Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador mani pulite. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador mani pulite. Mostrar todas as postagens

domingo, 14 de março de 2021

STF em chamas - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo


STF em chamas

O tiroteio do ministro Marco Aurélio em cima dos colegas Luiz Fux e Alexandre de Moraes mostra que o Supremo Tribunal precisa de uma missão pacificadora. Esse foi o barraco público. Felizmente, aqueles que ocorreram no início da semana, com outras excelências, ficaram no escurinho da Corte.
A tensão decorre, em parte, da suspensão do convívio pessoal, provocado pela pandemia.
 
O ex-presidiário continua mentiroso
Para o bem e para o mal, o novo Lula é o mesmo. Numa trapaça da história, enquanto o ex-presidente falava, Eduardo Bolsonaro, o 03, mandava que as pessoas enfiassem as máscaras “no rabo”, e seu pai, delicadamente, colocava-a no rosto.

Lula reapareceu com um discurso simples e de essência racional . Na quarta-feira, o número de mortos bateu a casa dos dois mil, num total de 270.917 (a provável população do Brasil no final do século XVII). A “gripezinha” estava no “finalzinho”, e a “conversinha” da nova onda mostrou-se mais letal que a do ano passado. Lula chamou Bolsonaro de “fanfarrão” e seu governo de “incompetente”: “Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina. Tome vacina, porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você da Covid.”

Mais: “O Brasil não é dele e dos milicianos.”
Sem a teimosia delirante do capitão, Lula também tem um pé em sua realidade paralela. Ele fala de uma “Petrobras bem dirigida, como foi no nosso governo”.  
A boa gestão no petróleo explicaria “o golpe contra a Dilma, porque é preciso não ter petróleo aqui no Brasil na mão dos brasileiros. É preciso que esteja na mão dos americanos, porque eles têm que ter o estoque para guerra.” Até aí, trata-se de uma opinião, mas Lula foi adiante:

“A Alemanha perdeu a guerra porque não chegou em Baku, na Rússia,
para ter acesso à gasolina.”
A Alemanha não chegou a Baku porque foi detida em Stalingrado no início de 1943. 
A essa altura, os nazistas já haviam sido detidos às portas de Moscou, e os Estados Unidos já haviam entrado na guerra (dezembro de 1941) e quebrado a perna do poder naval japonês na batalha do Midway (junho de 1942). A partir do final de 1942, os alemães passaram a combater numa guerra que não poderiam ganhar, mesmo que tivessem chegado ao petróleo de Baku. Isso para não se falar na bomba atômica, cujo combustível era urânio.

Falando da eleição de 1989, Lula diz: “Não ganhei porque a Globo me roubou”. A edição do seu debate com Fernando Collor foi editada com viés contra Lula, mas foi ao ar depois da transmissão da versão integral, ao vivo. Collor teve 35 milhões de votos, contra 31 milhões de Lula, que só venceu em três estados (RJ, RS e PE).

A agência Lupa checou a fala de Lula e apontou devaneios que custariam caro a Jair Bolsonaro se tivessem partido dele:
“Fachin (reconheceu) que nunca teve crime cometido por mim.”
FALSO. [MENTIRA MESMO] A decisão do ministro do STF Edson Fachin não cita, em nenhum momento, que o ex-presidente Lula nunca cometeu crimes. Ele apenas considerou que as ações do tríplex de Guarujá (SP), do sítio em Atibaia (SP) e do Instituto Lula não têm relação direta com a Petrobras e não deveriam ter tramitado na Justiça Federal de Curitiba.”

Afora casos como esses, Lula continua ligeiro. Ele já disse que Napoleão foi à China e que Oswaldo Cruz criou a vacina contra a febre amarela. Agora, referiu-se a um artigo de 2004 do juiz Sergio Moro, no qual ele teria escrito que “só a imprensa pode ajudar a condenar as pessoas.” No seu famoso artigo de 2004, Moro não disse isso. Foi preciso, referindo-se à Operação Mãos Limpas italiana: “Os responsáveis pela operação Mani Pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira.”

Lula não precisava ter exagerado.[o petista sempre mentiu e sempre mentirá - ele é a personificação da mentira.]

Bolsonaro na disputa
Com Lula e Bolsonaro disputando uma eleição, os jornalistas e as agências de checagem trabalharão como nunca.

Lula viajou pela sua realidade paralela na quarta-feira, ...

..........
Disse que o Supremo Tribunal Federal limitou a ação do governo. O que o STF fez foi garantir as iniciativas dos estados e municípios.[ao garantir as iniciativas dos estados e municípios permitindo que prefeitos e governadores tivessem o controle supremo, total e absoluto sobre medidas de distanciamento e isolamento sociais, aquelas autoridades com a falta de competência que as caracteriza (há exceções...no Brasil inteiro deve haver, se muito, uma dez) meteram os pés pelas mãos, promulgaram medidas contraditórias = foram muitas, sendo uma das mais comuns, incluindo na região metropolitana da capital paulista,  em um lado da rua tudo aberto e no outro lado tudo fechado, teve um shopping que as lojas de um lado do corredor abriram e as do outro não !!!
Deu tudo errado e agora atribuem responsabilidade ao presidente pelo fracasso do fecha tudo meia boca - a responsabilidade é deles,o presidente não interferiu, a suprema decisão atou suas mãos.
Esse imbróglio só será resolvido pelo TPI, quando chegar a hora de apurar quem fez o que, quem deixou de fazer e quem impediu que fosse feito???]

Cármen e Nunes Marques
O pedido de vista do ministro Nunes Marques alegrou o Planalto, pois a suspeição de Sergio Moro seria mais uma cereja no bolo de Lula. À primeira vista, as coisas são assim, mas se a ministra Cármen Lúcia mudar seu voto, acompanhando Gilmar Mendes, a manobra falha e carboniza Nunes Marques. A menos que ele se antecipe, condenando Moro.[qualquer brasileiro se consultado opinará que o Brasil é terra da INsegurança jurídica, sob a liderança da Suprema Corte.
Certamente, tal insegurança será reduzida, com uma medida simples: acabar com a faculdade dos ministros do STF mudarem seu voto, ainda que tenha sido proferido bem antes da mudança - os ministros do STF não são eleitos, mas o povo, o eleitor, que paga as contas,  não pode mudar o voto; qual o motivo de um ministro do STF ter plenos poderes para mudar mudar, quando lhe aprouver? será uma maneira de criar suspense?]

Folha de S. Paulo - Jornal O Globo - Elio Gaspari, jornalista - MATÉRIA COMPLETA
 

domingo, 1 de setembro de 2019

O inferno de Moro, uma tragédia brasileira- Elio Gaspari





Folha de S. Paulo - O Globo

Há dois anos seria forte candidato à Presidência; hoje é uma fritura ambulante

Ministro é hoje uma fritura ambulante. Fritam-no (ou frita-se) no Planalto, no Congresso e no Judiciário

Quando decidiu largar a toga, trocando o altar da Lava-Jato pelo serpentário de Brasília, Sergio Moro fez uma escolha arriscada. Ele havia se tornado um símbolo da luta contra a corrupção, mandando para a cadeia gente convencida de que aquilo era lugar de preto e de pobre. Na última quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro chamou-o de “patrimônio nacional”, mas Moro e as paredes do Planalto sabem que há poucas semanas ele o chamava de outra coisa. Quem já fritou um bife sabe que é preciso virar a carne, para não queimá-la. Moro é hoje uma fritura ambulante. Fritam-no (ou frita-se) no Planalto, no Congresso e no Judiciário. 

[atualizando: a matéria sobre a fritura do ministro Sérgio Moro tem como fonte principal supostos diálogos que constam da divulgação pelo site intercept = intercePTação - que continuam sendo produto de crime e sem autenticidade comprovada. 
Essa atualização se torna oportuna devido as tais conversas já estarem no lixo do esquecimento.]


Há dois anos ele seria um forte candidato na disputa pela Presidência da República. Essa viagem do paraíso ao inferno é uma tragédia brasileira que aponta para algo maior que ele. Mostra os vícios de soberba inerente à ideia do “faço-porque-posso”. Em 2004, antes de se tornar famoso, o juiz Sergio Moro escreveu um artigo sobre a Operação Mãos Limpas italiana e disse o seguinte: “Os responsáveis pela Operação Mani Pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. (...) A investigação da ‘Mani Pulite’ vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no ‘L’Expresso’, no ‘La Repubblica’ e outros jornais e revistas simpatizantes. (...) Os vazamentos serviram a um propósito útil.” 

Moro e os procuradores da Lava-Jato repetiram a mágica. Agora queixam-se de vazamentos, e o ministro da Justiça lastimou que seus projetos “não têm tido a necessária exposição na imprensa”. O doutor não percebeu a mudança climática a que se submeteu trocando Curitiba por Brasília. Era um juiz que encarnava o combate à roubalheira e, junto com os procuradores, era também a melhor fonte de notícias. 

Afinal, era preferível ouvir Moro ou Deltan Dallagnol a dar crédito às patranhas virginais de empreiteiros ou de comissários petistas. Moro, Dallagnol e os procuradores sempre souberam que seus serviços seriam avaliados nas cortes superiores de Brasília. Confiaram numa inimputabilidade que lhes seria concedida pela opinião pública, até que vieram as revelações do The Intercept Brasil e, acima de tudo, a decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou a sentença de 11 anos de prisão imposta a Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil.


Os inimigos do procurador Dallagnol acusavam-no de manipular a fama com palestras bem remuneradas, mas ninguém seria capaz de supor que de 20 palestras vendidas entre fevereiro de 2017 e fevereiro de 2019, cinco fossem patrocinadas pelo plano de saúde Unimed, com um tíquete médio de R$ 32 mil. Em setembro de 2018 o procurador queria ir à Bahia e perguntou a uma agenciadora: “Será que a Unimed Salvador não quer me contratar para uma palestra na semana de 24 de setembro?” (A Lava-Jato passou ao largo dos planos de saúde.) 

Dallagnol fez o que achava que podia fazer. Desde o aparecimento das mensagens obtidas pelo Intercept, os procuradores da Lava-Jato e Sergio Moro encastelaram-se numa defesa suicida de silêncio e negação. Danificaram a alma da Lava-Jato com a soberba do encastelamento que levou as empreiteiras e os comissários do PT à ruína e à cadeia.Para Moro, a conta do “faço-porque-posso” veio na semana passada, com a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. 


Alberto Toron estava certo
No dia 19 de janeiro de 2018 o advogado Alberto Toron, defensor de Aldemir Bendine, encaminhou ao então juiz Sergio Moro um pedido para que seu cliente apresentasse seus argumentos finais depois de conhecer os memoriais de Marcelo Odebrecht e de outros colaboradores que o acusavam de receber propinas. Toron argumentava que eles eram réus, mas haviam se transformado em acusadores, em situação que “se assemelha ao papel de um assistente do Ministério Público”. Quatro dias depois, Moro negou o pedido. Pouco custava aceitá-lo. Sua decisão foi ratificada em duas instâncias superiores, até que na semana passada, por três votos contra um, a Segunda Turma do STF anulou a sentença de Moro que condenou Bendine a 11 anos de prisão, por ter cerceado sua defesa. Talvez o resultado fosse, quatro a um, se o ministro Celso de Mello estivesse na sessão.


Vale a pena voltar no tempo. Na véspera do pedido de Toron, dois procuradores da Lava-Jato discutiam o projeto de colaboração do ex-ministro Antonio Palocci e achavam que ele estava enrolando. Um deles cravou: “Pensamos numa entrevista com o candidato, colocando de modo claro que ou ele melhora, ou vai cumprir pena.”
Moro rebarbou o pedido de Toron no dia 23. Dois dias depois os procuradores da Lava-Jato romperam as negociações com Palocci, que começou a negociar uma colaboração com a Polícia Federal. 


Uma coisa nada teve a ver com a outra, mas ambas tiveram a ver com o “faço-porque-posso”. Moro achou que podia, assim como Palocci achou que podia oferecer sua colaboração à Polícia Federal. Conseguiu, e em abril fechou seu acordo com a PF. Daí em diante, num ano eleitoral, as revelações de Palocci começaram a vazar.
Os dois “faço-porque-posso” encontraram-se no dia 1º de outubro, seis dias antes da realização do primeiro turno da eleição presidencial, quando Sergio Moro divulgou o teor de um anexo da confissão de Antonio Palocci à PF. Como logo disse uma procuradora, “o acordo é um lixo”, mas teve eficácia eleitoral. Moro fez porque podia.


Semanas depois Jair Bolsonaro foi eleito, e Moro aceitou o convite para o Ministério da Justiça. (Segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, o primeiro “contato” da equipe de Bolsonaro com Moro ocorreu antes de segundo turno.)
Achavam, mas não podiam. 

(...)


Rodrigues Alves

Bolsonaro repete que quem manda no governo é ele. Faria bem se refletisse sobre o que dizia o grande presidente Rodrigues Alves (1902-1906): Meus ministros fazem tudo o que eles querem, menos o que eu não quero que eles façam.



Elio Gaspari, jornalista - Folha de S. Paulo - O Globo



sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Juízes, respeitem a cidadania!

Historicamente, muitos magistrados usaram a lei como instrumento de opressão e tirania

A campanha contra a corrupção atinge décadas de existência, no mundo e no Brasil. Fenômeno social, político, econômico, suas causas e seus resultados têm muitos sentidos. Erro é o entender com análises que o cindem entre o bem e mal, o aceitável e o proibido. Oportunismos vários recortam a vida coletiva de maneira maniqueísta: o nosso lado nunca sofre erros; já o canto oposto... responde por tudo o que dissolve os laços éticos. Tais indignações sempre são seletivas. Pode nosso parceiro cometer as piores vilanias, ele encontrará desculpas em nossas almas. Mas as hostes inimigas, mesmo em caso de pecadilho, transformam-no no agente de Lúcifer.

Se escutamos fanáticos que agem segundo slogans, pouco podemos reclamar do seu primarismo. Seitas seguem líderes de modo apaixonado. Basta que sejam ouvidas falas contrárias às do agrupamento, logo os gestos se tornam agressivos. O pensamento exige diálogo entre diferentes (a mesmice impede saberes novos), mas o sectário nada capta sobre realidades complexas. Preocupa, no entanto, encontrar pessoas que deveriam dedicar-se à reflexão, mas aceitam esquemas binários. Elas racionalizam fatos, dão aos parceiros frases para justificar táticas hediondas.

Baseado em tal constatação, Jean-Paul Sartre distingue o filósofo do ideólogo. O primeiro busca o verdadeiro, o segundo dispensa a busca factual e lógica. O próprio Sartre agiu com as duas faces, a filosófica e a ideológica. A primeira, ao investigar a liberdade, os atos intencionais da consciência. A segunda, ao defender regimes como o da União Soviética. Mas ele se ergueu contra a invasão da Hungria em 1956. O mesmo indivíduo pode assumir certa atitude, depois outra. Imaginemos povos inteiros, cuja oscilação entre o pacífico e o truculento, o moral e o criminoso, conduz às guerras.

A campanha contra a corrupção exige cautelas. Na História temos casos de indivíduos que, ao guerrear o que julgavam corrupto, foram vencidos. O símbolo dos justiceiros encontra-se em Savonarola, “profeta desarmado”. Quando vencia, massas o seguiam, ébrias de certezas. Ai dos pecadores! Acabou na fogueira e a República seguiu costumes de antanho. A frase maquiavélica sobre o monge não é exata: suas armas estavam na mente dos que o idolatravam. Quando popular, o dominicano não precisava mover exércitos. A massa crente, ruidosa como o vendaval, servia-lhe como arma.

No Brasil, surgem inúmeros profetas, sobretudo no Judiciário,
líderes da campanha em prol da pureza radical. Quase nenhum deles recorda a experiência do irado monge. Usam a receptividade do tema em estratos da população para atacar corruptos, reais ou supostos. Olvidam o fato notório: a fama aparece e some em pouco tempo. Uma sociedade abriga os mais contraditórios interesses e causas. Em determinado instante, certo tema ocupa as mentes e os corações. Quando surge outra ameaça, o interesse público a teme e amplia.

Todos os que estudaram a famosa Operação Mãos Limpas
conhecem o seu instante de glória, quando muitos políticos foram presos, expulsos da vida oficial. Mas depois vieram as réplicas. Juízes e promotores perderam apoio, a Grande Causa foi obliterada pelo ramerrão político ou eleitoral. Partidos foram destroçados. Mas outros, tão corrompidos quanto, surgiram para controlar o Legislativo e o Executivo. E tutto rimane come sempre... Magistrados fundaram partidos que poucos votos tiveram. Hoje eles andam pelo mundo para explicar o seu fracasso. Poucos atores da Mani Pulite criticaram a si mesmos, pois, como é “evidente”, a culpa da hecatombe corrupta deveria ser atribuída aos outros, os ardilosos que agem nas sombras... Outra nota do fanatismo: ele é orgulhoso, deseja para si a perfeição plena. Os defeitos, ora, encontram-se nos terrenos alheios...

O Judiciário brasileiro procura se defender das críticas a ele enviadas pelos diversos setores políticos, sociais, ideológicos, econômicos. As reações contra magistrados a eles soam como crimes de lesa-majestade... divina. Tal atitude foi resumida pela ministra Cármen Lúcia ao inaugurar o atual ano de trabalho. “Não há civilização nacional enquanto o direito não assume a forma imperativa, traduzindo-se em lei. A lei é, pois, a divisória entre a moral e a barbárie”.

O nobre Rui Barbosa que nos desculpe, mas é árduo identificar plenamente “lei” e “juízes”. Da Ágora que condenou Sócrates aos tribunais de exceção do século 20 (e do 21...), muitos e muitos juízes usaram a lei como instrumento de opressão e tirania. É recomendável a leitura do livro tremendo de Eric Voegelin, Hitler e os Alemães. No Brasil da era Vargas e do regime imposto em 1964, juízes em grande quantidade “aplicaram imperativamente as leis” de modo inclemente e desumano. Tais normas ofendiam o Direito, a liberdade, a dignidade dos governados. Cito um correto comentário ao discurso da magistrada: ela não mencionou, mas o Poder Judiciário, “com frequência crescente, descumpre as leis, criando-as à revelia do Congresso, instituição moldada para legislar. (...) As decisões da Justiça devem ser respeitadas. Mas é igualmente certo que, em primeiro lugar, quem deve respeitar a lei é o juiz. O fundamento para o respeito às decisões judiciais não é a autoridade do magistrado, como se sua voz tivesse um valor especial por si só. A decisão da Justiça tem seu fundamento na lei, votada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo” (O Estado de S. Paulo, A responsabilidade do Judiciário, 2/2/2018, A3).

As ordens do Supremo Tribunal Federal são atenuadas mesmo por instâncias inferiores do Judiciário. O caso da Súmula Vinculante de número 11 é claro. Enquanto tal situação permanecer, e o cidadão for humilhado pelo poder sem peias de juízes, sempre que ouvirmos suas falas com ataques à vida social brasileira, devemos proclamar: medice, cura te ipsum (médico, cura a ti próprio)!

Roberto Romano - Professor da Unicamp
 

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Dure o tempo que durar



Já que parece mesmo impossível controlar a Lava Jato ou cortar-lhe as asas, chegou a hora de apelar à tese da ingovernabilidade
Em encontro com empresários no dia 16 passado, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, fez elogios à Operação Lava Jato e disse que o presidente em exercício Michel Temer apoia as investigações, mas fez uma significativa observação: “Tenho certeza de que os principais agentes da Lava Jato terão a sensibilidade para saber o momento em que eles deverão aprofundar ao extremo e também de caminhar rumo a uma definição final”, pois só assim serão evitados “efeitos deletérios”. Com isso, o ministro jogou a cartada da possibilidade do colapso do sistema político – como aconteceu com a Mani Pulite, na Itália – para evitar que a Lava Jato vá, segundo sua opinião, longe demais.

Muito se tem dito, quase sempre em tom de denúncia, a respeito de manobras e conchavos de políticos graúdos para interferir nas investigações da Lava Jato. Meias-palavras captadas em grampos, ditas na maioria das vezes em tom de mero comentário, têm sido suficientes para dar impulso a teorias conspirativas de todo tipo, alimentadas pela sensação geral de que, como as coisas vão, ninguém se salvará em Brasília.

 Isso não significa que os parlamentares que se viram envolvidos ou temem em breve vir a sê-lo não tenham o desejo de enterrar a Lava Jato, já que a operação está a lhes depenar a galinha dos ovos de ouro. Mas o fato concreto é que, se houve ou há qualquer intenção de atrapalhar a Lava Jato, e se essa intenção foi de alguma forma transformada em manobra concreta, a tramoia foi até aqui muito malsucedida, pois raros são os dias em que não aparecem novas denúncias a sacudir o mundo político. Por essa razão, já que parece mesmo impossível controlar a Lava Jato ou cortar-lhe as asas, chegou a hora de apelar à tese da ingovernabilidade ou de reação avassaladora contra o movimento moralizador, como fez Padilha.

Para ilustrar os “efeitos deletérios” aos quais fez referência, o ministro lembrou da Operação Mãos Limpas, investigação italiana que inspirou a Lava Jato. Segundo Padilha, na Mãos Limpas “não houve essa sinalização” a respeito do fim dos trabalhos, como ele espera da Lava Jato. O resultado foi a destruição de alguns dos principais partidos políticos italianos, envolvidos em grossa corrupção, e a ascensão do populismo aventureiro de Silvio Berlusconi. “Eu vi e li o que aconteceu com a Operação Mãos Limpas na Itália. 

Todos eles (da Lava Jato) conhecem tanto quanto eu. Temos que fazer com que tenhamos o melhor resultado possível”, explicou Padilha mais tarde aos jornalistas, sugerindo que o “melhor resultado possível” é aquele obtido até agora, sem necessariamente avançar mais.
Essa tem sido, aliás desde sempre, a principal crítica dos adversários da Lava Jato, mas trata-se de uma falsa questão. De fato, a investigação na Itália, nos anos 1990, dizimou o sistema político, e o vácuo de poder criado foi logo ocupado por Berlusconi.

Mas atribuir essa situação à Operação Mãos Limpas, que apenas cumpriu sua missão de prender os assaltantes do Estado italiano, é isentar de responsabilidade os partidos, os líderes políticos e os empresários que haviam transformado a democracia representativa em um meio eficaz de enriquecimento. E que, depois, reconstruíram os mecanismos de impunidade que haviam sido demolidos pelos promotores e juízes. Não haveria necessidade de Operação Mãos Limpas se, antes, não houvesse sujeira nas mãos.

Entende-se a preocupação do mundo político com a Lava Jato. A corrupção, que era apenas resultado de oportunidades criadas pelo gigantismo do Estado no País, graças aos governos do PT transformou-se em um método de administração e de manutenção do poder. O que a Lava Jato está revelando, pedaço por pedaço, é o esquema de sequestro do Estado para fins de perpetuação de uma casta política, totalmente indiferente ao voto recebido na urna – obtido, aliás, por meio de campanhas financiadas com dinheiro roubado de estatais.

É esse o círculo – virtuoso para seus usufrutuários criminosos – que está a caminho de ser rompido. Faz sentido que os políticos queiram “concluir” a Lava Jato antes que toda a verdade seja conhecida. Do ponto de vista da sociedade, porém, está mais do que claro que a LavaJato deve durar o tempo que for necessário, até que todos os que exploraram a democracia para se locupletar paguem pelo que fizeram.

Fonte: Editorial – O Estado de S. Paulo