De onde vem a onda conservadora - Por que ele está quase lá
O que explica a ascensão de Jair Bolsonaro, o candidato de 49 milhões de votos que quase liquidou a fatura no 1º turno das eleições e segue como franco favorito para ocupar a cadeira presidencial a partir de 2019
Em 1992, James Carville, estrategista da campanha de Bill Clinton, do Partido Democrata, na disputa pela Presidência dos Estados Unidos contra George Bush, concorrente à reeleição, cunhou um mantra para o resultado de qualquer refrega política: “É a economia, estúpido!”.
O termo pouco educado pretendia mostrar que é a questão econômica a balizadora dos resultados eleitorais. No caso, Carville apostava que a crise americana superaria o sentimento de resgate da autoestima do cidadão obtido após a vitória na Guerra do Golfo.
O que se confirmou e garantiu a vitória de Clinton. As eleições brasileiras de 2018 parecem contrariar o mantra de Carville. No caso, o que definiu o resultado das urnas foi “a política, estúpido!”. E nenhum outro candidato beneficiou-se dessa nova ordem de forma melhor que Jair Bolsonaro, do PSL. “Houve uma mudança profunda no sentimento do eleitor, que a maior parte dos candidatos, à exceção de Jair Bolsonaro, demoraram a perceber”, observa o cientista político André Felipe, especialista em questões municipalistas. Muitos ainda nem perceberam.
Até 2014, prevalecia o voto econômico, voltado a temas como controle da inflação, desemprego, estabilidade, desigualdade social. Este ano, não. Compõem os alicerces do voto em Bolsonaro o combate à corrupção, o enfrentamento dos problemas de segurança pública, a contestação ao establishment, que faz com que o eleitor do candidato do PSL sinta-se quase como um revolucionário dos tempos modernos, o conservadorismo, ao qual estão umbilicalmente ligados a questão cultural e os costumes – defesa da religião e de valores da família tradicional composta por “pai e mãe” contra uma agenda considerada progressista – e, claro, o antipetismo, grande responsável pela avalanche de votos na reta final.
Como disse na terça-feira 9 a senadora Ana Amélia (PP-RS), no seu primeiro compromisso após deixar de ser a candidata à vice-presidência na chapa de Geraldo Alckmin, do PSDB, o eleitor acalenta uma mudança drástica. E identifica em Bolsonaro a possibilidade. “Nós sabemos que ele, com 21 anos de mandato como deputado federal, está longe de ser exatamente o ideal. Mas o eleitor resolveu correr o risco, mesmo que seja para tirá-lo depois”, afirma ela, que franqueou apoio ao candidato.
Está embutida nesse raciocínio a constatação da força que o cidadão pode ter na transformação política. Em 2013, o mundo político ficou surpreso quando as ruas do país se encheram de manifestantes em protesto durante a. Como os antigos imperadores romanos, os governos do PT ofereciam o pão e o circo. Mas o cidadão, descontente, reclamava da corrupção e da falta de segurança. Exigia para o país o “padrão Fifa” de excelência, que os governos justificavam para construir faraônicos estádios de futebol. As manifestações cresceram. Viraram os movimentos que alimentaram o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff. Tornaram concreta a sensação de que é possível “tirar” os governantes que frustrarem suas expectativas.
Enquanto a revolta do subsolo já estava a pleno vapor, um reduzido grupo formado por uma dezena de deputados pouco conhecidos, integrantes do baixo clero da Câmara, começava a se reunir para avaliar os acontecimentos. Esses deputados percebiam que, em grande parte, somavam-se aos protestos reclamações de ordem moral mais conservadora. Especialmente, a população assustava-se com o aumento dos casos de violência. Parecia exigir maior autoridade dos governos. Ordem. Alguns mais extremados começaram a pregar o que eufemisticamente chamavam de “intervenção militar”, que nada mais era que apoiar um novo golpe como o de 1964.
O grupo de deputados começou a considerar que havia ambiente para produzir uma espécie de militarização, mas pela via democrática. Pelo voto. Um dos deputados desse pequeno grupo era Jair Bolsonaro. O ex-capitão do Exército era figura polêmica na política desde que se elegeu pela primeira vez vereador no Rio de Janeiro em 1989. No Exército, se envolvia em disputas de cunho sindical, pela melhoria dos soldos aos militares. Logo depois foi para a reserva e para o início da sua carreira política. Na qual aos poucos foi derivando da mera defesa dos interesses da corporação à defesa de uma agenda conservadora. Sem medo da polêmica, defendeu a ditadura militar, chegou a se referir de maneira pejorativa a homossexuais, atacou o que chama de “ideologia de gênero” e denunciou a existência de um “kit gay”, um material que seria distribuído nas escolas para educação sexual. Conquistou a chamada direita popular.
(...)
Essa conjunção de fatores projeta uma consolidação que muito dificilmente deverá mudar no segundo turno. A primeira pesquisa pós-primeiro turno escancara esse cenário. Mostra Bolsonaro com 58% dos votos válidos, contra 42% de Haddad. Para virar o jogo, o petista terá de tirar algo em torno de um milhão de votos por dia – quase um trabalho de Sísifo. O maior desafio para o candidato do PSL será tirar o país do atoleiro da crise, depois de eleito. Hoje, ao lado de Bolsonaro, encontra-se uma profusão de políticos de menor experiência. Mesmo com a grande renovação, o Congresso em princípio não deixará de seguir suas regras fisiológicas habituais. Sofrerá pressões para prosseguir no velho toma lá, dá cá. Caso não o faça, poderá sofrer boicotes e não aprovar seus projetos. “Sempre há chance de frustração, com qualquer um. Mas é como me disse uma eleitora na fila de votação: voto nele. Se errar, tira”, afirmou Ana Amélia Lemos. Se assim deseja a maioria do povo brasileiro, quem somos nós para contrariá-lo?
MATÉRIA COMPLETA, em IstoÉ