Editorial - O Globo
Criança de 10 anos, estuprada desde os 6, teve de viajar de Vitória a Recife para interromper gravidez
A história cruel da menina de 10 anos que engravidou, abusada pelo
próprio tio no Espírito Santo, é ainda mais perversa pela dificuldade
atávica do Brasil para lidar com o tema e fazer cumprir a lei. O país
parece ignorar uma realidade repulsiva, mais comum do que se pensa.
Quase 90% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes
ocorrem no ambiente familiar, de acordo com dados apresentados ano
passado ao Congresso pela Ouvidoria Nacional do Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos. [é DEVER DO ESTADO impedir os estupro e e qualquer tipo de violência sexual, para tanto deve usar eficiente ação policial preventiva e, se necessário, repressiva e o Poder Judiciário, além de condenando com o máximo rigor estupradores, não deve conceder a autores de determinados crimes ( tráfico de drogas entre eles) nenhum beneficio que permita saída eventuais da cadeia - entre eles, sem limitar, a progressão de regime.
As datas mostram que o estuprador só realizou seus intentos devido ter sido favorecido desde 2016 com o semi aberto, (ainda que condenado a sete anos de risão por tráfico de drogas) o que lhe concedeu a intervalos regulares, semana para torturar uma criança.
Se o Brasil falha em proteger crianças e adolescentes, fracassa também
em agir nos casos de violência sexual. O episódio da menina é exemplar.
Em contraste com outras democracias, a legislação brasileira é
restritiva em relação ao aborto. Só o permite em três situações:
estupro, quando há risco de vida para a gestante e em caso de feto
anencéfalo. Uma gestação aos 10 anos de idade configura estupro
incontestável e risco flagrante à vida da mãe. [nenhuma das situações permite moralmente - a lei não pode ser amoral - o assassinato de um ser humano inocente e indefeso = especialmente em um Brasil que tanto se preocupa com o bem-estar, e mesmo a preservação de serpentes.] A lei deveria tão somente
ser aplicada. Desnecessariamente, contudo, levou-se a questão à
Justiça.[discordamos:
tudo no Brasil é judicializado, preservar a vida de um ser humano inocente e indefeso não justifica recorrer à Justiça tentando impedir um assassinato?
Então, o que justifica que o Supremo seja acionado para determinar a forma e datas que o Ministério da Saúde deve adotar na apresentação de estatísticas de combate a uma pandemia?
Como justificar que qualquer partideco, sem votos e sem representatividade, ingresse com ação na Suprema Corte para questionar minúcias?
Qual o motivo de permitir que um jornal recorra ao Supremo para obrigar o presidente da República a divulgar resultados de seus exames médicos, resultados esses que não influíram, nem influirão, na forma do supremo mandatário conduzir os destinos da Nação brasileira?] cujo resultado em nada influiu, nem influirá o O juiz que analisou o caso destacou em seu despacho, favorável à
interrupção da gravidez, que o pedido era prescindível.
Em circunstâncias em que as condições físicas e psicológicas da menina
são as piores possíveis, ela foi levada para Vitória para ser submetida
ao procedimento. A equipe se recusou a atendê-la, alegando idade de
gestação avançada (22 semanas). A legislação (o Código Penal) não faz
ressalva sobre isso. Do ponto de vista legal, o argumento não se
sustenta. Qualquer médico tem direito de se recusar a fazer um aborto,
mas o hospital deveria ter chamado outra equipe. A solução encontrada
foi ainda mais desgastante: levá-la para Recife, a 1,8 mil quilômetros.
Impressiona a falta de sensibilidade ao lidar com uma menina
traumatizada, abusada desde os 6 anos pelo tio, foragido.
O rosário de crueldades não terminou aí. Internada para submeter-se ao
aborto, que ocorreu ontem, a menina foi vítima também de pressões de
grupos que cercaram o hospital, hostilizaram os médicos e o diretor. Uma
das responsáveis por divulgar o nome completo e o paradeiro dela —
atitude ilegal e irresponsável — foi a extremista de direita Sara
Giromini, um dos alvos do inquérito contra fake news que tramita no
Supremo.
A lei brasileira só admite aborto em casos excepcionais. Se algum caso
pode ser considerado excepcional, é o da menina de 10 anos. Não há,
aqui, espaço para debater a liberação do aborto (questão legítima
noutros contextos). Trata-se simplesmente de cumprir o que determina uma
lei em vigor há 80 anos.
Editorial - O Globo