O Estado de S.Paulo
Polícia Federal, Forças Armadas e Itamaraty cercados de dúvidas e na boca do povo
Dos ministérios da Educação e do Meio Ambiente, nem se fala mais, mas
três instituições historicamente respeitadas e admiradas andam na boca
do povo: Polícia Federal, Forças Armadas e Itamaraty. Dúvidas e temor de
ingerência na PF, risco de imagem e contaminação política nas FA, uma
política externa que atrai perplexidade e crítica mundo afora.
Jogada no centro de mais uma crise política, num país que viveu
impeachment duas vezes em três décadas, a PF tem dificuldade de entender
o que está acontecendo. O delegado Maurício Valeixo, uma referência,
quase unanimidade, foi demitido. Alexandre Ramagem foi impedido de
assumir pelo Supremo. Rolando Alexandre de Souza fez as escolhas certas e
ia bem, até que, na sexta-feira, foi chamado ao Planalto e o governo
tentou novamente emplacar Ramagem.
Os acertos de Rolando desagradam ao presidente Jair Bolsonaro? Essa
pergunta não quer calar na PF, onde a percepção é de que está em curso
um processo de enfraquecimento do novo diretor-geral, visto agora como
“tampão”, achando que tem uma autonomia que na verdade não tem. O foco é
a Superintendência do Rio.
Rolando nomeou para o Rio o delegado Tácio Muzzi, elogiado pelos seus
pares e bom conhecedor da praça, onde trabalhou com os antecessores
Ricardo Saadi e Carlos Henrique – justamente com quem Bolsonaro implica.
Saadi, aliás, está na lista de depoentes desta semana sobre as
acusações do ex-ministro Sérgio Moro ao presidente. Logo, o que paira na
PF é: até quando Rolando Alexandre fica? E Muzzi? E para que novas
trocas?
Nas FA, até onde se possa perceber, há três grupos. Os generais do
Planalto, apoiando tudo o que seu mestre mandar até o fim, seja lá que
fim seja. Os comandos, onde há incômodo com sacolejos entre poderes,
atos golpistas até diante do QG do Exército, [ manifestações pacíficas, ordeiras, sem armas, cidadãos no pleno exercício dos direitos constitucionais de livre expressão e de manifestação;
o único ponto que poderia ser questionado seria a realização em área militar, porém, com certeza, as autoridades militares entenderam que aqueles cidadãos não ofereciam risco à segurança das instalações militares.] competentes do descaso com pandemia e
mortes, churrasco (fake?) no sábado. E as bases, da ativa e reserva, com
várias centenas de cargos, DAS camaradas e famílias felizes. Ser leal a
quem, ou ao quê?
No Itamaraty, nenhum outro termo define melhor a situação: perplexidade.
Num país de diplomacia sólida, estável, baseada em princípios e
independência, o atual governo segue cegamente os Estados Unidos e cria
atritos e crises com França, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, mundo
árabe e, toda hora, com a China.
Em movimento inédito, Fernando Henrique, Aloysio Nunes Ferreira, Celso
Amorim, Celso Lafer, Francisco Rezek, José Serra, Rubens Ricupero [Ricupero, aquele do quando é bom a gente mostra, quando é ruim a gente esconde, agora é modelo.
Serra e Lafer já souberam escolher melhor suas companhias.] e
Hussein Kalout, de cinco governos diferentes, assinam o manifesto
“Reconstrução da política externa”: “Além de transgredir a Constituição,
a atual orientação impõe ao País custos de difícil reparação como
desmoronamento da credibilidade externa, perdas de mercados e fuga de
investimentos”.
Pelo twitter, o chanceler Ernesto Araújo, que guerreia contra o
multilateralismo, endeusa Donald Trump, demoniza a China e vive
assombrado por um comunismo delirante, acusou os autores de “paladinos
da hipocrisia” e o texto de “clichês globalistas”, para desferir: “Não
fiquem usando a Constituição como guardanapo para enxugar da boca a sua
sede de poder”. Pode ser tudo, menos linguagem diplomática.
Assim, o Brasil atinge 10 mil mortos e vai chegando a epicentro mundial
da Covid-19 e ao colapso de redes de saúde e funerária, mas o presidente
insiste na apologia da aglomeração, brinca com churrasco para 30 ou 30
mil pessoas, só pensa na PF do Rio e está às voltas com a tal reunião
apocalíptica de 22 de abril. Quanto à ida ao STF: segundo arguto
personagem, ele procura “sócios para carregar as alças dos caixões”.
Porém, o que vale hoje vale amanhã: “Quem manda sou eu”. Não se esqueçam
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo