Por Raul Jungmann - Blog do Noblat - Veja
Aqueles que aplaudem hoje, amanhã não perguntem por quem os sinos dobram…
Semana passada o
Capitão Assunção, dublê de PM e deputado estadual pelo Espirito Santo,
foi à tribuna fazer uma oferta espantosa. Dez mil reais para quem lhe
trouxesse o cadáver do assassino de uma jovem capixaba. Fardado, o
capitão PM rompeu, de uma só vez, todos os laços com a condição de
policial e de parlamentar, ao tornar-se um possível cúmplice e mandante
de um homicídio doloso e, de homem da lei candidatou-se a ser um homem
do crime. [o capitão Assunção jogou para as arquibancadas, tanto que não apareceu nenhum candidato para se habilitar à recompensa, não houve crime. Apenas uma incontinência verbal.] Os que têm memória curta o aplaudiram.
Porém, em 2017 estávamos
em campos opostos. Ele, foi o principal líder de um motim policial que
levou parte da tropa da PM a se aquartelar armada, negando segurança e
levando o terror ao indefeso povo capixaba, alvo de arrastões,
incontáveis mortes e saques. Nós, coordenando uma operação de GLO –
Garantia da Lei e da Ordem, a pedido do Governador Paulo Hartung e mando
do Presidente Temer, com 3.500 homens das Forças Armadas, para dar a
população a segurança negada pelo Capitão e seus liderados. De todas as
11 GLOs que coordenei, essa foi a mais crítica.
No pico do stress
chegamos a trabalhar com a hipótese de empregar tanques e lançar tropas
especiais de paraquedas para libertar os que se opunham à greve e eram
impedidos de sair dos quarteis. Recentemente, no Fórum Exame 2019,
afirmamos que uma polícia com licença para matar concedida pelas
autoridades, torna-se moralmente corrupta. Cabendo a ela decidir quem
irá morrer ou não, é evidente que os poderosos e ricos comprarão suas
vidas, os fracos e pobres, não.
Chegando nesse estágio de
degradação, uma polícia já não se distingue de uma milícia, autênticos
justiceiros de aluguel. Disciplina, hierarquia e respeito à lei, bases
constitutivas de toda força policial armada, deixam de existir. Clãs e
grupos se formam sob a liderança de chefes paralelos aos comandos
formais, sem nenhum controle. A opinião pública que chancela e aplaude a
licença para matar, não faz ideia do monstro que ajuda a criar e que
inexoravelmente se associará ao crime organizado.
Pois esse, ao contrário
dos pés de chinelo, tem recursos para comprar sua intocabilidade. Tenho
especial apreço pelos homens e mulheres policiais que nos fazem a
segurança. São exigidos, mais das vezes ganham mal e vivem sob constante
stress e riscos. Em respeito a eles, bons policiais, não podemos jamais
ordenar-lhes algo que seja ilegal ou criminoso.
Combater o crime e
reduzir a violência de modo sustentável exige respeito à lei, valores
corporativos, boa formação de recursos humanos, inteligência policial,
tecnologia, disciplina e hierarquia. Na licença para matar, as primeiras
vítimas são os de sempre, em seguida a boa polícia e a nossa segurança.
Aqueles que a aplaudem hoje, amanhã não perguntem por quem os sinos
dobram…
Raul Jungmann, ex-Ministro da Reforma Agrária, Defesa e Segurança Pública.
(Transcrito do blog Faces da Violência, do UOL)