As
experiências dessa viagem e minhas observações deram origem a outras
visitas e às duas edições do livro A Tragédia da Utopia (2004 e 2019).
Os relatos que fiz foram contundentes e refletem sentimentos que
experimentei e testemunhei sendo vigiado e abertamente filmado pelo
Estado após contato com dissidentes.
Devo reconhecer, porém, que os
fatos em nosso país, nos últimos cinco anos, me abrem novos ângulos para
compreender a passividade conformista do povo cubano e os caminhos
pelos quais andamos aqui no Brasil.
Nunca pensei
que isso fosse acontecer! Ao contrário, sempre que embarquei num avião
em Cuba para retornar ao Brasil, eu o fiz com alívio e comiseração por
aquele povo. Era motivo de alegria voltar à minha terra, onde havia
apreço à liberdade dos cidadãos.
Desgraçadamente,
observando a realidade nacional, percebo hoje tanta semelhança com
aquilo que vi e vivi em Cuba!
Aos que temos apreço pela liberdade não
nos falta qualquer daquelas sensações que tinha como tipicamente
cubanas: medo do Estado e autocensura, descrédito e repulsa às
instituições, insegurança em relação aos próprios direitos e garantias,
ausência de alternativas. Aqui no Brasil, o Estado deixou de servir a
sociedade para estabelecer sobre ela um senhorio que intoxicou a
democracia. Bem ou mal tínhamos algo parecido com isso, mas ela foi
destruída por hábitos que a corromperam moralmente.
Como em Cuba,
nenhum crime real recebe tratamento tão brutal quanto os subjetivos
“crimes” políticos. Muito mais do que em Cuba, aqui “o amor venceu” e a
vingança está no ar.
O parlamento cubano, como se sabe, só tem um
partido, o do governo. Já em nosso Congresso há muitos partidos, mas,
para desgraça da sociedade, está encaixado num quadrilátero. De um lado,
opera o balcão onde o governo faz bilionárias ofertas públicas para
obter votos; de outro, as exclusivas e legítimas competências
legislativas do parlamento são ameaçadas pelo STF e pelo governo; de
outro, ainda, é marionete dos presidentes das duas casas, que usam e
abusam de suas atribuições regimentais para prestígio próprio junto ao
governo e ao STF; de outro, por fim, na comunicação com a sociedade, o
Congresso convive com uma imprensa que, mediante silêncios e palavras,
por vassalagem ou ideologia, serve aos outros dois poderes.
Nunca
imaginei que o jornalismo brasileiro, com seus poderosos veículos, fosse
ficar, em sua essência, tão parecido com o Granma, o miserável pasquim
do governo cubano! Ele e seu filho único, o folheto Juventud Rebelde
(que Deus os perdoe pelo cinismo), cumprem a tarefa de dizer à sociedade
o que Comitê Central do Partido Comunista quer que ela saiba e pense.
Aqui temos muitos veículos de grande porte, mas é como se tivéssemos
apenas um. Por isso, as redes sociais são tão importantes e há tal afã
em silenciá-las.
Eis, pois, a
essência permanente dos totalitarismos: estado impondo medo, punindo com
intenção política e transpirando vingança; parlamento corrompido ou
assustado (os bons e valentes em franca minoria); comunicação social
controlada, comprada ou censurada.
Nos totalitarismos, é desnecessário
dizer, mas aí vai: sempre há um poder que nunca perde para que a
sociedade jamais se imponha.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.