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domingo, 23 de julho de 2023

Perseguição a bolsonaristas - Retórica genocida - Flávio Gordon

Vozes - Gazeta do Povo

Uma temporada revolucionária – como a que estamos vivendo no Brasil, que passa por uma mudança de regime – costuma ser marcada pela incomum velocidade dos acontecimentos. 
Mudanças que, em condições normais, talvez jamais acontecessem, ou acontecessem de modo gradativo, levando nisso anos ou décadas, passam a ocorrer de um dia para o outro. De uma semana a outra, a sensação é de que se passaram séculos, tornando difícil ao cidadão comum acompanhar a intensa produção de fatos (e factoides).
 
Dias atrás, por exemplo, tínhamos notícia da confissão de um golpe de Estado por parte de Luís Roberto Barroso, ministro do STF que se assumiu integrante do grupo político que derrotou Jair Bolsonaro. “Derrotamos o bolsonarismo” – foi a fala do militante profissional (e juiz eventual) em evento da UNE, sintomaticamente discursando ao lado de Flávio Dino, o comunista que dirige a pasta da Justiça e da Segurança Pública, e do qual o magistrado – que já acelera a sua chegada à presidência da corte – parece ser um companheiro de governo.
Quando mal a oposição, enfraquecida e de mãos atadas (como sói acontecer em regimes não democráticos), ensaiava alguma reação e parte da sociedade clamava por uma investigação sobre o que exatamente teria feito Barroso para, na condição de presidente do tribunal eleitoral, “derrotar o bolsonarismo”, eis que o consórcio formado por governo, STF e imprensa amestrada lança uma espessa cortina de fumaça sobre o assunto.
 
A oportunidade foi a notícia da hostilização sofrida por Alexandre de Moraes no salão de embarque do aeroporto internacional de Roma, para onde o magistrado viajara. 
Antes que qualquer imagem do ocorrido tivesse sido disponibilizada, e antes que os acusados pudessem apresentar a sua versão, o assim chamado “jornalismo profissional” cravou a narrativa: o ministro havia sido agredido por “bolsonaristas”, que também chegaram a agredir fisicamente o filho de Moraes com um tapa no rosto. 
Na ausência de imagens que pudessem mostrar o que de fato ocorreu, o jornal O Globo – hoje praticamente indistinguível de um panfleto oficial do regime, a exemplo do Pravda soviético ou do Granma cubano providenciou uma ilustração dramatizada do episódio, chegando a retratar o filho do ministro, um adulto de 27 anos, com feições de criança.[VERDADE VERDADEIRA: o suposto agressor do filho do ministro - um adulto de 27 anos - é um idoso de 75 anos.] 
 A ilustração baseou-se única e exclusivamente no relato de Moraes.


    Diante da fala do mandatário brasileiro sobre “extirpar” determinado segmento político, lembrei-me imediatamente de frases como as de Adolf Hitler sobre os judeus

O episódio foi a senha para uma nova campanha de criminalização da oposição ao regime lulopetista e, em particular, ao assim chamado “bolsonarismo” – aquele que Barroso dissera ter derrotado. 

Na Globo News, a voz do consórcio ecoou de maneira paradigmática no comentário da jornalista Natuza Nery. Segundo ela, o ocorrido era a prova mais contundente que o extremismo (de direita, por óbvio, já que não há extremismo de esquerda) não havia acabado com a eleição.  
“O que pode garantir que situações assim cessem? Punição exemplar (...) e educação política” – declarou Natuza, sem dar maiores detalhes do que entende por “educação política”.
 
Seguiu-se um frenesi de histrionismo estratégico por parte do consórcio, de acordo com um procedimento que já se tornou padrão. Um caso que deveria ser, no máximo, enquadrado em crime contra a honra, a ser resolvido entre as partes em juízo de primeira instância, é transformado num ato gravíssimo, equiparado ao terrorismo e à tentativa de abolição violenta do Estado de Direito. 
 Reproduzindo esse teatro, e municiada com a demonização do bolsonarismo propiciada pelo episódio, a presidente do STF, Rosa Weber – que, imitando a vice-presidente americana Kamala Harris em relação ao 6 de janeiro, já havia comparado os atos de 8 de janeiro ao ataque japonês à base naval de Pearl Harbor –, autorizou uma inusitada operação de busca e apreensão, de teor claramente vingativo e intimidatório, na residência dos acusados da suposta (é sempre bom ressaltar, pois até agora só temos uma versão parcial do caso) agressão a Moraes. 
 
No mesmo diapasão, a Procuradoria-Geral da República solicitou a Moraes que exija das redes sociais em funcionamento no Brasil o fornecimento de uma lista com a identificação de todos os seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro.  
Em suma, de uma hora para outra, o Estado passa a reivindicar acesso aos dados privados de milhões de cidadãos brasileiros, suspeitos do “crime” de esposar uma determinada orientação político-ideológica, contrária aos mandatários do atual regime, um procedimento característico de regimes totalitários como a Venezuela ou a Coreia do Norte.

Mas o mais grave ainda estava por vir. Discursando em Bruxelas na manhã de hoje, dia 19, ninguém menos que o presidente da República, o descondenado-em-chefe Luiz Inácio Lula da Silva, aproveitou o episódio da suposta agressão ao companheiro Alexandre de Moraes para proferir as seguintes palavras: “Um cidadão desse é um animal selvagem, não é um ser humano (...) Essa gente que renasceu no neofascismo colocado em prática no Brasil tem de ser extirpada”.

Veja Também:

    Estado Excepcionalíssimo de Direito

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    Um dia viveremos sem medo? Registros da presente ditadura no Brasil

Note-se que o presidente da República não se restringiu a comentar individualmente sobre o suposto agressor de Moraes, o que já seria alarmante, sobretudo porque nada ainda permite extrair uma conclusão inequívoca sobre o episódio. O mandatário, amigo e aliado de narcoditadores e criminosos contra a humanidade como Maduro e Ortega, referiu-se a “essa gente”. É “essa gente”, comparada a um animal selvagem, que o presidente da República diz querer extirpar. São esses, segundo os dicionários, os sentidos possíveis do verbo extirpar: “Arrancar pela raiz, extrair (como, em medicina, um cisto, um dente, um tumor etc.). Destruir por completo”.

“Essa gente”, “um animal selvagem”, “extirpada”. Em períodos recentes, é difícil lembrar de algum líder de qualquer pretensa democracia no Ocidente utilizando abertamente, em público, esse tipo de retórica, a qual, a meu ver, pode perfeitamente ser qualificada como genocida. Com efeito, diante da fala do mandatário brasileiro sobre “extirpar” determinado segmento político, lembrei-me imediatamente de frases como as de Adolf Hitler sobre os judeus: “Já não são seres humanos. São animais. Nossa tarefa não é, portanto, humanitária, mas cirúrgica. Caso contrário, a Europa perecerá sob a doença judia”. Ou a de Lazar Kaganovich, braço-direito de Stalin, sobre os inimigos do Estado soviético: “Pensem na humanidade como um grande e único corpo, mas que, periodicamente, requer algum tipo de cirurgia. Ora, eu não preciso lembrá-los de que não se faz uma cirurgia sem cortar membros, destruir tecidos e derramar sangue”. É a essa cultura política que a frase do petista nos remete.


    Hoje, os assim estigmatizados como “bolsonaristas” foram efetivamente reduzidos à condição de párias e inimigos do Estado, indignos, portanto, de todas as garantias constitucionais dadas aos demais cidadãos

Há coisa de um ano, antes ainda da eleição presidencial que levou o lulopetismo de volta ao controle do Executivo, publiquei uma coluna com o título “O estigma do bolsonarismo”. Nela, destacava a virulência da linguagem que a imprensa e o meio jurídico começavam a empregar sistematicamente, e sem qualquer pudor, ao se referir a Bolsonaro, seus eleitores e admiradores. Depois de mencionar casos extremos nos quais uma retórica desumanizadora conduziu ao genocídio, observei: “No Brasil, não existe obviamente algo similar a esses casos extremos de violência política. No entanto, na esfera da linguagem, já se observa há algum tempo um mecanismo cada vez mais virulento de estigmatização, processo que tem como alvos o presidente Jair Bolsonaro, seus apoiadores e qualquer um que, apenas por não aderir irrestritamente à agenda da oposição, venha a ser marcado com o estigma do bolsonarismo. São recorrentes os exemplos de linguagem estigmatizadora e desumanizadora, utilizada com cada vez menos cerimônia (...) Fulano é bolsonarista, logo, contra ele tudo é permitido – eis, enfim, o silogismo consagrado nas redações, nos estúdios, nos palcos e nos tribunais do Brasil de nossos dias.”

Impressiona constatar como avançamos na direção da violência política. 
Hoje, os assim estigmatizados como “bolsonaristas” foram efetivamente reduzidos à condição de párias e inimigos do Estado, indignos, portanto, de todas as garantias constitucionais dadas aos demais cidadãos. 
Basta ver o tratamento desumano a que estão submetidos os presos políticos do 8 de janeiro, dentre eles idosos e doentes (até mesmo um autista, só recentemente liberado), cujo encarceramento prolongado, que já dura mais de seis meses, não se justifica sob nenhum aspecto legal. 
 
 Mas assusta presenciar o próprio presidente da República empregando essa verborragia desumanizadora, uma verborragia que, ao longo da história, invariavelmente antecedeu e preparou perseguições políticas e assassinatos em massa.  
E assusta, sobretudo, constatar que, hoje, já não há qualquer instituição, quer estatal, quer civil, disposta a lhe fazer um contundente contraponto. Seguiremos daí na coluna da semana que vem.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Flávio Gordon, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


segunda-feira, 19 de junho de 2023

Censura cartesiana – final. - Sílvio Munhoz

         A frase analisada na crônica passada é tão esdrúxula que escrevi esta continuação para acentuar o aspecto de, como dito na semana passada, ser mais um jogo de palavras para enganar incautos que a conclusão decorrente de qualquer exercício do método cartesiano (em suas quatro regras básicas: verificar, analisar, sintetizar e enumerar).

A frase: “Você pensa que pensa? Pensa mal. Quem pensa por você são as redes sociais. Quem vota por você são as redes sociais”. Ao se pronunciar a “Ministra” disse estar partindo de outra que ouviu de um dos melhores amigos – um velho comunista (aqui) – que dizia: “Você pensa que pensa? Pensa mal. Quem pensa por você é o Comitê Central”.

Opa! Mudou de figura, com o novo dado emerge o verdadeiro sentido da frase. Efetivamente, em sistemas comunistas, inexiste liberdade de expressão e pensamento, como a história (para quem quer ver) ensina, realmente, há um comitê central que dita as narrativas que serão contadas pelos meios de comunicação, sempre oficiais como Pravda na URRS/Rússia ou o Granma – em Cuba.

Sistema consagrado na figura do Ministério da Verdade do icônico 1984, cujo  slogam era “ignorância é poder”
Esse comitê ou ministério controlador é um dos pontos mais buscados no PL 2630 e do qual o atual governo não abre mão nas discussões que hoje acontecem para tentar aprovar o projeto. Querem controle do que é dito ou discutido.
 
No sistema de narrativas comandadas e fiscalizadas por comitê – qualquer que seja o nome -, as pessoas serão impedidas de se expressar e, por fim, de pensar. Merece, aí, menção outra frase da Ministra durante a manifestação: “A democracia se baseia na força e na ciência de que quanto mais você pensar mais você é livre. A Constituição é um documento de libertação”. 
A Constituição de 1988, sim, era um documento de libertação. Lá está o capítulo dos direitos e garantias individuais, onde expressas as LIBERDADES do povo brasileiro. 
Mas, hoje rasurada, pisada e picotada pela casa onde a frasista ostenta cadeira - por vezes, com seu voto - tais liberdades são negadas à nação brasileira.
 
Parecido com a frase original é voltar aos tempos de antes das redes sociais.  
Poucos meios de comunicação de massa comandavam a narrativa, sem contraditório ou contestação, e, na maioria dos casos, comentada por “especialistas” de único viés. Além disso, como sabido, concessões do PODER CENTRAL e quando este quer se manter, compra favores, sugestiona, coage, ameaça e até os fecha. 
Exemplos nem tão longe na memória comprovam tais possibilidades!
 
Produziam o que hoje “dizem” combater, Fake News? Lógico. Basta lembrar o Fórum de São Paulo criado em 1990, pelo comunista e ditador Fidel Castro e os   “companheiros” da América Latina, que a velha mídia escondeu por 20 anos e quem ousava falar era tachado de Teorista da Conspiração, só veio à tona para o grande público quando as redes sociais se popularizaram pelos idos de 2010. 
Breve, breve o inexistente se reunirá em Brasília.

A frase com a troca de “comitê” por “redes sociais” é falsa. Expressa o oposto da original. Nada há mais democrático que as redes sociais, onde surgem milhares de informações, por minuto, e incontáveis opiniões com vieses de todos os matizes a discuti-las. Isso é liberdade, é democracia, é permitir pensar e deixar ser livre. Criar órgão regulador vai igualar as redes à frase original, o comitê (não importa o nome) controlará a narrativa... alguém ingênuo a ponto de achar que não haverá interferência do establishment no órgão?

Modificada nada tem de cartesiano, é uma grande empulhação, inverte o sentido do original para confundir. Ao fim e ao cabo, o establishment do qual faz parte a frasista e seu “tribunal”, hoje com mais poder do que nunca, quer voltar ao controle da narrativa, pois como disse na mesma manifestação: “povo que não pensa não é livre”.

Esqueçam quando falam ser o PL 2630 para combater as Fake News da extrema-direita (como a velha mídia chama quem estiver do centro para a direita) ou regular o poder das Big Techs.  
Não se deixem enganar, a busca dos atuais detentores do poder é CENSURAR e retomar o perdido DOMÍNIO DA NARRATIVA, que significa poder – como no comitê do velho comunista –, pois impede o povo de pensar e ser livre.

Encerro com frase que expressa o ideal da liberdade de expressão.

“Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo.” Evelyn Beatrice Hall, biografista de Voltaire ao sintetizar seu pensamento sobre liberdade de expressão.

Que Deus tenha piedade de nós!

 

Do site Percival Puggina - Silvio Munhoz 



terça-feira, 9 de maio de 2023

Como sobrevivem os totalitarismos? - Percival Puggina

  Há vinte e dois anos, embarquei num trepidante Tupolev da Cubana de Aviación e fui a Havana conhecer de perto a realidade do país mais declaradamente comunista da América.  
Naqueles dias, quase tudo que se ouvia a respeito era propaganda feita por dedicados camaradas tagarelas da esquerda patropi. O longo período de relações diplomáticas cortadas fizera de Cuba um destino de difícil acesso para brasileiros entre 1964 e 1986 e, mesmo depois, pouco atraente em meio às muitas alternativas caribenhas. No desconhecimento, a propaganda prosperava.
 
As experiências dessa viagem e minhas observações deram origem a outras visitas e às duas edições do livro A Tragédia da Utopia (2004 e 2019).  
Os relatos que fiz foram contundentes e refletem sentimentos que experimentei e testemunhei sendo vigiado e abertamente filmado pelo Estado após contato com dissidentes.  
Devo reconhecer, porém, que os fatos em nosso país, nos últimos cinco anos, me abrem novos ângulos para compreender a passividade conformista do povo cubano e os caminhos pelos quais andamos aqui no Brasil.

Nunca pensei que isso fosse acontecer! Ao contrário, sempre que embarquei num avião em Cuba para retornar ao Brasil, eu o fiz com alívio e comiseração por aquele povo. Era motivo de alegria voltar à minha terra, onde havia apreço à liberdade dos cidadãos.

Desgraçadamente, observando a realidade nacional, percebo hoje tanta semelhança com aquilo que vi e vivi em Cuba!  
Aos que temos apreço pela liberdade não nos falta qualquer daquelas sensações que tinha como tipicamente cubanas: medo do Estado e autocensura, descrédito e repulsa às instituições, insegurança em relação aos próprios direitos e garantias, ausência de alternativas. Aqui no Brasil, o Estado deixou de servir a sociedade para estabelecer sobre ela um senhorio que intoxicou a democracia. Bem ou mal tínhamos algo parecido com isso, mas ela foi destruída por hábitos que a corromperam moralmente.
 
Como em Cuba, nenhum crime real recebe tratamento tão brutal quanto os subjetivos “crimes” políticos. Muito mais do que em Cuba, aqui “o amor venceu” e a vingança está no ar. 
O parlamento cubano, como se sabe, só tem um partido, o do governo. Já em nosso Congresso há muitos partidos, mas, para desgraça da sociedade, está encaixado num quadrilátero. De um lado, opera o balcão onde o governo faz bilionárias ofertas públicas para obter votos; de outro, as exclusivas e legítimas competências legislativas do parlamento  são ameaçadas pelo STF e pelo governo; de outro, ainda, é marionete dos presidentes das duas casas, que usam e abusam de suas atribuições regimentais para prestígio próprio junto ao governo e ao STF; de outro, por fim, na comunicação com a sociedade, o Congresso convive com uma imprensa que, mediante silêncios e palavras, por vassalagem ou ideologia, serve aos outros dois poderes.  

Nunca imaginei que o jornalismo brasileiro, com seus poderosos veículos, fosse ficar, em sua essência, tão parecido com o Granma, o miserável pasquim do governo cubano! Ele e seu filho único, o folheto Juventud Rebelde (que Deus os perdoe pelo cinismo), cumprem a tarefa de dizer à sociedade o que Comitê Central do Partido Comunista quer que ela saiba e pense. Aqui temos muitos veículos de grande porte, mas é como se tivéssemos apenas um. Por isso, as redes sociais são tão importantes e há tal afã em silenciá-las.

Eis, pois, a essência permanente dos totalitarismos: estado impondo medo, punindo com intenção política e transpirando vingança; parlamento corrompido ou assustado (os bons e valentes em franca minoria); comunicação social controlada, comprada ou censurada. 
Nos totalitarismos, é desnecessário dizer, mas aí vai: sempre há um poder que nunca perde para que a sociedade jamais se imponha.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quarta-feira, 20 de maio de 2015

Fidel Castro e Che Guevara, detidos



O Arquivo Geral de México guarda o relatório secreto sobre a captura, em junho de 1956
Foi rápido. A Direção Federal de Segurança sabia o que estava fazendo. Dentro do Packard verde, modelo 1950, estavam cinco homens. Três deles desceram do carro no cruzamento das ruas Mariano Escobedo e Kepler. Um deles era alto e corpulento, de andar firme. À distância percebia-se que era o líder. Quando ele estava prestes a sumir nas sombras, os agentes que o seguiam o agarraram. Ao vê-los chegar, o homem alto agarrou sua arma automática. Mas, antes que pudesse sacá-la, já tinha uma pistola encostada na nuca. Se, naquele instante, o policial tivesse apertado o gatilho, a história da América teria sido outra. Naquela noite de 21 de junho de 1956, naquela esquina da Cidade do México, Fidel Alejandro Castro Ruz acabava de ser detido sem um disparo. Tinha 29 anos e uma revolução por fazer.

A célula cubana tinha caído. Em poucos dias foram presos 22 castristas. O núcleo do complô se localizava na casa de número 49 da rua de Emparán, onde vivia a opositora peruana Hilda Gadea. Seu marido foi quem mais desafiou a polícia e, diferentemente de seus companheiros, declarou-se marxista-leninista. Era asmático, argentino e pobre. Chamava-se Ernesto Guevara de la Serna.

Depois de três dias de interrogatórios, o cérebro da operação, o capitão Fernando Gutiérrez Barrios, redigiu seu relatório sobre o “complô contra o Governo da República de Cuba”. Desde que foi desclassificado, o texto, de cinco folhas datilografadas e guardado no Arquivo Geral do México, se converteu em um documento chave para a compreensão da gênese da revolução castrista, mas também sobre o papel ambivalente desempenhado pelo México na turbulência da época, papel esse que o próprio Gutiérrez Barrios encarnou como ninguém. Ao longo de seu reinado, o capitão, que se tornaria chefe dos serviços de inteligência, conjugou a repressão feroz contra a esquerda cubana com a acolhida de destacados exilados e fugitivos de ditaduras. Algo que, ao final, acabou fazendo com aquele cubano carismático que tinha caído em suas mãos.

Fidel Castro tinha chegado ao México em julho de 1955. Desde que desembarcou do DC-6 bimotor, seu objetivo tinha sido preparar seu regresso a Cuba. Para isso, tinha formado uma rede de 40 seguidores fiéis. Era o núcleo duro de uma revolução. Uma organização secreta que recrutava e treinava para o ataque final. “O objetivo [dos detidos] é capacitarem-se militarmente para integrar comandos que dirijam os insatisfeitos em seu país”, assinala o documento. Os instrutores eram o próprio Fidel Castro e o antigo coronel da República espanhola Alberto Bayo Giraud. As aulas eram dadas na fazenda Santa Rosa, em Chalco, e incluíam “treino de tiro, topografia, tática, guerrilha, explosivos, bombas incendiárias, explosões com dinamite...”.

O relatório, no qual se discerne certa admiração pelo “dirigente máximo” cubano, mostra que Castro era o eixo da máquina toda. Ele classificava os recrutas de acordo com seu rendimento, disciplina e qualidades de comando. E, deixando antever o controle absoluto que praticaria mais tarde em Cuba, Castro regulamentou detalhadamente a vida no interior da “casa residência”. “[Castro os] faz ver que, para estar preparado para uma ação armada, é preciso uma disciplina rígida”.

A advertência de pouco serviu. De um golpe só, Gutiérrez Barrios deixou tudo à descoberta: esconderijos, armamentos, correspondência, chaves, recursos financeiros, contatos, financiadores... —até os incômodos questionários que os revolucionários tinham que cumprir a respeito de seus companheiros. Com esse material em seu poder, o futuro de Fidel Castro e sua revolução dependia do maquiavélico capitão. E este jogou suas cartas. Em suas conclusões, descartou qualquer vínculo com o Partido Comunista, minimizou a importância das armas apreendidas (“poucas e fáceis de adquirir”) e enfatizou que tratava-se de um “grupo opositor independente” que buscava unicamente derrubar Fulgencio Batista: “Dizem que têm o apoio de 90% da população de seu país e que o povo cubano [...] recebeu grande quantidade de armamentos”.

Um mês depois, Fidel Castro e Che Guevara foram libertados. Mais tarde, Gutiérrez Barrios seria seu amigo. O México, também. Na madrugada de 25 de novembro de 1956, sob uma chuva fria, o Granma zarpou de Tuxpan rumo a Cuba. Foi o início da revolução.

Fonte: El País