Vencer conflitos é o trabalho dos militares. Mas decidir quais conflitos travar cabe aos civis
A decisão
do governo de colocar um militar na chefia do Ministério da Defesa ameaça um
dos pilares da estabilidade interna e externa do Brasil. Ao alçar um militar a
este posto, o país abandona um dos símbolos do equilíbrio político: a submissão
do poder militar ao poder civil. [vale um lembrete: a alegada submissão do poder militar ao poder civil é meramente simbólica - só existe, mesmo que só simbolicamente, enquanto os militares aceitam [muitas vezes os militares são forçados a deixar de aceitar tal submissão para livrar o Brasil do abismo para o qual está sendo empurrado por governos civis;
vamos deixar a defesa por conta dos militares, inclusive o ministério que a representa;
o Brasil tem o hábito de acompanhar os Estados Unidos - aliás, a criação do MD foi mais uma das bobagens feitas por FHC (que agora, felizmente, só fala bobagens não tem mais o poder de fazer) copiando os EUA.
Agora, sob Trump, o ministro da Defesa é um militar, almirante.]
vamos deixar a defesa por conta dos militares, inclusive o ministério que a representa;
o Brasil tem o hábito de acompanhar os Estados Unidos - aliás, a criação do MD foi mais uma das bobagens feitas por FHC (que agora, felizmente, só fala bobagens não tem mais o poder de fazer) copiando os EUA.
Agora, sob Trump, o ministro da Defesa é um militar, almirante.]
A
definição clássica para a necessidade de Estados terem o poder militar sob o
comando do poder civil não vem do pensamento da esquerda ou de países que
saíram há pouco de ditaduras brutais. Partiu de um dos principais pensadores
políticos conservadores dos EUA no século XX, Samuel Huntington — autor, em
1993, do controverso “O choque de civilizações”. Em 1957, ele publicou o livro
que se tornou um clássico do estudo das relações civil-militares. Em “O soldado
e o Estado”, Huntington defende o “controle civil objetivo” dos militares.
Seu
raciocínio passa longe de ideologias ou da tensão de um país em que oficiais
ainda lamentam o desejo de familiares de saberem quem torturou seus filhos ou
mães, e que temem comissões da verdade. Segundo ele, o “controle civil é a
maximização do profissionalismo militar”. A técnica militar, desde o século
XIX, se tornou uma das áreas mais sofisticadas da experiência humana. O
planejamento de operações de forças combinadas, as ameaças que se modificam
rapidamente tornam a esfera militar um exigente desafio. Para que um militar
seja bom, deve ser um especialista, um “soldado profissional”. Vencer conflitos
é o trabalho dos militares. Mas decidir quais conflitos travar cabe aos civis.
Se alguém quiser ser simultaneamente um líder militar e civil, está condenado a
não ser bom numa coisa nem noutra. Como diz Huntington, “o controle civil
objetivo atinge seu fim ao militarizar os militares, tornando-os o instrumento
do Estado”.
Os
militares brasileiros conhecem as lições de Huntington. Aqui, o livro foi
publicado pela Biblioteca do Exército Editora (as citações foram retiradas
desta edição), em 1996, dois anos antes da criação da pasta. O erro
ficou ainda mais claro com a reação militar à tentativa de remendo do governo,
que quer nos fazer crer que a medida fora apenas provisória, e que já decidira
que um civil voltaria à pasta este ano. Após sentir o gosto do primeiro
escalão, os militares pressionam publicamente para permanecer no cargo.
O almirante Bacelar, comandante da Marinha, fez um hábil jogo de palavras ao GLOBO: disse que, nos EUA, o atual secretário da Defesa é um militar “de carreira”. É lei, nos EUA, que o ministro, “appointed from civilian life by the President”, deve ter deixado a vida militar ativa pelo menos sete anos antes. O que Trump fez — uma de suas medidas de legalidade duvidosa e imoralidade impecável — foi indicar uma pessoa que deixou a vida militar há apenas três anos. E se Trump (caso tivesse feito o que não fez) agora é o exemplo a ser seguido pelo Brasil, segundo nossos militares, talvez Huntington esteja realmente certo.
O almirante Bacelar, comandante da Marinha, fez um hábil jogo de palavras ao GLOBO: disse que, nos EUA, o atual secretário da Defesa é um militar “de carreira”. É lei, nos EUA, que o ministro, “appointed from civilian life by the President”, deve ter deixado a vida militar ativa pelo menos sete anos antes. O que Trump fez — uma de suas medidas de legalidade duvidosa e imoralidade impecável — foi indicar uma pessoa que deixou a vida militar há apenas três anos. E se Trump (caso tivesse feito o que não fez) agora é o exemplo a ser seguido pelo Brasil, segundo nossos militares, talvez Huntington esteja realmente certo.
Renato
Galeno é professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ