Agentes amotinados no Ceará fazem exigências para voltar às ruas, uma delas o perdão
Há dez dias policiais militares do Ceará estão amotinados — situação
inaceitável, à medida que a Constituição proíbe greve de agentes de
segurança, como já reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse
período, a população tem assistido a cenas inacreditáveis. Como PMs com
o rosto coberto, tal qual membros de facções criminosas, invadindo
quartéis e depredando viaturas, compradas com o suado dinheiro do
contribuinte. Comportamento que de forma alguma é esperado de
profissionais pagos pelo Estado para proteger cidadãos.
Enquanto PMs permanecem nos quartéis, bandidos tomam conta das ruas.
Segundo o G1, entre 19 e 25 de fevereiro, o estado contabilizou 170
assassinatos, ou 24 por dia. Esse número é três vezes maior do que a
média registrada antes do motim. Ontem, a Secretaria de Segurança do
Ceará informou que, devido ao acúmulo de casos, dados sobre homicídios
não serão mais divulgados diariamente. De qualquer forma, não há
expectativa de que a violência cesse enquanto durar essa greve. Mesmo
com a presença das Forças Armadas.
Indiferentes ao drama vivido pelos cearenses, PMs amotinados divulgaram
ontem, numa reunião com representantes dos três Poderes, 18
reivindicações para voltarem às ruas. Entre elas, reajuste salarial e
anistia aos que participam da paralisação. Embora o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), tenha dito que
anistia é um ponto inegociável, a verdade é que o perdão a PMs e
bombeiros grevistas tem sido uma constante em episódios anteriores no
cenário nacional.
Em fevereiro de 2017, uma greve de policiais militares que durou 21 dias
no Espírito Santo levou o caos ao estado, que se transformou numa terra
sem lei. Ao menos 204 pessoas foram assassinadas nesse período — no
auge da violência, houve 43 homicídios num único dia. Apesar do inegável
dano causado à sociedade, os agentes amotinados acabaram perdoados. Em
janeiro do ano passado, o governador Renato Casagrande (PSB) sancionou
uma lei que anistia os policiais. O projeto fora aprovado por
unanimidade na Assembleia.
Não há dúvida de que um dos fatores que estimulam as greves de policiais
é a certeza de que ficarão impunes esses movimentos que contrariam a
Constituição e prejudicam os cidadãos. Não faltam projetos nas
Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional para perdoar agentes
que se portam como membros de facção — atualmente, ao menos duas
propostas para anistiar policiais grevistas tramitam em Brasília. São o
salvo-conduto para novas greves, novas cenas de baderna, novos dramas
para uma população desassistida, que não tem a quem recorrer. Não
adianta chamar a polícia.
Editorial - O Globo