o termo “Tangentopoli”, ou seja, “cidade da
propina”, embora fosse mais apropriado “país da propina”. Como resultado, houve
grande alteração no panorama político, propiciando um novo começo democrático,
com méritos e deméritos”.
2) E continua: “Há, infelizmente, semelhanças com o quadro atual brasileiro – e não apenas de hoje. A corrupção não tem cores partidárias. Não é monopólio de agremiações políticas ou de governos específicos. Combatê-la deve ser bandeira da esquerda e da direita. Embora existam políticos corruptos em qualquer agremiação, não há partido que defenda a corrupção.” [mas há um que a pratica como ponto essencial para alcançar, e manter, seu projeto de poder; o PT.]
3) Prossegue: “Há a responsabilidade das leis, do
Executivo e do Judiciário. Das primeiras, pela estruturação de processo penal
por vezes infindável, com múltiplos recursos que impedem que ações penais
cheguem ao fim. Do segundo, por se tornar refém da política partidária e não
adotar postura firme contra a deterioração da vida pública. Do terceiro, pela
excessiva leniência, com louváveis exceções, em relação a esse tipo de
criminalidade. É necessário alterar a situação. É preciso legislação penal que,
garantindo os direitos do acusado, permitam que os processos cheguem ao final.
Do poder Executivo, menos fechar de olhos”.
4) Mais adiante: “Imprescindível também mudança de
percepção dos juízes quanto aos males da corrupção. Se um terço do rigor contra
os criminosos do tráfico de drogas fosse transferido para os processos de
crimes de corrupção, haveria grande diferença. Em parte, o problema não é a
lei, mas de percepção dos juízes.”
5) Prosseguindo: “Defendo, em concreto que o rigor se
imponha em casos de crimes graves de corrupção. Especificamente, presentes
evidências claras de crimes de corrupção, não se deve permitir o apelo em
liberdade do condenado, salvo se o produto do crime tiver sido integralmente
recuperado. Não é antecipação de pena, mas reflexão razoável de que, se o
condenado mantém escondida fortuna amealhada com o malfeito, o risco de fuga ou
de nova ocultação do produto do crime é claro e atual.”
6) Ao final: “É fácil apresentar projeto de lei a respeito
e igualmente viável defender, mesmo sem lei, posição jurisprudencial nesse
sentido. Gostaria de ter visto isso defendido pelos candidatos à Presidência da
República ou, mesmo antes, no Congresso Nacional e nos tribunais. Enfim, a
corrupção não é um dado da natureza ou consequência dos trópicos, mas um
produto da fraqueza institucional e cultural. Como Brutus bem sabe, não é dos
astros a culpa.”
Os envolvidos na “Operação Lava Jato” e os seus advogados
deveriam observar com lentes de lupa, o histórico testemunho de fé nos valores
republicanos. O magistrado paranaense Sérgio Moro, ao demonstrar que a
“Operação Mãos Limpas” na Itália, tem semelhança com a corrupção brasileira,
demonstra que estamos enxergando a ponta de um gigantesco “iceberg”.
O propinoduto que vitimou a Petrobrás pode se transformar,
no futuro, em calvário para, os até então intocáveis, corruptores e corruptos nacionais.
O “iceberg” pode aflorar à superfície.
Por: Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.